sábado, 19 de outubro de 2013

...E, EM NOME PRÓPRIO, SEM BIOGRAFIAS, COMO SABER PERDER OS HERDEIROS?




A presença de Vinícius de Moraes invadiu o silêncio dos meus jornais, arrebatou minha tranqüilidade e me faz agora deixar de ser, simplesmente, uma possível expectadora das controvérsias em torno das vidas e das grafias... ‘Autor’izadas ou ?? Não tenho claro ainda qual seria o destino de uma vida como obra ‘não-autorizada’... Mas de qualquer forma, de minha parte, foi muito bom ler, mais que um pedido de desculpas, a posição revisitada do Chico.
 E assim me veio a questão do que seria, “A vida ‘artística’ e o contexto privado do artista???......ou ainda, a conseqüência judicial....
aos Herdeiros, a Obra??
Será que assim a vida durará mais que o necessário?, e mais ainda,  por vias cartoriais???

É ele quem escreve e é por seu poema que passo minha homenagem aos seus 100 anos:

VINÍCIUS DE MORAES – “ O HAVER”
“Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão de seu reino
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada....
Resta...
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
]Infantil de ter pequenas coragens.
Resta acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio.
.... esse antigo respeito pela noite,
esse falar baixo, essa mão que tateia antes de ter,
esse medo de ferir tocando,
essa forte mão de homem, cheia de mansidão para com tudo que existe.
Resta...
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil...
Essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
Resta...
Essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir a ser.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos...”


Lúcia Montes

domingo, 6 de outubro de 2013

"Quem foi que aprendeu, na psicanálise, a saber tratar bem sua mulher?"

 Perguntinha capciosa de Lacan no seminário XVI...à página 199.

 A psicanálise não é um saber do sexual, diz ele. Não se garante uma sexologia, a ciência do sexo e do sexual,  àquele que faz uma análise!
Quanto à sexualidade, nem seu saber, nem sua prática, contudo são esclarecidos nem modificados por ele, lembra Lacan
 Mas, também, não se pode dizer que nada da experiência analítica poderia articular-se num ensino, diz ele também. Há algo que se aprende, quando se paga o preço, no discurso analítico, do abrir caminho, ainda que intuitivamente, a torto e a direito, pelo trabalho da verdade.
 E o que ela ensina é que, nesse lugar que chamamos inconsciente, enuncia-se uma verdade, cuja propriedade é nada podermos saber dela. O sexual não é pensável sem que exista a implicação na pulsão e, afinal, em psicanálise, é o inconsciente que constrói a pulsão a partir dos rastros do que se escuta e do que se lê...
Rastros...da mulher
 E como é que se "sabe tratar bem a sua mulher"? Aqui se articulam "saber" , "tratar" ...e bem! e "sua mulher".
Seria a mulher "tratável"?
 Da mulher é possível se tratar?
 É curável a condição da falta? Como tratar bem o 'intratável' da castração?
 O tratar "bem", mais além do que se fantasia sobre como se poderia abordar uma mulher, 'a' bordar, fazer borda, contornar, 'rodear', fazer a corte ao que é corte, o que seria? Um jeito? Uma manha? Um 'trato' que se possa dar ao  que seria 'sua' mulher?
 Vislumbra-se, ao referir-se Lacan a um saber sobre a mulher, uma longa caminhada, trilha do próprio caminho analítico, de um Outro ao outro, do significante ao objeto, a trilha da experiência em psicanálise.
A sexualidade, com respeito ao que  nos interessa no campo psicanalítico, constitui certamente um horizonte, mas sua essência está ainda muito mais longe.
Enfim, que, pelo menos, então, "se possam esclarecer numa análise os caminhos que o impedem, ao homem a quem essa mulher se dirige, de fazê-lo direito, gostamos de acreditar que isso se produz no final de uma análise"(Lacan,Seminário XVI, página199)

Ângela Porto

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

SILÊNCIO / SOM...


SILÊNCIO/SOM...
Imagens de Kowloon, a cidade mais caótica do mundo*
SILÊNCIO / SOM...

e  Graças à vida
a voz de Gal Costa ainda ecoa nas fibras tensas do desejo.

“Dói. Tudo dói!”
...
O vôo da voz retorna ao pouso brusco do silêncio, corte... “Dói.
Tudo dói!”
...
Salta a voz,
ousada,
ouvida
relança ao sol
as vísceras da dor.
“As cascas das árvores
crescem no escuro...
...
Tudo é Singular.”
...

Das perdas ao entalhe do luto,
do grito faz-se luz entrelaçada num rarefeito esteio de voz.
Veludo macio de som destacado da palavra
Camada derradeira da pele que abriga e pulsa
o sopro do silêncio originário da vida.

“Viver
é um desastre que sucede a alguns.” **


Lúcia Montes.

**Em negrito, palavras da canção "Tudo dói", de Caetano Veloso, com Gal Costa, no Álbum "Recanto", ano 2012