segunda-feira, 18 de junho de 2012

Propriedade intelectual em tempos de internet e o conceito de ‘autor’ em psicanálise, ou "Quem roubou meu pão de queijo?"






Trabalhando com Lacan, no Seminário XVI, “De um Outro ao outro”, deparo-me com a frase dele:

“Não existe  propriedade intelectual, por exemplo, o que não quer dizer que não haja roubo”.

Fica  já, de cara, claro, que não se trata do questionamento do direito, nem de seus princípios, quando Lacan diz: “o que não quer dizer que não haja roubo”.
Trata-se de situar o que chamamos de ‘ propriedade intelectual’, quando nos referimos ao discurso analítico, e a “impropriedade” do sujeito, que,  para se fazer representar, precisa, e só assim, fazer sintoma.
 Então de modo inteiramente novo, reproduzo esta postagem cujo link incluo ao final, para que possam, caso queiram, retomar da ‘origem’ , sua questão e até, finalmente, a receita que deu origem à conversa.


"Que importa quem fala?

... Nessa indiferença se afirma o princípio ético, talvez o mais fundamental, da escrita contemporânea. O apagamento do autor tornou-se desde então, para a crítica, um tema cotidiano. Mas o essencial não é constatar uma vez mais seu desaparecimento; é preciso descobrir, como lugar vazio - ao mesmo tempo indiferente e obrigatório - o lugar em que sua função é exercida.(Michel Foucault)

...Postei uma receita de pão de queijo que a mim fora endereçada, a pedidos, por Maria Tereza, minha prima.
Postei-a como “Pão de Queijo do Queens”, referindo-me a uma deliciosa tarde e noite no Queens, com amigos queridos, farra e prosa.
 Reinventei o nome, troquei ingredientes.
A receita, de antiga, usava “banha” e “claybon” único título à época da margarina, que era vendido em dois pequenos tabletes de 100grs.
De repente, incomodou-me o não ter citado a origem da receita.
 Origem? De quem Maria Tereza a terá recebido ?
Veio-me a questão tão atual do “conceito de autor”, em tempos de internet. Propriedade intelectual? Enveredei-me por longas elucubrações que me levaram a distantes e cada vez mais próximas constatações...
A escrita se desenrola como um jogo que vai infalivelmente além de suas regras, e passa assim para fora.
Na escrita, não se trata da manifestação ou da exaltação do gesto de escrever; não se trata da amarração de um sujeito em uma linguagem.
 Trata-se da abertura de um espaço onde o sujeito que escreve não para de desaparecer.
Desaparecido o autor, a receita do delicioso pão de queijo, aposto, permanecerá rolando on-line e, se executada, deliciando bocas e almas, em tardes e noites entre amigos, seja lá onde for!.. (http://amotorresmo.blogspot.com.br/2010/08/pao-de-queijo-do-queens-ao-rodrigo.html  )


Que importa quem fala, disse alguém, que importa quem fala! Samuel Beckett


Read more: http://amotorresmo.blogspot.com/2010/08/que-importa-quem-fala-disse-alguem-que.html#ixzz1y97zaQ4S

domingo, 3 de junho de 2012

Psicanálise, ciência do 'óbvio' ?


No seminário do Ato, lição de 13 de março de 1968, diz Lacan:
 “A psicanálise, ela se pratica com um psicanalista”.
 Adoro as supostas obviedades de Lacan.
 São  supostas, as obviedades da psicanálise, do discurso, da vida.
 Aquilo que não exigiria esclarecimento, por parecer claro, por estar diante dos olhos.
Tal afirmativa de Lacan pode sugerir a colocação  do  psicanalista num lugar cheio de atributos especiais, dos quais é preciso fazer avaliação, verificar  ‘curricula vitae’, como o bom latim exigiria, e,  no seu plural, conferir afiliações psicanalíticas?
Pelo contrário, com um psicanalista não enfatiza o psicanalista, mas o com.
Com aponta para a  instrumentalidade do  lugar, da função, sem o que, uma psicanálise não seria factível.
 E  a  factibilidade de uma psicanálise só se pode pensar,  na sua essência, de uma posição “impensável”, qual seja a de um “tendo sido psicanalisando”, da qual só resulta  “um sujeito  prevenido de que não poderia se pensar como constituinte de toda ação sua”.
Pois se a sua essência é assumir o lugar onde se situa o objeto ‘a’ nesta operação, qual é o estatuto de um  sujeito que  se coloca nesta posição?
Em psicanálise não há ‘óbvio’.
O óbvio é evidente, claro, indiscutível, cercado de certeza, declarado, inteiro.
Lacan diz que há uma “coalescência da estrutura com o sujeito suposto saber, é isso que atesta no neurótico o fato de ele  interrogar a verdade de sua estrutura e de se tornar, ele mesmo, em carne e osso, essa interrogação. Em suma, ele mesmo é sintoma.”(Sem XVI, pagina 374)
 O óbvio, o analista deve  tomá-lo como um “eu  não vejo”  que exige  trabalho de corte, de ‘tranchement’(fatiamento, trinchamento).
 Entretanto o analista não é um mestre em  seus cortes, nem  no manejo de  suas facas.
 Ele é “tranchements”, fatia incluída no corte.
Talvez, haja, como  diz  Nelson Rodrigues,  “óbvios ululantes”. 
Óbvios que ululam.
Esses, talvez, já incluam, na coalescência com a estrutura, um grito, um brado, a vociferação de um  sofrimento que se quer dizer, uma pergunta que se pode fazer trabalho, com um  psicanalista.
                                                                                       Ângela Porto