sábado, 19 de outubro de 2013

...E, EM NOME PRÓPRIO, SEM BIOGRAFIAS, COMO SABER PERDER OS HERDEIROS?




A presença de Vinícius de Moraes invadiu o silêncio dos meus jornais, arrebatou minha tranqüilidade e me faz agora deixar de ser, simplesmente, uma possível expectadora das controvérsias em torno das vidas e das grafias... ‘Autor’izadas ou ?? Não tenho claro ainda qual seria o destino de uma vida como obra ‘não-autorizada’... Mas de qualquer forma, de minha parte, foi muito bom ler, mais que um pedido de desculpas, a posição revisitada do Chico.
 E assim me veio a questão do que seria, “A vida ‘artística’ e o contexto privado do artista???......ou ainda, a conseqüência judicial....
aos Herdeiros, a Obra??
Será que assim a vida durará mais que o necessário?, e mais ainda,  por vias cartoriais???

É ele quem escreve e é por seu poema que passo minha homenagem aos seus 100 anos:

VINÍCIUS DE MORAES – “ O HAVER”
“Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão de seu reino
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada....
Resta...
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
]Infantil de ter pequenas coragens.
Resta acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio.
.... esse antigo respeito pela noite,
esse falar baixo, essa mão que tateia antes de ter,
esse medo de ferir tocando,
essa forte mão de homem, cheia de mansidão para com tudo que existe.
Resta...
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil...
Essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
Resta...
Essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir a ser.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos...”


Lúcia Montes

domingo, 6 de outubro de 2013

"Quem foi que aprendeu, na psicanálise, a saber tratar bem sua mulher?"

 Perguntinha capciosa de Lacan no seminário XVI...à página 199.

 A psicanálise não é um saber do sexual, diz ele. Não se garante uma sexologia, a ciência do sexo e do sexual,  àquele que faz uma análise!
Quanto à sexualidade, nem seu saber, nem sua prática, contudo são esclarecidos nem modificados por ele, lembra Lacan
 Mas, também, não se pode dizer que nada da experiência analítica poderia articular-se num ensino, diz ele também. Há algo que se aprende, quando se paga o preço, no discurso analítico, do abrir caminho, ainda que intuitivamente, a torto e a direito, pelo trabalho da verdade.
 E o que ela ensina é que, nesse lugar que chamamos inconsciente, enuncia-se uma verdade, cuja propriedade é nada podermos saber dela. O sexual não é pensável sem que exista a implicação na pulsão e, afinal, em psicanálise, é o inconsciente que constrói a pulsão a partir dos rastros do que se escuta e do que se lê...
Rastros...da mulher
 E como é que se "sabe tratar bem a sua mulher"? Aqui se articulam "saber" , "tratar" ...e bem! e "sua mulher".
Seria a mulher "tratável"?
 Da mulher é possível se tratar?
 É curável a condição da falta? Como tratar bem o 'intratável' da castração?
 O tratar "bem", mais além do que se fantasia sobre como se poderia abordar uma mulher, 'a' bordar, fazer borda, contornar, 'rodear', fazer a corte ao que é corte, o que seria? Um jeito? Uma manha? Um 'trato' que se possa dar ao  que seria 'sua' mulher?
 Vislumbra-se, ao referir-se Lacan a um saber sobre a mulher, uma longa caminhada, trilha do próprio caminho analítico, de um Outro ao outro, do significante ao objeto, a trilha da experiência em psicanálise.
A sexualidade, com respeito ao que  nos interessa no campo psicanalítico, constitui certamente um horizonte, mas sua essência está ainda muito mais longe.
Enfim, que, pelo menos, então, "se possam esclarecer numa análise os caminhos que o impedem, ao homem a quem essa mulher se dirige, de fazê-lo direito, gostamos de acreditar que isso se produz no final de uma análise"(Lacan,Seminário XVI, página199)

Ângela Porto

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

SILÊNCIO / SOM...


SILÊNCIO/SOM...
Imagens de Kowloon, a cidade mais caótica do mundo*
SILÊNCIO / SOM...

e  Graças à vida
a voz de Gal Costa ainda ecoa nas fibras tensas do desejo.

“Dói. Tudo dói!”
...
O vôo da voz retorna ao pouso brusco do silêncio, corte... “Dói.
Tudo dói!”
...
Salta a voz,
ousada,
ouvida
relança ao sol
as vísceras da dor.
“As cascas das árvores
crescem no escuro...
...
Tudo é Singular.”
...

Das perdas ao entalhe do luto,
do grito faz-se luz entrelaçada num rarefeito esteio de voz.
Veludo macio de som destacado da palavra
Camada derradeira da pele que abriga e pulsa
o sopro do silêncio originário da vida.

“Viver
é um desastre que sucede a alguns.” **


Lúcia Montes.

**Em negrito, palavras da canção "Tudo dói", de Caetano Veloso, com Gal Costa, no Álbum "Recanto", ano 2012

sábado, 14 de setembro de 2013

O que é que h(á)?




Como o sujeito se posiciona, frente aos  desafios e ofertas do  Outro , para lidar com suas escolhas?
Escolhas se ligam a desejos e desejar é deixar cair algo,  fazer cortes. É  como fazer um luto. Não é substituição de um objeto por outro.
 “Antes é preciso fazer o luto, o luto não é substituir o objeto, mas, sim, perdê-lo como insubstituível." (Abílio Ribeiro Alves in texto de Áurea Porto )
  Na substituição de um objeto  por outro algo do gozo persiste  e amarra o desejo . Se o objeto não cai  é o sujeito que cai com ele.
  "Do encontro do sujeito com o Outro (cultura ,sociedade ,família)  haveria uma divisão do sujeito e  a clivagem do Outro, mais a produção de um resto que é o objeto 'a'. Este resto,  instituinte  do sujeito, seria a causa do desejo. O desejo então não estaria prometido à completude, pois ele seria sempre decorrente de uma perda, na qual o sujeito se funda(Marcio Peter de Souza Leite “A depressão como paixão da  alma")
   Querer  a completude do desejo  seria o  gozo , nunca satisfeito . Lacan o compara ao tonel  de Danaides nunca preenchido .(*) 2
  “Jamais, em nossa experiência concreta da teoria analítica, podemos prescindir de uma noção da falta de objeto como central. Não é um negativo, mas a própria mola da relação do sujeito com o mundo”.(Lacan,Livro 4, pagina 35)
O objeto a, portanto, como causa de desejo, é causa de desejo constituído na função da falta.
O capitalismo com suas ofertas sucessivas de consumo de objetos é um campo fértil para as tentativas infrutíferas de preenchimento da falta
  A psicanálise não promete ao sujeito a felicidade, mas pode abrir o círculo, daí sua importância na história. Importância que não se fundamenta na crença de um inconsciente coletivo, mas numa prática singular, experiência impar de um só leitor onde algo, que, pela repetição significante, possibilita o esvaziamento dos significantes do Outro, a queda do objeto a e a inscrição do sujeito numa nova posição frente ao desejo.
  
(*) Figura mitológica as  Danaides eram 50 gêmeas que se casaram, e na noite de núpcias mataram os seus respectivos maridos,  exceto uma que se apaixonou e assim, não conseguiu executar a ordem do pai. Pelo crime, foram castigadas a encher toneis que não tinham fundo


                                                                                       Lucia Cunha Frota 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Experiência ...repetir até soltar a voz...





Experiência " que é o sempre tratar desta clínica que prá nosso susto, de repente, de lugar nenhum, faz ressurgir, a coisa que em toda e qualquer parte se realiza. É este o desafio que temos ao lidar com o Sintoma, nesse trabalho de desvelar, desmascarar, a relação com o gozo "que é nosso real, enquanto excluído." 
E, como se destaca no texto, "A experiência psicanalítica...experiência privilegiada" sobre os termos fundamentais da Repetição para a psicanálise, esta é uma hora privilegiada de se arriscar na escrita do que é o contexto atual de 'difusão' da psicanálise, em seu 'quase pouco' de teoria.
E vejo que, nesta possibilidade de um trabalho nos termos do 'bom encontro', que se propõe,privilegiadamente, nas raízes do 'sem burocracias' e/ou formalismos.
 Encontro de quem fizer o caminho até o endereço... 
E ainda mais, o lugar escolhido: que, de bem mineiro, nos oferece as montanhas e seus recortes, sugerindo muito mais que espelhos, ecos da causa perdida, da chance falhada...mas exigente:
Uma vez mais, colocar-se publicamente a trabalho...
Repetir, até soltar a voz...
...até rastrear a letra que dá o tom da escrita de cada um. 

Lúcia Montes

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A experiência psicanalítica...um campo privilegiado - para o "Textear" , nosso encontro do dia 23 e 24/08/2013

       

Retiro das Rosas ...

  "Os ensinamentos da Psicanálise baseiam-se em um número incalculável de observações e experiências, e, somente alguém que tenha repetido estas observações em si próprio e em outras pessoas, acha-se em posição de chegar a um discernimento próprio sobre ela"(nota do editor em Esboço de Psicanálise, Freud)

Freud “ousou dar importância àquilo que lhe acontecia, às antinomias da sua infância, às suas perturbações neuróticas, aos seus sonhos. Daí ser Freud para todos nós um homem que, como cada um, está colocado no meio de todas as contingências – a morte, a mulher, o pai. Isso constitui uma volta ‘as fontes e mal merece o título de ciência. O mesmo se dá para a Psicanálise e para a arte do bom cozinheiro, que sabe cortar bem  o animal, destacar a articulação com a menor resistência. Sabemos que há, para cada estrutura, um modo de conceitualização que lhe é próprio....” (Lacan, Seminário 1, pag.10)
“ Temos de nos aperceber de que não é com a faca que dissecamos, mas com conceitos. Os conceitos têm sua ordem de  realidade original. Não surgem da experiência humana – senão seriam bem feitos. As primeiras denominações surgem das próprias palavras, são instrumentos para delinear as coisas.”(Lacan, Seminário I, pag.10)
 “Toda ciência permanece, pois, muito tempo nas trevas, entravada na linguagem.” Mas Freud se impôs submeter-se à disciplina dos fatos, afastando-se da má linguagem, quando se vale da experiência. Desde a origem, sabe que só fará progressos na análise das neuroses se se analisar. ( Lacan,Seminário 1, pág. 10)

Estas observações apropriadas de Lacan, no seu primeiro Seminário, indicam para mim o sentido da experiência psicanalítica na sua amplitude, enquanto efeitos de uma psicanálise. Apropriadas de um trabalho analítico, que a cada um cabe, a seu modo.
 "Sabemos que há, para cada estrutura, um modo de conceitualização que lhe é próprio....”
Também é verdade que o "próprio" exige a redução, das denominações que surgem das palavras, "instrumentos para delinear as coisas", até a sua "realidade original", onde os conceitos têm sua ordem, e, não, na "experiência humana".
 " Não surgem da experiência humana – senão seriam bem feitos."  Afastar-se da 'má linguagem' para valer-se da experiência é afastar-se, como princípio, do 'bem' e do 'feito', como direção ética da experiência psicanalítica. Afastar-se da "má linguagem" é ir mais além dela à 'realidade original'. E 'realidade original' é chegar ao ponto de falta na estrutura de onde, primariamente, se constitui o sujeito  às expensas de um 'outro experiente' .
Freud em o Projeto para uma Psicologia Cientifica, diz sobre a experiência de satisfação que:
O organismo humano é no princípio incapaz de levar a termo esta ação específica, realizando-a por meio da assistência alheia, ao chamar a atenção de uma pessoa experiente sobre o estado em que se encontra a criança, mediante a condução da descarga pela via da alteração interna (por exemplo, por meio do choro)
Ao atrair a atenção de alguma pessoa auxiliar, um outro experiente, em geral o mesmo objeto de desejo, para um estado de necessidade, a via do grito servirá à comunicação com o outro que se inclui nesta ação específica. "

Da palavra 'ex(peri)ência', retiramos o radical latino peri, que, como o seu correspondente grego peira significa 'obstáculo' e 'dificuldade'. Este significado aparece claramente na palavra latina periculum (que significa 'perigo') e no verbo aperire (que quer dizer 'abrir'). Abertura vem do latim “apertura”. Interessante que tal parentesco, venha a resultar em “ato ou efeito de abrir, abrimento”, espaço aberto ou vazio, formando orifício ou fenda, ou vão.Ainda como 'forma de saber', a palavra experiência adquire também um sentido muito sugestivo, quando se considera a etimologia de Erfahrung, com que os alemães designam a noção de experiência. Exatamente por causa do seu sentido etimológico próprio, poder-se-ia pensar numa distinção entre a vivência (Erlebnis) e a experiência (Erfahrung). No radical da palavra Erfahrung, temos o verbo fahren, que significa 'viajar', 'percorrer caminhos', 'desbravar trilhas'.
Tudo isso para reduzir, limitar, chegar ao osso do que seria a  experiência em psicanálise.Um discurso sem palavras. Via o discurso, pois é dele que a estrutura se serve para encontrar a causa dele. Experiência, em psicanálise é de outra ordem, que não a 'humana'.
"É mensurável a distância entre o que define um sujeito e o que se sustenta como uma pessoa. Isso significa que é preciso distingui-los com muito rigor.Qualquer espécie de personalismo em psicanálise é propício a todas as confusões e desvios." (Lacan, Seminário XVI, pag 308)
            Também não podemos nos ater à noção de experiência como o campo de uma práxis e entendê-la como algo capaz de definir o campo de uma ciência
            Lacan lembra bem isso no Seminário  XI e observa que tomar o campo da experiência guiado pelos conceitos fundamentais introduzidos por Freud, nominalmente o inconsciente, a repetição, a transferência e a pulsão, sem se formular questões tais que coloquem em pauta continuamente seu estatuto de conceitos, a serem revistos, movimentados e postos em evolução, nos leva a nos perguntarmos onde podemos amarrar nossa prática.
            Campo da experiência e, não, conceito de experiência.
            E qual seria o ' campo da experiência' ?
             Lacan se dispõe examinar o conceito de repetição, tal como presentificado pelo discurso de Freud e pela experiência da psicanálise. E diz:" Nenhuma práxis, mais do que a análise, é orientada para aquilo que, no coração da experiência, é o núcleo do real."(Seminário  XI, pag. 55)
            E acrescenta:" O justo conceito de repetição deve ser obtido numa outra direção que não podemos confundir com o conjunto dos efeitos de transferência. Será nosso problema quando abordarmos a função da transferência, sacar como a transferência pode nos conduzir ao núcleo da repetição.Por isso é que é necessário fundar primeiro essa repetição na esquize mesma que se produz no sujeito com respeito ao encontro. Essa esquize constitui a dimensão característica da descoberta e da experiência analítica, que nos faz apreender o real, em sua incidência dialética como originalmente mal-vindo.É por isso, precisamente, que o real, é, no sujeito, o maior cúmplice da pulsão- à qual só chegaremos por último, porque só percorrido, esse caminho nos poderá conceber do quê ele retorna" (Seminário XI, pag. 71)
            A experiência em psicanálise é a experiência da falta.Experiência da divisão do sujeito. Experiência esta que, sob a égide da transferência, via um significante qualquer, permite que se possa "desenhar de maneira diferente do que foi feito, o atlas cartográfico dos jogos do significante relacionados com o sujeito. Ao fazê-lo, ela não pretende reconstituir nenhum todo novo, mas apenas inaugurar um método" (Seminário XVI, pag. 308)       Um jeito 'privilegiado', único, singular, do sujeito de se haver com a falta, depois de transformado  no que verdadeiramente é, isto é,  sujeito enquanto ele mesmo,  barrado .
“ O ponto de fechamento não é o ponto/barra de nossas linguagens de computador, é um passo de fechamento, como uma volta de parafuso, uma brecha sem remédio, cujas veias só me resta seguir, sem angústia. Uma passagem do ponto do ordinal, para o transfinito cardinal. Que me pode acontecer hoje se o desejo é indestrutível, caso Freud esteja certo? Acho que só surpresas, boas ou ruins. Recebo-as com uma fria benevolência. A vida se tornou um pouco mais amiga.” (Patrick Valas em “Passes. O sabre e o pincel” in “Trabalhando com Lacan”,2009,Jorge Zahar Ed.,R.J.,pag 133)
Começar uma psicanálise é um ato. O ato está sempre referido a um começo. E isso implica, para aquele que a inicia, ‘demitir-se do ato’, pois a estrutura que o garante, advém daquilo que não é o sujeito. Um initium, que antecede o sujeito, mas que o inaugura e anuncia. O fim da psicanálise supõe  certa realização da operação verdade, um percurso do sujeito instalado em seu falso-ser  até um ‘eu não sou’ que se encontra nesse objeto ‘a’.  Percurso feito e refeito colocado e recolocado, do lado do psicanalista, em ato.Experiência analítica. Recolocar em ato o inconsciente, cem vezes se for preciso,recolocar-se o trabalho, pois, chegado ao fim uma vez, começar a ser psicanalista é então e aí que se pode deduzir a relação que isso tem com o começo de todas as vezes. Experiência psicanalítica, campo privilegiado.O que pode mudar para sempre a relação do sujeito com a vida,  com o que se espera, pois cada um há de esperar o que lhe agradar, no que der e vier sem “amanhãs que cantam”. O discurso analítico, aquele sem palavras,  só promete a novidade: as boas e as ruins. Pois o que ele promete é clarificar o inconsciente.
 Mas aí, lembra Lacan, “ não encorajo ninguém, ninguém cujo desejo não esteja decidido.”


                                                                                                                                                                                                        Ângela Porto,16/08/2013

sexta-feira, 28 de junho de 2013

TEXTEAR... A experiência do conceito



TEXTEAR

Como e quando a psicanálise se transmite? O que dela se escreve?

"Freud faz do "Esboço de Psicanálise" o epílogo  fascinante de sua obra. Uma nova luz é lançada sobre todos os pontos que ele aborda. Há mesmo alusões ocasionais a desenvolvimentos inteiramente novos(...) e outros a que ele dá consideração ampliada.(...) Tudo isso demonstra que, aos 82 anos de idade, Freud ainda possuía um dom espantoso de efetuar uma abordagem nova ao que poderia parecer tópicos batidos.Em parte alguma, talvez, atinge o seu estilo nível mais alto de concisão e lucidez. Todo o trabalho nos dá a sensação de liberdade em sua apresentação, o que é talvez de se esperar na última descrição, por parte de um mestre, das ideias de que foi o criador."
"Os ensinamentos da Psicanálise baseiam-se em um número incalculável de observações e experiências, e, somente alguém que tenha repetido estas observações em si próprio e em outras pessoas, acha-se em posição de chegar a um discernimento próprio sobre ela"   (Freud, Volume XXIII, páginas 167,168, Nota do Editor Inglês)

A EXPERIÊNCIA DO CONCEITO


Enquanto  passagem do privado ao público é que tomaremos o "conceito" na dimensão de um impossível em que se instaura a transmissão da psicanálise.
Mas as vicissitudes de um trabalho que faça avançar a elaboração de seus conceitos fundamentais, devem pautar-se na indicação clínica da experiência da FALTA que desfalca o sentido de um saber absoluto.

Fica aqui o convite para que cada um escreva os caminhos da sua apreensão de um conceito ou dos entrelaçamentos entre eles.

Encaminhamento de texto até 15/08/2013 para que possa ser passado a todos os participantes para leitura. O encontro será para boas conversas em torno dos escritos recebidos.

Endereço para o encaminhamento do texto :
http://tear4-psicanalise.blogspot.com 
email da blogger: angelaaraujoporto@gmail.com 

Data: 23 a 24/08/2013 (sexta à noite e sábado, pela manhã e à tarde)

Local: HOTEL FAZENDA RETIRO DAS ROSAS , Rodovia dos Inconfidentes, km 75, Cachoeira do Campo-Ouro Preto, Mg (para visualizar o Hotel, pesquisar no Google)
Informações sobre reservas do hotel: 031 3553-1331



sexta-feira, 21 de junho de 2013

A PALAVRA DE ORDEM?... caiu!


foto de Sebastião Salgado


Não põe corda no meu bloco. Não vem com seu carro-chefe. Não dê ordem ao pessoal. Não traz lema nem divisa, que a gente não precisa que organizem nosso carnaval...” (João Bosco – ‘Plataforma’)

Em queda livre, arrebentando ‘as correntes que envolvem o amanhã’, a ‘palavra de ordem’ do país dos governantes felizes perdeu-se em meio a uma multidão de pessoas que neste raiar junino, seriamente, assumem o IPTU de seus próprios e legítimos territórios.
A Rua agora tem nomes, é Plural.
 Homens e mulheres, cidadãos, mais que eleitores, apresentam-se em nome próprio por uma causa pública, fazendo da língua das avenidas o coletivo de Cidadão.
Na exterioridade escancarada do gesto, em praça pública, o ato de cada um passa à ata. Eleva-se ao estatuto de um registro-presença que revela e restaura a diferença que faz agenciar os fatos.
 Fazer história.

 “E no entanto é preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar. É preciso cantar e alegrar a cidade.” (Vinicius de Morais e Carlos Lyra)

Do ‘face’ fez-se o face-a-face.
Quando uma palavra de ordem cai, a seriedade da coisa aparece, mostra a cara, revela alguém, que num cartaz na multidão escreve seu lugar, sua voz, de onde veio.
Escreve-se a voz na multidão. 
E porque esta coisa que acontece não tem nome nem crachá, quando cai a palavra que cercava seu sentido único, ela então se avizinha do seu bom lugar. Começa a se parecer mais com seus legítimos representantes: uma série de outras palavras que falam de outras coisas... esquecidas, pacientemente guardadas.... ou, não ouvidas pelo, e no, descaso do interlocutor.
Em nosso caso agora, no Brasil, a coisa pública se atualiza em ato.
 Em nome próprio o particular dá as mãos ao particular e faz série na diferença da exigência do respeito.
Ninguém está pedindo nada. Queremos cuidar de nossos jardins. Queremos falar do que nunca deixamos de saber. Cada um na experiência do seu lugar, do seu desejo de fazer diferente.
Sair de casa, encontrar a segurança na praça povoada de ‘outras palavras’, que direcionem novos rumos... Para onde?
Não saberemos antes. 
Mas sabemos que partimos do princípio da coragem.

Acreditar na existência dourada do sol,[...]
Todo esse tempo foi igual a dormir num navio,
sem fazer movimento,
mas tecendo o fio da água e do vento....”  (João Bosco – “Rumbando” - 1976)  

Lúcia Montes



terça-feira, 18 de junho de 2013

“PASSE LIVRE” E O RETORNO DO “IMPOSTO”



 “Nosso país vai de vento em popa, em franco e sustentável crescimento....” é o que dizem os governantes. Mas em alto e enérgico tom as ruas reverberam que “A Conta Não Fechou!”.
“Quando as coisas vão muito bem, é bem possível que o sujeito vá muito mal”, alertava o velho Lacan quanto a esta história de se valer apenas dos bens da cultura em detrimento do desejo. Bom leitor e guardião que foi do pensamento de que o sujeito deverá, em algum momento, ser inserido na contabilidade e cálculo da história que ele conta e faz..., a história de seu próprio Tempo.
É lógico e necessário o “vinte centavos” na equação Brasil, que entre a acumulação de bens e a distribuição de renda, traz à luz a contagem decisiva do desejo de uma nação, que descompleta a ordem no progresso da coalizão discursiva do advento de um ‘novo império econômico’ chamado ‘nosso país’. Tributo imposto à ponta mais esticada, esgarçada e explorada na camada do pré-sal social. Discurso este que não é nada mais além de uma reinvenção ‘populista’ da antiga impostura do ‘coronelismo brasileiro’ que, em sua tosca perversidade de fazer política, mascara-se na sedutora dimensão servil
da bolsa, que  tudo cala: a família, a escola, a miséria e o respeito.
do crédito, que tudo compra: sua casa, sua vida, seu carro e seu voto.
Todo este trabalho sobre o arbitrário e excedente “vinte centavos” , da tarifa do coletivo, deve nos levar mais além do “passe livre” reivindicado como palavra de ordem. Retorno do recalcado.... “vinte centavos” convoca e exige o retorno do “imposto” devido aos cidadãos deste país, que querem com seu trabalho crescer em sua dignidade de escolha, de seu modo de viver, de seu ir e vir, de seu lazer.
A voz da rua que ontem não me deixou dormir, desperta em mim hoje os sonhos que, com o frescor de um certo entusiasmo, constato que não deixei morrer.
Deve ser isto o indestrutível do desejo, o que está fixado, radicado, na força que nos fez brotar de uma escolha entre humano e inumano , entre mundo e imundo, entre silêncio e voz.

Lúcia Montes



quarta-feira, 1 de maio de 2013

Não é com a faca que dissecamos, mas com conceitos...






Na abertura de seu Seminário, Livro 1, Os escritos técnicos de Freud, Lacan, nos seus comentários lembra que o pensamento de Freud é o mais perpetuamente aberto à revisão.
E diz: "É um erro reduzi-lo a palavras gastas. Nele, cada noção possui vida própria"

Freud “ousou dar importância àquilo que lhe acontecia, às antinomias da sua infância, às suas perturbações neuróticas, aos seus sonhos. Daí ser Freud para todos nós um homem que, como cada um, está colocado no meio de todas as contingências – a morte, a mulher, o pai. Isso constitui uma volta ‘as fontes e mal merece o título de ciência. O mesmo se dá para a Psicanálise e para a arte do bom cozinheiro, que sabe cortar bem  o animal, destacar a articulação com a menor resistência. Sabemos que há, para cada estrutura, um modo de conceitualização que lhe é próprio....” “ Temos de nos aperceber de que não é com a faca que dissecamos, mas com conceitos. Os conceitos têm sua ordem de  realidade original. Não surgem da experiência humana – senão seriam bem feitos. As primeiras denominações surgem das próprias palavras, são instrumentos para delinear as coisas.” “Toda ciência permanece, pois, muito tempo nas trevas, entravada na linguagem.”
 Mas Freud se impôs submeter-se à disciplina dos fatos, afastando-se da má linguagem, quando se vale da experiência. Desde a origem, sabe que só fará progressos na análise das neuroses se se analisar." (Lacan, Seminário 1, página 10)

sábado, 27 de abril de 2013

Como e quando a psicanálise se transmite? ...questões para um encontro





Escrever. Não posso.
                                                           Ninguém pode.
                                                           É preciso dizer: não se pode.
                                                           E se escreve.
                                                                       Marguerite Duras in: Escrever, 1994.

Quando o pintor Fontana fundou o movimento “espacialista” italiano, passando a atacar telas  brancas com golpes de giletes, depois de uma longa carreira, aureolada por museus e salas burguesas, seu  fornecedor de telas, em Milão, fez-lhe observar um dia que, ele mesmo, o próprio fornecedor ,ou, na verdade, qualquer um, poderia fazer o mesmo, produzindo as “giletadas”, que vinham fazendo   a fama do mestre. Fontana, bem humorado, respondeu: “Certamente, mas as que você produziria seriam falsas.”(Referência retirada da anedota citada no editorial do Boletim da APPOA, ano 2, no5, 1991)
Resposta pertinente, pois a arte consiste no ato, mais que na obra.
Da mesma forma, Marcel Duchamp (1887-1968), vanguardista de nosso século, cujo trabalho consistia no gesto de, tomado um artefato industrial de uso comum (é conhecida a obra do artista feita de um mictório) transformá-lo num ready-made. O objeto, uma vez assinado, transformava-se em obra.. A mestria da qual ele é testemunha não é a da forma, mas a do ato que, arrancando-o do uso comum, cotidiano, o institui, deixando perplexo o observador! Assim, também, os objetos depois de instalados em museus, vão aos poucos empalidecendo seus efeitos...
Alguma relação com a interpretação, a suspensão do recalque, o ato analítico?
Certamente levar uma peça de banheiro para uma exposição de arte, atrai polêmica! Um mictório não é uma peça bonita por si só, embora isso possa ser discutido, mas Duchamp buscava, na arte, o mais além do belo. Como ele mesmo se expressa:
[..].transformar todas as manifestações externas de energia, em excesso ou desperdiçadas, como por exemplo...o crescimento dos cabelos ou das unhas, a queda da urina ou das fezes, os movimentos impulsivos do medo, do assombro, do riso, da queda da lágrima, os gestos das mãos, o olhar frio, o ronco ao se dormir, a ejaculação, o vômito, o desmaio, etc.

Dizem que Duchamp, depois de oferecer aos seus convidados  preciosos charutos assinados por ele – imaginem que estes já os sonhavam em redomas de vidro ou vendidos a colecionadores – impunha que eles o fumassem na ocasião.

Não pretendemos ensinar aos analistas o que é pensar. Eles o sabem. Mas não é que o tenham compreendido por si. Aprenderam essa lição com os psicólogos. O pensamento é uma tentativa de ação, repetem eles gentilmente. (O próprio Freud cai nessa esparrela, o que não o impede de ser um pensador rigoroso e cuja ação se consuma no pensamento.) A bem da verdade o pensamento dos analistas é uma ação que se desfaz. O que deixa certa esperança de que, se os fizermos pensar nisso, eles, ao retomá-la, acabem repensando-a.( LACAN, J. A direção do tratamento. In: LACAN, J. Escritos, Rio da Janeiro, Jorge Zahar, 1998, p. 622.)

Poder-se-ia dizer que a regra fundamental, da associação “livre”, da escuta, e, não, a ausculta do analista, como aquele que sustenta a demanda, introduz a possibilidade de a análise, como deslizamento significante, tornar-se passível de ser propagada, difundida, isto é, multiplicada, reproduzida por geração, dilatada, desenvolvendo-se por contágio, proximidade.Da mesma forma, se, com a oferta de escutar, o analista cria a demanda de o sujeito se dizer, de “ser curado, de ser revelado a si mesmo, de ser levado a conhecer a psicanálise, de ser habilitado como analista,” poder-se-ia, como faz questão de enfatizar Lacan, conseguir o que, no comércio comum, tanto se pretenderia realizar!
Conseguiríamos dizer que a psicanálise, sim, com certeza, se pode divulgar! Vulgarizá-la, criar demandas com ofertas a granel e no atacado, na mídia, e ao modo quick de nosso tempo, em todo canto e lugar. Basta acreditar na simples regra analítica como motor da transferência, basta acreditar no amor e na demanda que nunca há de cessar, já que o sujeito nunca fez outra coisa além de demandar? Aliás, o sujeito só se constituiu e só pôde viver por isso?
Como e quando, entretanto, a psicanálise se transmite? O que dela se escreve?     

O quê e como um analista transmite, então, mais além da 'divulgação', mais além da 'propagação', mais além do amor e dos significantes, do 'intercâmbio', da 'dialética da interlocução', mais além do 'pensamento', pois ele só o é – o analista –  quando não pensa?
Ângela Porto

domingo, 14 de abril de 2013

A OUTRA ESCRITA ou...que as crianças cantem livres!...





Volpi, aniversário de 117 anos

Respondendo a um comentário prévio que fiz sobre um texto de Solange, ela me envia este, muito oportuno neste momento de nosso trabalho como blogueira do Tear 4, incumbida do registro de  um estudo, do movimento e das contribuições que ele provoca...

Ângela,

Vá em frente, esses textos não estão comprometidos com ninguém. Vou guardando, uma vez que o Ronald os aprecia e tem esperanças de um dia publicá-los. Não mandei nada para o seu blog, porque não considero os meus textos atuais bastante "psicanalíticos", enquanto meus colegas de curso e as pessoas em geral que o leem acham que trazem sempre um "ranço" psicanalítico. É, pode ser, mas, foi dessa fonte que eu bebi. Cumé que eu vou negar, né, amiga? E já que você gostou, mando-lhe um outro. Sua opinião é muito importante pra mim. Na verdade, a intenção do Ronald com o curso dele é fazer com que a gente produza o mais livremente possível, sem censuras, atrelados a coisa nenhuma, ele evita até corrigir o português. Escrever é uma coceirinha de bicho de pé. Uma dor e um prazer ao mesmo tempo, a gente só não fica indiferente, uma vez que o bichinho deu o ar da graça. Grande abraço, SOL PS- Também tenho uma dificuldade enorme, com esse aparelhim aqui, esse negócio de recorta, cola, bota, tira, fico completamente perdida, só sei escrever o texto, corrigir, salvar, arquivar. E pronto. Era paleológica!

A OUTRA ESCRITA

"Bebi as palavras com o leite materno. Me lambuzei delas. Eram esses sons mágicos que me afagavam, que afastavam meus medos, que me aconchegavam, me acusavam, me nomeavam. Eu era falada como todas as criancinhas no mundo, antes de falar, e ao absorver essa fala  a adotei como minha. É minha escrita no mundo. Mas como o hadish árabe MAKTUB – está escrito, periga ficarmos enquistados nesse beco sem saída do pau que nasce torto. Maktub. E seguimos repetindo essa escrita. Não sou diferente, venho vestindo alegremente o modelito apertado dessa escritura paralisante, sufocante. Sou, como você, objeto de uma cultura, assujeitada a um discurso familiar e social, inserida numa fala, numa história. Nada contra. Todo mundo embarca nessa canoa furada. É a única que existe. Mas é aí que me rebelo. Não quero ser só objeto. Posso ser sujeito. Quero atracar em outros portos. E aí escrevo, me inscrevo numa nova escrita.
Não sei como, nem quando as costuras dessa escrita familiar e social começam a estourar. E a rebeldia de um novo discurso vai surgindo, surpreendente, desconcertante. As palavras velhas me dizem coisas novas, têm um novo formato. Escrevo. Não me descrevo. Nessa hora não sei direito quem sou. No lodo do inconsciente as palavras minhocas pululam e se retorcem até virem à tona. O anzol do desejo fisga-as, apesar de mim. Não as escolho porque não as possuo. Elas me possuem. Escrevo porque sou escrava. Escrava da liberdade de uma nova escrita, que me rói e destrói essa vontade malemolente de não me envolver. E ao escrever, me afasto do particípio passado dessa antiga escrita paralisante. Resisto, mas o alcatrão das palavras já tomou conta do meu pulmão. Uma vez inspirada, a fumaça das ideias já se insinuou e se espalhou pelo meu organismo. A nicotina da compulsão não deixa escolha. Mesmo que eu tenha outras dez culpas, desta já estou absolvida, tenho indulgencia plenária. Escrevo porque sou incompleta. Escrevo por esse mal estar gigante. Escrevo porque não sou nada disso e sou tudo isso. Escrevo porque não dá mais pra segurar as velhas palavras me mostrando novos sentidos, me abrindo feridas e possibilidades. As palavras seguram a minha mão e acendem a luz para que eu não tenha de enfrentar o vazio do escuro. Escrevo porque existe a angustia de não saber. E é com palavras que construo essa débil e escorregadia ponte que me permite atravessar fronteiras. Escrevo porque me faltam certezas e a dúvida me corrói. Pra arrefecer o mal estar desse lugar incômodo, forro com palavras o chão do meu desejo. Não passa de uma tentativa. 
Afinal,
"Pode não ser esse calor o que faz mal,
Pode não ser essa gravata o que sufoca
 Ou essa falta de dinheiro que é fatal”  *"

*Taiguara “Que as crianças cantem livres”

Maria Solange Amado Ladeira    25/09/12

sexta-feira, 12 de abril de 2013

É como desejo do Outro que o desejo do homem ganha forma...







"Vim ...duas vezes, como prometi à minha mãe"...
"Minha mãe me disse para eu 'ajudá-la', vindo menos à minha análise...ela está 'apertada'..."
"Minha mãe acha que eu preciso..."

“Com efeito, é muito simplesmente – e diremos em que sentido – como desejo do Outro que o desejo do homem ganha forma, porém, antes de mais nada, somente guardando uma opacidade subjetiva, para representar nele a necessidade. Opacidade que diremos de que maneira constitui como que a substância do desejo.
O desejo se esboça na margem em que a demanda se rasga da necessidade: essa margem é a que a demanda, cujo apelo não pode ser incondicional senão em relação ao Outro, abre sob a forma da possível falha que a necessidade pode aí introduzir, por não haver satisfação universal (o que é chamado de angústia). Margem que, embora sendo linear, deixa transparecer sua vertigem, por mais que seja coberta pelo pisoteio de elefante do capricho do Outro. É esse capricho, no entanto, que introduz o fantasma da Onipotência, não do sujeito, mas do Outro em que se instala sua demanda ( já era tempo de esse clichê imbecil ser recolocado de uma vez por todas, e por todos, em seu devido lugar), e , juntamente com esse fantasma, a necessidade de seu refreamento pela Lei.”

Interessante, longo e definitivo parágrafo da “Subversão do sujeito e dialética do desejo”, que contem, no seu desenvolvimento, praticamente todos os princípios da constituição do sujeito, de sua alienação significante, de suas relações com a fantasia, na particularidade de sua demanda, e, até, o direcionamento ético da experiência analítica, e se o quisermos assim aprofundar, o lugar e a implicação também definitiva do analista, desde a transferência, em todo o processo.
                Vejamos algumas colocações breves do parágrafo:
“ ...é como desejo do Outro que o desejo do homem ganha forma...”
Não há constituição possível do sujeito, desde que tomemos o inconsciente estruturado como linguagem, sem o concurso do Outro, lugar do tesouro dos significantes, ao qual, desde sempre e para sempre o sujeito estará a-sujeitado, como falante. É desse Outro que o sujeito recebe a própria mensagem que emite, esse Outro que também é testemunha da Verdade, da ficção posta como Verdade, da estrutura de ficção que institui e incumbe a realidade de sua versão particular e fantasmática.
O desejo do homem “ganha forma”, fôrma engendrada pelo que, “do Outro”, o subjuga radicalmente.
“Do Outro” também indica a pertinência fantasmática a que o sujeito, desta posição de opacidade subjetiva, pode fazer-se experimentar, no fantasma, como objeto do desejo do Outro.
 “O desejo se esboça na margem em que a demanda se rasga da necessidade..Margem que embora sendo linear, deixa transparecer sua vertigem...por mais que seja coberta pelo pisoteio de elefante do capricho do Outro”
Vertigem: sensação de falta de equilíbrio no espaço, que faz parecer ao indivíduo girarem todos os objetos á  sua volta;desmaio,desfalecimento, síncope, delíquio(liquefação de um corpo sólido).(dicionário informal, on-line)
Lacan aqui se refere ao papel tamponador do fantasma, onde, de seu desejo, o sujeito se esquiva, como objeto. ($<>a)
E aqui é interessante considerar que o “refreamento pela Lei” a que Lacan se refere, inclui levar em conta a autonomia do desejo e a mediação que o mesmo é capaz de fazer por inverter o incondicional da demanda de amor pelo qual o sujeito permaneceria sob o jugo do Outro, para “elevá-lo à potência da condição absoluta” ( onde o absoluto quer dizer desprendimento).
Isto quer dizer que, é preciso extrair do fantasma os “índices de uma significação absoluta”. Fazer isso é romper o elemento fonemático constituído pela unidade significante até seu átomo literal. A fórmula do fantasma é introduzida para permitir um sem número de leituras das relações entre sujeito e objeto, na sua particularidade radical, até o esvaziamento da demanda.
Para o que, conta-se com um analista.

 Ângela Porto

sexta-feira, 22 de março de 2013

HABEMUS MAMAS? País rico vai a Roma...sem miséria!




Há, de fato, um Brasil rico.
E um outro em certa ascendência. É inegável, como dizer que não?
Seria um desconhecimento provocativo e ao mesmo tempo conivente com o discurso populista, que mira, também, e diretamente, a ascensão dos votos da ‘miséria em extinção’, esta sim, cabível apenas, até agora, nesse mesmo discurso fechado das campanhas do Governo Federal.
Não é o caso de insistir em controvérsias agora, nesta reflexão, mas, sim, fazer avançar um pouco o que nesses dias me inquieta. Desconforto dos distintos tempos da mesma e reincidente frase que norteia os rumos do país, em sua desgastada proposição,"País rico é país sem miséria", desde os mais antigos e alguns já depostos conclaves da Presidência da República.

Entre frase e fatos, uma gramática

Março/2011-Março/2013:
Distorções’, no uso de recursos públicos, liberados em 2011, através dos órgãos oficiais do Estado, para obras de restauração de áreas destruídas pelas chuvas no Estado do Rio de Janeiro, reabrem, em 2013, os cofres do Governo Federal que, diretamente de Roma, autoriza o repasse de mais alguns  milhões de reais aos mesmos órgãos e poderes
Março/2013:
Uma 'assinatura' sobre o cheque em branco das coalizões partidárias, paga também o ‘Voo’, e todas as Pompas necessárias à comitiva oficial da Presidência, em direção a Roma e, quem sabe, mais ainda, juntando os dois fatos, dos destroços das enchentes e da nobreza da viagem, o voo em direção,  também, a uma antecipada compra do 'reingresso' às eleições de 2014.

vai, meu irmão, pega esse avião,
você tem razão de correr assim
nesse frio, mas veja
o meu Rio de Janeiro
antes que um aventureiro
lance mão...”

"País rico é país sem miséria"

O tempo reabre os cofres mas também reabre a frase. Uma ex-canção...

A frase do primeiro tempo se atualiza nos desígnios do ‘encontro com o Papa’, redimensionando os entrelaçamentos e os cortes que tornam distintos ‘discurso’ e ‘ato’.
Este é um trabalho clínico, mas por que não trabalharmos juntos, para tentarmos concluir que momento é este que exige, de cada um, uma urgente tomada de posição?
Para melhor avaliação de nossos discursos, entre nossos pares e de nossas diferenças, deixemos que trabalhe em nós a lógica desta gramática.
E que esta elaboração dure somente o tempo necessário para que os recursos, que ainda nos restam, não se transformem em cumplicidades devotadas ao poder alienante de um discurso fechado.
Atentemo-nos para o elementar parentesco dos significantes que circundam um imperativo de país, palavras-peças destacadas na abertura da aspiração lógica do desejo, a ser reencontrado entre os intervalos de duas travessias:

O  rico  di-uma  NÃO É SEM  a  miséria  de outra.

E para tanto trabalho, meu irmão, nessa aposta de seguir em frente, “não basta ser Tirésias...”

Habemus mamas?


Lúcia Montes.