domingo, 21 de novembro de 2010

"Vida pregressa"...resistência, trabalho duro e questão constante para o analista!


Tela de Fontana,  movimento “espacialista” italiano


Apropriada a expressão “vida pregressa”, quando Lúcia Montes lembra uma “ verdade que, ao fazer uma total ocupação das terras do discurso, veda toda e qualquer fresta que viesse tornar possível um “enquadre da construção fantasmática”.
A expressão “vida pregressa”, significa anterior. Estudo da vida pregressa é, juridicamente falando, o da vida da pessoa ou criminoso, anterior ao crime ou delito. A referência é o crime ou delito.
 “Determina o nosso código de processo penal que a autoridade policial deverá averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar, social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer elementos que contribuírem para a  apreciação de seu temperamento e caráter.”
Então o discurso, legalmente adequado, politicamente adequado, socialmente adequado, familiarmente adequado, economicamente adequado, individualmente adequado, certificado com um “o referido é verdade e dou fé” que acompanham os atestados de bons ou maus antecedentes, só nos valem, em nosso trabalho psicanalítico, para reafirmar o lugar da transferência e do discurso como resistência. Todos os argumentos dessa ordem são válidos para vedar e impedir que se abra caminho ao sujeito do desejo, pois o  significante é envolucrado no gozo do sentido. Entretanto, ao mesmo tempo, é só através desse mesmo discurso, à espreita de uma brecha, via significante mesmo, que o analista aguarda uma falha, o “crime”, ainda que em forma de atuações, que faça valer o sem sentido, não “anterior”, mas atualizado naquele momento pontual de abertura e possibilidade de trabalho. Aí sim, talvez, a “vida pregressa” de um dado sujeito, sob sua responsabilidade, agora que apropriado dela, seja tomada como singularidade.  Trabalho duro, questão constante!
 Angela Porto

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

DE AMORES E SEXOS... nesta pluralidade, o singular é a morte.

"A persistência da memória" de Salvador Dali
                                               
           "Que efeito há sobre vocês se lhes anuncio ‘amarás teu próximo como a ti mesmo’ ? Isto lhes faz parecer que este preceito funda a abolição da diferença de sexos?Quando lhes digo que não há relação sexual, não disse que os sexos se confundam, longe disso! Sem isto, não obstante, como poderia dizer que não há relação sexual ?  
O amor é a ‘relação’ complexa entre um homem e uma mulher, é um fato. É fazer juntos uma errância [errance e não erreur]
Viator: a viagem sobre esta terra. É isto o amor: ter percorrido juntos um trecho.    
A questão é: por que caminho se ama uma mulher?
É por acaso que um homem ama uma mulher. [bon-heur]
O amor não é outra coisa que um dizer, enquanto acontecimento, e nada tem a ver
com a verdade, pois esta não se pode dizer toda.
Esse dizer de amor se dirige ao saber, enquanto este aí está no que é preciso chamar de   inconsciente.” [J.Lacan – Seminário 21- inédito]

TRANÇAR POR ONDE RESISTE O DISCURSO:

O Significante é o que representa o sujeito para outro significante. Outro significante, que em  nada tem a ver com o primeiro.
O Signo é o que representa alguma coisa para alguém.
Por uma leitura de uma das formas discursivas que se apresentam na análise sempre como resistência ao trabalho:
Seria esta uma modulação do que Freud nomeou de ‘reação terapêutica negativa’ ?

Sujeito entre significante e gozo, em sua divisão de ser falante, o neurótico pode apresentar-se em certo tempo da análise, colado, amalgamado na atividade discursiva, sob a forma do que não cessa de falar, e repetir-se como objeto impregnado dos argumentos de verdades  que se sobrepõem a qualquer alcance da realidade.
Imposição de uma verdade que se conta sobre a vida pregressa.? Verdade que, ao fazer uma total ocupação das terras do discurso, veda toda e qualquer fresta que viesse tornar possível um enquadre da construção fantasmática.
Diante deste discurso em que o significante parece ficar envelopado pelo gozo do dito, e onde a invenção de um vivido impede ao sujeito o acesso à estrutura de ficção da verdade, já não importa tanto mais a veracidade dos fatos. Aí está o desafio da captura do sujeito de um desejo que, nesta posição, desvanece diante da condição da verdade poder mentir.
Convocado a testemunhar as freqüentes e repetidas cenas de atuações do paciente que quase sempre o enunciam como um sem bordas entre a vida e a morte, o analista presencia a insistência de um circuito fechado do gozo que visa, com e pela palavra, ocupar também os vazios do impossível de dizer. Dimensão em que o gozo encerra o significante, no engodo onipotente de disseminar no discurso a servidão da impostura. Obediência à aparência da verdade de um todo-saber contido no dito.
Saber sobre o quê? A que saber não se pode ter acesso, quando se diz saber do que se trata? É preciso formular melhor e uma vez mais, ainda... estas questões. Mesmo porque não há uma proporção exata para saber e verdade, assim como não há uma resposta a priori  para o sexo.
Sob transferência, na presença do analista, destaca-se um tipo de afeto que pode viabilizar uma atualização do significante, através de seu re-endereçamento ao sujeito suposto saber, o inconsciente.
Sutis detalhes, atos falhos, homofonias... Frestas-alertas, janelas na mansão do dito.
Este trabalho de elaboração é operação de cortes precisos e faz, no discurso, uma espécie de sulcagem, reabrindo a fenda de uma pulsação, inter-valas da separação. O rasgo a ser mantido entre as diferentes faces da pulsão: descola-se a face significante na sua torção com a face de gozo. A primeira, articulada ao material recalcado e a outra,  fator quantitativo, valor devotado ao objeto, perdido, no momento mesmo de seu advento.
Separados do gozo da fala, do sentido e da impostura no dito, cada um dos significantes, que assim se reapresentam, vão se re-a-locando e sendo transferidos à posição de abertura de novas cadeias significantes.
Esvaziado do sentido obtuso que o aderia ao gozo, o significante deverá sofrer sua erosão até um outro modo de dizer que a letra imprime na gramática da pulsão, para que se reescrevam os caminhos possíveis ao desejo, advindo de outro discurso, que não seja da aparência, sem palavras e que resiste aos signos da morte.

Lucia Montes

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

EXCESSOS.... NEM DE LONGE NEM DE PERTO, / ENTRE /

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O curioso e radical, que a psicanálise pode nos ajudar, na retirada dessas preconceituosas sendas dos julgamentos humanos é trazer à luz e não recuar no exercício de suas investigações, tanto sobre este contingente de normalidade que a civilização tenta abordar, quanto a ordem de moralismos que se tenta impor, engessar e até mesmo desumanizar vidas em detrimento de preceitos de adaptações ao mercado modelo de comportamentos, individual e de massa.
Curioso e radical até mesmo porque alguns destes alertas de que deveríamos olhar, também, pra outros lados, ampliar os horizontes da investigação humana, estão na roda, mas tão atuais, tiveram início ainda no século XIX.. Estão na roda porque o trabalho pra tornar pública suas pesquisas e construções teóricas, foi um dos incansáveis propósitos de Freud e podem ser lidos hoje, espera-se mesmo que o seja, por qualquer cidadão leigo e isso é o que faz da psicanálise não só um saber a ser sempre reinventado, como também uma prática posta à prova cada vez que alguém se lança na aventura de decifrar e refazer os caminhos de sua história diante de um analista.
Ao se distanciar de qualquer julgamento sintético à priori:
o analista acaba por se situar na delicada, e nada confortável, posição de acolher a história que é contada da maneira e ao modo que cada um traz como certo que aquele foi o vivido de seus mais íntimos segredos. E ainda assim uma análise não é uma confissão.
Ao se distanciar de qualquer julgamento sintético à priori:
o analista espera que, em algum detalhe sutil, o sujeito se traia na justa proporção daquilo que ele julgava saber de si mesmo, surpreendendo-se com a falta de sentido de um saber que lhe foi imposto. E ainda assim uma análise não é uma reeducação.
Ao se distanciar de qualquer julgamento sintético à priori:
o analista não se esconde sob a aparência de só agir para o bem: que teria por conseqüência conformismos, ou quaisquer deveres reconciliatórios que instalem seu trabalho na categoria das identificações em série. Uma análise não é uma correção do desejo.
O que justifica a intervenção da operação analítica é o excesso de sofrimento. Aquele sofrer demais, paralisante e alienante, que acomete o ser humano, em sua mais desamparada particularidade de ser falante. E para isso não há meias medidas ou facilidades, há uma ética que deve manter a estrutura da divisão subjetiva naquilo que é a raiz que suporta o desejo em nós: não há uma relação de simetria entre a história e a estrutura, ou entre o discurso e a clínica.
O sujeito neste contexto é o sujeito por estrutura dividido, e neste campo o trabalho opera nas polaridades que esta divisão exige da leitura que se faz pela escuta do inconsciente: o discurso se modula entre o sujeito do significante e o sujeito do gozo, e a clínica se reescreve pela subversão da errância de algum saber.
Os Normais vêm por acréscimo.... 
           
  Lucia Montes

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

De perto, ninguém é normal !




Diz Caetano que “de perto ninguém é normal”...
A análise acaba , pela sua direção, obedecendo a este princípio...
é preciso o “de perto” e “de perto” é o que persegue a abertura do inconsciente, onde a lei que vigora é a sua própria, onde a notícia da lei vem pelo significante “normal”...o que é norma. O que é norma, onde o inconsciente é princípio, é que não haja não. É que valha tudo que seja da ordem da satisfação, promovida pela pulsão, incrementada junto aos objetos pela libido, e retornada às bordas de onde partiram...
Mas...tem sempre um mas...
Em “seres humanos”, como diz Freud, é preciso colocar o sexo como aquilo que é “impróprio”.
 Impróprio porque se trata desse registro onde não há propriedade, não há eu, há mais além do prazer, onde vale tudo.
Esse ‘tudo’ tem traços da experiência primeva do sujeito marcado no seu corpo pelo gozo imantado pelo Outro experiente que o introduziu na vida pelos seus cuidados...e pela linguagem.
Impróprio, porque vem do Outro a sua marca...
Impróprio, porque aí se inserem os motivos morais vindos do Outro.
Censura, preconceito,limites, normas...e “o que é ser normal”...
...o que não interessa à psicanálise como fim, nem horizonte mas como presença e trabalho.

Angela Porto