quinta-feira, 31 de março de 2011

Tear 4, acrobacia sem rede, mas não sem 'net'




“Trabalhar com  a angústia é trabalhar sem rede, como um acrobata”. Mas é preciso tomar alguma corda, “pois em se tratando de rede, cada malha não tem sentido senão deixando o vazio onde há angústia” (Lacan,Seminário X)

No Seminário da Angústia, Lacan trabalha com insistência a questão do surgimento da angústia na proporcionalidade da aproximação do sujeito ao desejo do Outro.
Portanto  a instrumentalidade da angústia na direção do tratamento fica enfatizada enquanto a angústia é  indicador, tradução subjetiva do objeto “a”.
O ponto em que o sujeito se capta como objeto causa do desejo do Outro, em presença do desejo do Outro, experimentando a angústia, não a angústia sinal, mas a do Hilflosigkeit, o desamparo freudiano, cuja estrutura, o sinistro, o Umheimlich, vem desmascarar: angústia como reação a esse perigo insuperável e radical diante do desejo do Outro.
Daí a importância da consideração da angústia na direção do trabalho com a psicanálise.
Mais ainda, a escrita do analista como formalização possível dos achados clínicos e teóricos da experiência, experiência que se constrói também na leitura dos textos .
O empenho do Tear 4 se renova a cada publicação!
E, afinal, trabalhar 'sem rede' não é trabalhar 'sem corda'.
Trabalhar no Tear 4, é usar um espaço de publicação onde o vazio é levado em conta...e essa acrobacia é sem rede, mas não  sem 'net'.

Angela Porto

domingo, 20 de março de 2011

PLEONASMOS...Clínica psicanalítica, clínica do real !?

Pleonasmo: do grego, superabundância, redundância...
.
“...de jeito maneira, não quero dinheiro (Tim Maia)
...eu nasci há dez mil anos atrás...(Raul Seixas)
...e rir meu riso... (Vinícius de Morais)
...chove chuva...(Jorge Benjor)
...amanheceu o dia... e entrei pra dentro...

O literário:

também denominado pleonasmo de reforço, estilístico ou semântico - trata-se do uso do pleonasmo como figura de linguagem para enfatizar algo em um texto. Grandes autores usam muito deste recurso. Nos seus textos os pleonasmos não são considerados vícios de linguagem, e sim pleonasmos literários.
O vicioso:
Trata-se da repetição inútil e desnecessária de algum termo ou idéia na frase. Essa não é uma figura de linguagem, e sim um “vício” de linguagem.(Wikipédia)

O óbvio,
poética ou viciosamente repetido a título de reforço
ou repisado de maneira insistente,
faz questão sobre o ponto de atração que exerce uma dada representação-revestimento de um vazio que exige trabalho.

Já dizia minha avó: “Quem fala muito da virtude, precisa dela!”

Quando se anunciam, no trabalho dos psicanalistas, os temas:  
“A Clínica e o  Real”, “O Real da Clínica”, “A Clínica do Real”,  há algo desta ordem em questão?
Pleonasmo literário ou pleonasmo vicioso?
Ou é da virtude que falta que se trata?
Ou... da virtude da falta?

A clínica psicanalítica só se distingue de tantas outras porque pretende ‘tratar o real’,
mesmo que seja “a palavra que viabiliza o vazio”, o que pode fazer chegar lá..
A própria especificidade da clínica psicanalítica, por assim dizer, é essa!
Se a direção ética do tratamento, em se tratando de psicanálise, só pode ser a do esvaziamento, só pode ser, sob transferência, a viabilização do confronto do sujeito com o real da castração, não é surpreendente,
 não, por ser exótico, mas pelo fato de poder ter estado oculto quando terá sido o óbvio”..
que seja preciso que se diga, talvez para precisá-la, e se diga...e de novo se diga... do “real da clínica”?

Se o saber clínico pode parecer suspeito, posto que é suposto e se a clínica exige, do encontro frontal  com o sintoma, a formalização de um  saber, num só depois,

 a clínica é o real a suportar” (Lacan, em Abertura da Sessão Clínica, 1977)
                                                   Angela Porto

quarta-feira, 16 de março de 2011

TRISTES ÁGUAS DE MARÇO.

      Japão, "sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada"

Flagrante de moradores de Tokai-jishin em fuga...de onde pra onde???

O Mundo assustado, será que já acordou do dia de ontem?
Cada povo noticia, a seu modo. Cada cidadão, estupefato, supõe-se impotente diante de tamanha tragédia. E, até quem sabe, sofre um pouquinho mais... Mas, o que pensar de tudo isso? O que fazer, se tudo aconteceu tão longe, lá?

 “Quanto tempo pode durar um espanto?” [Chico Buarque/Caetano Veloso]    
... se há tanto tempo viemos nos ajustando à desregrada geração de crianças, que rapidamente desaparecem entre os milhares e milhares de seres-coisas, alinhados com a miséria que resta nos lixões, sem escoamento, da civilização...  
E tantas outras, também eficazes, formas da reprodução aviltante de quaisquer objetos-coisas, a serviço da proliferação de quaisquer consumistas-coisas,
atendendo ao mero apelo de tê-los acumulados... para quê?..., se estarão totalmente obsoletos ao serem revisitados?
Continuamos no espanto...
 mas, que Coisa buscar nos entulhos do Caos?
O que brotaria das raízes de Vinícius hoje? Como colher a poesia destas ruínas da mansão imperial e imperativa da cultura? “Onde lançar a voz?”
Desamparados, cá estamos nós, outra vez tão perto das “meninas, cegas inexatas”, das “mulheres, rotas alteradas”. O sobrevôo do antigo ataque inimigo superou o tempo e transforma-se agora em bomba-caseira.
Por um lado, podemos afirmar que a mesma arma, cobiça de tantas pesquisas e investimentos pra desvendar os segredos da destruição, foi reproduzida tal e qual, ficou escondida, também segredada, no quarto de brinquedos de seu próprio país e lá adquiriu raízes profundas.
Mas, por outro lado podemos dizer que nada disto é sem qualquer saber.

“As palavras têm antepassados, os feitos têm senhores.” [Lao-Tzu]
Terremotos sempre existiram... Ondas gigantes?... o mar sempre teve que
se ajeitar e fazer seu litoral nas entre linhas da terra que, por sua vez, trança rios dos raios transparentes do sol e da lua, trazendo também bons ventos...
E nós?...,
 pobres de nós que queremos tudo habitar, invadindo espaços e erigindo totens onde outras vidas deveriam se alojar,
 que trocamos insistentemente o curso dos rios, lambuzamos de ouro as estátuas.
Ilusionistas da anti-matéria, mapeamos o itinerário do poder e do raio laser a todo custo.
Portanto, como fechar os olhos agora para o que já era sabido: chegaríamos muito rápido à milésima potência do velho sopro plantado em Hiroshima, conduzidos pela mão firme que indicava o regozijo de uma virtual emancipação.
É isso... aí está o Mundo!
Mas, como ainda acreditamos tratar-se aqui, também, do alcance que tem a força da matéria fina que gravita este universo, nosso olhar busca o humano em sua singularidade.
Voltemos então ao particular para que não fique esquecido que,
nesta dita mansão,  o planeta é o próprio corpo,
suas usinas dependem de reposições letradas,
seu aparelho se refaz no descanso do sentido e, em suas noites, o corpo carece do silêncio do sono, para se nutrir de algum sonho, gerador de bons tempos entre os povos.

Lúcia Montes



quinta-feira, 10 de março de 2011

A psicanálise deve ficar atenta para não sustentar o que merece ser denunciado!



A palavra viabializa o vazio
Psicanalistas  psiquiatras ,filósofos  reuniram-se   em  Bonneval em 1960 ,  num  colóquio  cujo tema  “ O  Inconsciente freudiano”  foi   quatro anos  mais tarde   retomado,  por Lacan num   texto  onde  relata  suas intervenções  frente  as  posições tomadas  por  profissionais,  que colocavam a psicanálise  a serviço  do discurso  capitalista  numa proposta de  adaptação das pessoas   ao mercado de  trabalho   e consumo. Adverte   que a psicanálise  quando  chamada a atuar  em outros campos  deve  ficar  atenta para  não sustentar  o que merece  ser denunciado. 
 A psicanálise  precisa refletir  sobre  sua  ética  conforme a via assinalada por Freud.
Lacan  aponta   para o conceito  freudiano  de inconsciente e suas implicações na prática  analítica, tendo em conta que  os  analistas fazem parte do conceito   posto que constituem  seu destinatário.
A presença  do inconsciente  por se  situar  no lugar   do Outro  deve ser buscada  em  todo  discurso em sua enunciação  e o analista  deve com o mesmo movimento  experimentar-se  sujeitado  a  fenda  do inconsciente  ,sustentando o discurso do  paciente ,restabelecendo-lhe o   efeito de sentido , implicando-se nele  ,  lidando  com as manifestações de um  inconsciente  estruturado como linguagem sob os efeitos da  metáfora e metonímia de acordo  com os mecanismos descritos por Freud.
  O que causa  o sujeito é o significante sem o qual não haveria o sujeito no real . Significante que representa o sujeito para outro significante .
  Por ser produzido pelo significante o sujeito  não é nada.  Mas esse nada se sustenta pelo apelo  feito ao Outro  no  segundo significante. Com o sujeito não se fala . Isso fala  dele .  Onde o eu era o isso  há de vir.
O analista  como destinatário do inconsciente esta no lugar do  Outro (s.s.s.) para  fazer emergir  outros  significantes  do sujeito  e torná-lo ser  desejante .  O desejo  não é  um conteúdo mas uma articulação  ligada a ordem significante
 Lucia Cunha Frota 

quarta-feira, 2 de março de 2011

‘NOVOS SINTOMAS’ ≈ ‘ATO MÉDICO’ : uma Fuga para as Massas


O fazer psicanalítico tem por exigência a implicação do sujeito em seus atos, e aí seu ato é o da palavra, está no campo da linguagem.
O Ato, que faz um psicanalista, no mesmo golpe, endereça o seu trabalho para a psicanálise.
O ‘seu trabalho’ quer dizer, uma insistente elaboração, na mesma medida da exigência pulsional, que força o sujeito a voltar sempre ao mesmo lugar em suas histórias, sempre ao mesmo ponto em seus entraves psíquicos, ao ato que deu origem à sua alienação significante.
Tais exigências apressam sua corrida na busca de satisfação, e não se trata aí de uma satisfação qualquer e quaisquer objetos ou bens colocados à sua disposição podem promover ganhos rápidos que enchem de brilho suas promessas.
Ora, considerando alguns fatos atuais e lendo algumas publicações recentes,  parece que esta estratégica fuga, da passagem direta do Instante de Ver ao Momento de Concluir, infiltrou-se também num certo número de teóricos da psicanálise.
 Em sua pressa de lançar respostas, na concorrência da ocupação mercantilista e lucrativa do Saber, promove-se o regime ditatorial da urgência de compreensão, em relação aos escritos e investigações clínicas das obras de Freud e de Lacan.
Será que neste contexto da pressa em se ocupar da Demanda, o que está em questão não seria da ordem da suposição freudiana e da elaboração lacaniana sobre a economia do sintoma?
Sustentemos então outras perguntas que surgem daí:
Vende-se a idéia de um Saber Sobre os Novos Sintomas... ou, pior, a visada aí seria a de uma ocultação, em massa, da verdade que jaz sob o sintoma, exatamente quando o sujeito, desta verdade, nada quer saber?
... verdade que se ordena nos enquadres complexos da castração e que nos endereça a um não-sabido que sabe...
Inventa-se esta catalogação de Novos Sintomas, a serviço de um ‘mercado do saber’ que isenta o sujeito de sua implicação no mal estar inerente a sua condição de desejante.  Esta proposição clínica não estaria colocando, arbitrariamente, a práxis da psicanálise nos mesmos moldes normativos  do ato médico?
Estes dados não seriam indicativos de um fazer sintomático, uma atuação que emerge das entranhas de um desvio na transmissão da psicanálise?

Enfim, poderíamos também arriscar aqui uma leitura :
‘Novos Sintomas’,  sobre os quais, em seu alvorecer, já incidem os raios da luz que faltava para elucidação e revelação da teia de resistências, que recaem pontualmente sobre uma linhagem da psicanálise que está agora, novamente, posta em questão.
De que lado está o sintoma ou quem é o sujeito do sintoma, na análise, quando  o que vigora é a resistência que visa impedir o giro dos discursos?
... evita-se, assim, o corte que faria retornar o saber ao lugar da verdade, sob a barra que sustenta uma impossibilidade no dizer...
 A resistência  aí é do analista’...
Pois bem, é neste atual e contemporâneo movimento das idas e vindas com os impasses da psicanálise na cultura e pela provocação destas novas formas de impasses advindas de uma transmissão em série, mas também nos confrontando com a possível urgência de trabalho que a própria formulação do impasse exige, é que trazemos a público um convite a outro modo do fazer psicanalítico, pela lógica que não é sem o tempo para compreender.  
Nosso propósito de estudo visa a transferência de trabalho, num recorte de experiências endereçadas para a psicanálise.
Esperamos que esta experiência faça seu retorno à cultura, como uma volta a mais pelo discurso do analista e, a cada analista desta experiência, ao modo de um saber fazer aí com seu sintoma.
                                                                                  Lucia Montes