sexta-feira, 22 de março de 2013

HABEMUS MAMAS? País rico vai a Roma...sem miséria!




Há, de fato, um Brasil rico.
E um outro em certa ascendência. É inegável, como dizer que não?
Seria um desconhecimento provocativo e ao mesmo tempo conivente com o discurso populista, que mira, também, e diretamente, a ascensão dos votos da ‘miséria em extinção’, esta sim, cabível apenas, até agora, nesse mesmo discurso fechado das campanhas do Governo Federal.
Não é o caso de insistir em controvérsias agora, nesta reflexão, mas, sim, fazer avançar um pouco o que nesses dias me inquieta. Desconforto dos distintos tempos da mesma e reincidente frase que norteia os rumos do país, em sua desgastada proposição,"País rico é país sem miséria", desde os mais antigos e alguns já depostos conclaves da Presidência da República.

Entre frase e fatos, uma gramática

Março/2011-Março/2013:
Distorções’, no uso de recursos públicos, liberados em 2011, através dos órgãos oficiais do Estado, para obras de restauração de áreas destruídas pelas chuvas no Estado do Rio de Janeiro, reabrem, em 2013, os cofres do Governo Federal que, diretamente de Roma, autoriza o repasse de mais alguns  milhões de reais aos mesmos órgãos e poderes
Março/2013:
Uma 'assinatura' sobre o cheque em branco das coalizões partidárias, paga também o ‘Voo’, e todas as Pompas necessárias à comitiva oficial da Presidência, em direção a Roma e, quem sabe, mais ainda, juntando os dois fatos, dos destroços das enchentes e da nobreza da viagem, o voo em direção,  também, a uma antecipada compra do 'reingresso' às eleições de 2014.

vai, meu irmão, pega esse avião,
você tem razão de correr assim
nesse frio, mas veja
o meu Rio de Janeiro
antes que um aventureiro
lance mão...”

"País rico é país sem miséria"

O tempo reabre os cofres mas também reabre a frase. Uma ex-canção...

A frase do primeiro tempo se atualiza nos desígnios do ‘encontro com o Papa’, redimensionando os entrelaçamentos e os cortes que tornam distintos ‘discurso’ e ‘ato’.
Este é um trabalho clínico, mas por que não trabalharmos juntos, para tentarmos concluir que momento é este que exige, de cada um, uma urgente tomada de posição?
Para melhor avaliação de nossos discursos, entre nossos pares e de nossas diferenças, deixemos que trabalhe em nós a lógica desta gramática.
E que esta elaboração dure somente o tempo necessário para que os recursos, que ainda nos restam, não se transformem em cumplicidades devotadas ao poder alienante de um discurso fechado.
Atentemo-nos para o elementar parentesco dos significantes que circundam um imperativo de país, palavras-peças destacadas na abertura da aspiração lógica do desejo, a ser reencontrado entre os intervalos de duas travessias:

O  rico  di-uma  NÃO É SEM  a  miséria  de outra.

E para tanto trabalho, meu irmão, nessa aposta de seguir em frente, “não basta ser Tirésias...”

Habemus mamas?


Lúcia Montes.

quinta-feira, 7 de março de 2013

A criança, sua mãe e a linguagem – do não-sentido e da morte –




Desde nosso último encontro de leitura e conversas de estudos, tem surgido muitos assuntos novos e casos relacionados a esta ‘hora da criança’ no mundo. Nessas tantas e diferentes abordagens tive o privilégio de ser ouvinte de um acontecimento entre uma criança e sua mãe.  Vamos tomá-lo a princípio e informalmente apenas como um fato de linguagem, porque assim pode-se prescindir de qualquer variável pessoal ou histórico-familiar.
Porque esta é uma situação pertinente às questões publicadas na postagem anterior, estou trazendo direto para o Blog o convite para que mais pessoas participem deste trabalho de investigação.
Estamos às voltas com alguns termos e conceituações que ganharam especificidades para a psicanálise, mas  ficamos aqui com a tarefa de, ao menos, tentar abrir a conversa para um pouco mais além de nossos limites, e assim estendermos a possibilidade também de mais contribuições para o tema.
Para quem quiser se endereçar ao texto de referência, nesse momento, estamos continuando a leitura do Seminário 16, de Lacan, “De um Outro ao outro”. (Ed.Zahar ), ao qual se referem as citações deste recorte.
Existe um saber que diz: Há em algum lugar uma verdade que não se sabe, e é ela que se articula no nível do inconsciente. É aí que devemos encontrar a verdade sobre o saber.
Não foi isso que dissemos sobre o sonho? (...) É um erro nos perguntarmos, a propósito do sonho, o que quer dizer isso?, pois não é isso que importa. O que nos importa é onde está a falha do que é dito?, e isso num nível em que o que se diz é distinto do que se apresenta como querendo dizer alguma coisa. No entanto, isso diz alguma coisa, sem saber o que diz, já que somos forçados a ajudá-lo por meio de nossa ponderada interpretação.
Saber que o sonho é possível, isso deve ser sabido. (...)
Em função do tempo que me apressa lembro a analogia econômica que introduzi sobre a verdade como trabalho. Pelo menos no discurso analítico, o trabalho da verdade é bastante evidente, por ser penoso. (...)
Inversamente, é à função do preço que homologuei o saber. O preço certamente não se estabelece por acaso, não mais do que qualquer efeito de troca. Mas é certo que o preço em si não constitui um trabalho, e é esse o ponto importante, porque tampouco o saber o constitui, digam o que disserem.
Isso é uma invenção dos pedagogos, o saber. (...) Não digo: Algum dia vocês aprenderam alguma coisa?, mas sim: Saber algo não é sempre algo que se produz como um clarão? (...)
O saber é isto: alguém lhes apresenta coisas que são significantes e, da maneira como estas lhes são apresentadas, isso não quer dizer nada, e então vem um momento em que vocês se libertam, e de repente aquilo quer dizer alguma coisa, e é assim desde a origem. Isso se percebe pela maneira como a criança maneja seu primeiro alfabeto, que não é aprendizagem nenhuma, porém um colapso que une uma grande letra maiúscula com a forma do animal cuja inicial supostamente corresponde à letra em questão. A criança faz ou não faz essa conjunção. Na maioria dos casos, ou seja, naqueles em que ela não é cercada por uma atenção pedagógica demasiadamente grande, ela a faz.”  [‘O acontecimento Freud’]
E quanto à verdade?... “Se em parte alguma do Outro é possível assegurar a consistência do que é chamado verdade, onde está ela, a verdade, a não ser naquilo a que corresponde a função do a ? (...)
Nesse nível, [de um grito vazio, do sofrimento de ser a verdade, um grito mudo], o que pode, no Outro, responder ao sujeito? Nada senão aquilo que produz sua consistência e sua ingênua confiança em que ele é como eu. Trata-se, em outras palavras, do que é seu verdadeiro esteio – sua fabricação como objeto a. Não há nada diante do sujeito senão ele, o um-a-mais entre tantos outros, e que de modo algum pode responder ao grito da verdade, mas que é, muito precisamente, seu equivalente – o não-gozo, a miséria, o desamparo e a solidão. Tal é a contrapartida do a, desse mais-de-gozar que constitui a coerência do sujeito enquanto eu.” [‘Da mais-valia ao mais-de-gozar’].

Bordas de um desamparo anunciado

--- É a Vovó (mãe da mãe)... que já morreu !...
--- Ela morreu de fome, mamãe?
--- Não... .... ....
--- Ela morreu de sono?!!

 Algumas semanas antes a criança já havia se posicionado diante da acolhida carinhosa do pai:

---- ... dormiu bem filho?
----  Dormi.
----  Sonhou comigo?
----  Não, sonhei sozinho.

A condição de ‘seriedade’ no discurso, para a psicanálise.

Voltemos a meu discurso e ao que pretendo com um discurso válido:
Vou compará-lo ao traçado de tesoura nessa matéria da qual falo quando evoco o real do sujeito. A maneira como o traçado de tesoura cai na estrutura, ela se revela pelo que é. Se passarmos o traçado de tesoura em algum lugar, as relações mudam, tanto que o que não se via antes passa a ser visto depois. Dizendo, ao mesmo tempo, não ser uma metáfora, que ilustrei com o traçado de tesoura na banda de Moebius, que a transforma numa banda que já não tem nada a ver com o que era antes. O passo seguinte a ser dado é perceber, a partir dessa transformação, que o traçado da tesoura é, em si mesmo, toda a banda de Moebius. ...
Digamos que, no princípio, não vale a pena falar de outra coisa senão do real em que o próprio discurso tem conseqüências. ... Foi o que de minha parte, chamei de condição de seriedade, da última vez. (...)”
“ A estrutura, portanto, é real. Em geral, isso se determina pela convergência para uma impossibilidade. É por isso que é real.
O que eu digo postula a estrutura, porque visa a causa do próprio discurso. ... repito-o, para os surdos, o que o discurso visa é a causa do próprio discurso.”


 Lucia Montes


Comentário à postagem :"DOPING DAS CRIANÇAS" O excesso do discurso vigente e... o que acontece com o corpo?"



Áurea,

Vou indo por esta reabertura que você faz. Acho que é disso que se trata no contexto clínico em que a escritura, ou sua impossibilidade, indicam a inserção do discurso do analista também nos caminhos do sintoma ‘na cultura’. A trajetória traçada por sua leitura do ‘conjunto familiar’, torna viável prá mim a formulação de algumas questões importantes sobre este lugar da ‘criança’ aí, enquanto resto deste conjunto ou grupo familiar.
Não sei se é exatamente este o raciocínio, mas me parece que tudo o que ‘socialmente’ se institui a partir daí, deste arriscado e perigoso ‘jogo médico-familiar’, fica restrito aos becos sem saídas da Demanda. E aí, nesse caso:
A  esse resto-criança, o que resta ? Quem o nega ? Quem o consome ? 
Manter assim fechado este circuito da Demanda, fazendo-o girar apenas em torno da chama ardente do Saber e da Mestria já foi fonte de muitas outras orgias sacrificiais em nossa ‘humanidade’...

Mas quero fazer valer aqui que vivemos ainda, também, sob a égide de uma ‘não-toda’ imunidade ao desejo quando testemunhamos, em nosso dia a dia, a viabilização de um ‘outro modo’ de discurso. Este que ao modo de cada um, a qualquer momento poderá nos surpreender escrito entre nós. Este que por ser sempre inédito terá preservada sua autenticidade operando cortes na rede das cumplicidades...

Lúcia Montes