domingo, 22 de agosto de 2010

Quando contar passa à arte de bem-tecer! (2)



A trança está no princípio do nó borromeano. Com efeito, por pouco que vocês cruzem convenientemente esses três fios, os reencontram em ordem na sexta manobra, e é isto o que constitui o nó borromeano. Se assim procederem doze vezes, têm outro nó que, curiosamente, não é visualizado de imediato, mas tem o caracter borromeano.”[ J.Lacan, Sem.24 – 18/01/1977 ]

“A excomunhão” é a primeira lição do Seminário de Jacques Lacan, “Os 4 conceitos fundamentais da psicanálise”(1964), que acontece na Escola Normal Superior, de Paris. Este ensino é retomado após a suspensão pela IPA, em outubro de 1963, dos trabalhos de Lacan na Sociedade Francesa de Psicanálise.

O corte na nomeação de didata, da IPA, faz buraco ali onde estaria o próximo tema do ensino de Lacan, sobre “Os nomes do pai”. Desta fenda que se reabre, ele toma a palavra em outro endereço, endereçando-se a um outro público e singularmente fala do lugar de uma nova posição subjetiva. A partir disso, a exigência de trabalho que envolve a psicanálise e sua sustentação na cultura passa a ter um outro estilo.
A ‘Excomunhão’ naquele momento do sujeito, relança-o ao salto de uma rigorosa revisão da psicanálise e da formulação dos seus conceitos, numa quase extenuante implicação dos analistas pela transferência de trabalho ao texto de Freud. Ou seja, fica proposto que para se fazer a psicanálise enquanto práxis, é preciso que uma fatia do desejo de cada analista esteja contida na elaboração dos conceitos, com os quais circunscrevemos o real da experiência clínica.
Dando ênfase a uma das perguntas desta lição: Qual é o desejo do analista? Lacan a destaca como o melhor lugar de onde se questionar sobre o estatuto da psicanálise enquanto práxis, “em todos os sentidos que este termo deve implicar de ‘uma experiência’.”
“O que será do desejo do analista para que ele opere de maneira correta?”, na direção desta pergunta define-se outra leitura, a de que o problema da formação em psicanálise, em cada caso, é a razão principal de não se deixar esta questão fundamental fora da ordem do dia, ou da vida cotidiana da psicanálise.
Surpreendentemente, tal como entendo que somente a surpresa 'resplantece' fulgores do discurso analítico, verifiquei que durante o tempo em que se realizavam as atuações burocráticas deste processo de reconhecimento e filiação por parte dos comitês organizados da IPA, o ensino de Lacan perfazia recortes na abordagem da Angústia(1962-63), ali onde se trançavam os fios de sua experiência, entre os espaços vazios do real da castração e a voz-letra, de um luto, em trabalho de vir a ser causa.
“...e assim como Freud, não posso dar conta “daquilo que ensino” a não ser acompanhando seus efeitos no discurso analítico: efeitos de sua matematização, que não vem de uma máquina, mas que revela algo de um ‘treco’, uma vez que ele a produziu.” [Lacan – “O aturdito”, Outros Escritos.]
O efeito de surpresa com a elaboração que Lacan trazia a luz naquele momento, com o Seminário da Angustia, deve-se à precisão com que se pontuava a teorização da clínica, vinda de sua experiência na aposta da lógica do inconsciente como pulsação temporal do trabalho de transferência, sustentando a diferença na duração das sessões de análise, e a articulação coerente dessa posição com a tão questionada abertura de seus seminários a seus analisandos, instituindo ali a transferência de trabalho na psicanálise.
É interessante pensar que o tratamento que Lacan dedicava ao luto perfazia uma trajetória que levava ao coração da relação entre Ideal e objeto a. E nesta perspectiva não há diferença de processo tanto no individual quanto no coletivo. Sua duração e suas dificuldades estão ligadas à função metafórica dos traços conferidos ao objeto do amor, na medida em que estes traços são privilégios narcísicos.
É de nossa responsabilidade não deixar esquecido que a problematização que se coloca em relação ao objeto a, é bem diferente daquela do acesso a algum Ideal, onde um objeto substituto pode vir preencher o campo do ser, circundado pelo amor.
Em relação ao objeto no campo do desejo, não há maior ou menor preço ou valor que um outro. Parece-me ser este um apontamento do luto, em torno do qual irá se ordenar o desejo do analista.
Aí está indicada uma trajetória para recomeçar estudos e conversas. Estamos questionados e somos levados a não mais recuar da questão que recai sobre o luto pelo objeto a, voltas processadas e em elaboração na análise daquele que se autorizará analista .
“o mais difícil não é um ser bom e proceder honesto; dificultoso, mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra.”.... “Ações? O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai rompendo rumo”....”Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazer balancê, de se remexerem dos lugares.... E estou contando não é uma vida de sertanejo, mas a matéria vertente...”. [Guimarães Rosa – “Grande Sertão, veredas”]

Com esta provocação do ‘fazer com’, postada no Tear 4, relanço-me ao trabalho, por via desta volta ímpar dada pela experiência de que, com a psicanálise, não basta ter bom ouvido, é preciso ainda que se escreva a trajetória da causa do desejo.

Lúcia Montes

Um comentário:

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