segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Últimas, senão primeiras, considerações ao trabalho que se desenvolve, desde 2010, no Tear 4 e...que segue em 2011

Dali-Renoir


“Convocado a testemunhar as freqüentes e repetidas cenas de atuações do paciente que quase sempre o enunciam como um sem bordas entre a vida e a morte, o analista presencia a insistência de um circuito fechado do gozo que visa, com e pela palavra, ocupar também os vazios do impossível de dizer. Dimensão em que o gozo encerra o significante, no engodo onipotente de disseminar no discurso a servidão da impostura. Obediência à aparência da verdade de um todo-saber contido no dito.
Saber sobre o quê? A que saber não se pode ter acesso, quando se diz saber do que se trata? É preciso formular melhor e uma vez mais, ainda... estas questões. Mesmo porque não há uma proporção exata para saber e verdade, assim como não há uma resposta a priori  para o sexo.
Sob transferência, na presença do analista, destaca-se um tipo de afeto que pode viabilizar uma atualização do significante, através de seu re-endereçamento ao sujeito suposto saber, o inconsciente.
Sutis detalhes, atos falhos, homofonias... Frestas-alertas, janelas na mansão do dito.
Este trabalho de elaboração é operação de cortes precisos e faz, no discurso, uma espécie de sulcagem, reabrindo a fenda de uma pulsação, inter-valas da separação. O rasgo a ser mantido entre as diferentes faces da pulsão: descola-se a face significante na sua torção com a face de gozo. A primeira, articulada ao material recalcado e a outra,  fator quantitativo, valor devotado ao objeto, perdido, no momento mesmo de seu advento.
Separados do gozo da fala, do sentido e da impostura no dito, cada um dos significantes, que assim se reapresentam, vão se re-a-locando e sendo transferidos à posição de abertura de novas cadeias significantes.
Esvaziado do sentido obtuso que o aderia ao gozo, o significante deverá sofrer sua erosão até um outro modo de dizer que a letra imprime na gramática da pulsão, para que se reescrevam os caminhos possíveis ao desejo, advindo de outro discurso, que não seja da aparência, sem palavras e que resiste aos signos da morte.” Lucia Montes, em http://tear4-psicanalise.blogspot.com/2010/11/de-amores-e-sexos-nesta-pluralidade-o.html

Chegamos ao final deste tempo de trabalho, em 2010, “da transferência à interpretação” até uma exigência de “trançar por onde resiste o discurso”, que se segue como conseqüência lógica do trabalho da clínica, sob transferência, ao nosso tempo de “ da pulsão ao ato”, vislumbrado em nossa proposta inicial do Tear 4 .

 Todo o encaminhamento deste movimento se faz perceber, ler, reescrever nas entrelinhas, interstícios dos dizeres de suas 59 postagens, visitadas por quase 3000 leitores, reafirmando nossa aposta em um trabalho de confiança,constituída na transferência ao texto de Freud e Lacan, no Tear 4, lugar de encontro onde se quer poder tramar, tecer e fiar, sem se fiar.

Talvez a posta em ato, de uma “justa topologia” como sugere Lacan no Seminário 8.’Justa topologia’, que veio nos recolocando, em nossos trabalhos, e na nossa experiência, na direção da retificação do conceito de transferência.
Desde um ‘no começo era o amor’, passando pelo estrutural da constituição do sujeito, ‘no começo era o Verbo’, pela reflexão ética da direção do tratamento, via a sustentação do desejo, até um ‘no começo é o ato’, o encontro com o real, encontro essencialmente faltoso.http://tear4-psicanalise.blogspot.com/2010/08/alo-alo-da-blogger-ao-blog-insistencia.html 

 O ato é o que resulta, então, sempre,  lógicamente, de nosso percurso, como próximo passo de trabalho como analistas.

 O Tear 4 continua aberto, nos seus encontros para 2011, a novas inscrições para participação e trabalho, em seu endereço à Rua Fernandes Tourinho, 470, às 2as feiras, de 13,30h às 15h. Fones de contato:(31) 3223 8088 e (31)32812212 

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Mala, dejeto, droga...na transferência a atualização do inconsciente

"Felicidade é uma arma quente", disse Burroughs
O  sonho  é o  mensageiro que  nos vem   recordar a vida,  não  é a morte ,quem morre não sonha  e dela nada sabemos .(Sá Carneiro,poeta português)

O recordar a vida trás consigo um anúncio da morte . Anúncio que não significa antecipação . 
 A expressão “morto em vida  “ é uma   referência  às pessoas   que procuram antecipá-la ,   presas  numa   significação que aparece  nas  falas   “sou apenas um dejeto, objeto caído no chão por uma pressão que me  impede de  levantar” ou “ as drogas são malas  que me conduzem....”
Mala ,  dejeto , droga  significantes carregados de  gozo . O trabalho de análise  pode propiciar o esvaziamento desse gozo .
 O escritor  William Burroughs, ao falar de sua experiência com  as drogas  insiste:
-Alguém se torna  drogado... "por não ter fortes motivações em qualquer outra direção."
 A   presença de paciente e analista numa estrutura analítica, portanto  transferencial ,  através da associação  livre por parte do paciente e a escuta ética do analista  abre possibilidades  para novas resignificações, que, via um esvaziamento de gozo, podem fazer abertura para que o desejo se faça presença, nestes casos?
Lacan afirma que a transferência é um fenômeno  que atualiza a realidade inconsciente modificando a relação  do sujeito com o  seu inconsciente, enquanto experiência  dialética do desejo: “um discurso onde o assujeitamento do sujeito ao  significante de sua demanda se transfere em subjetivação disso que causa  o seu desejo” ( D.P.Freud Lacan –Agalma)

Lucia Cunha Frota


Nota sobre William Burroughs (pesquisa da blogger)

Considerado por alguns como “o maior escritor satírico desde Jonathan Swift” (
Jack Kerouac), ou ainda como “o fora-da-lei da literatura” , Burroughs foi com certeza, um dos maiores escritores da chamada geração “Beat” (ou “beatnik”) que inaugurou uma nova maneira de escrever (foi ele quem popularizou a técnica do “cut up” inventada por um grande amigo seu Brion Gysin, e ele também quem inventou o termo “heavy–metal”).

William Seward Burroughs nasceu em St. Louis, Missouri (EUA), em cinco de fevereiro de 1914.
Durante um período Burroughs foi morar na Alemanha onde pretendia estudar medicina e onde conheceu Ilse Herzfeld Klaper, uma judia alemã. William acabou casando-se com Ilse para que ela pudesse ir morar nos EUA visto que o nazismo começava a tomar conta da Alemanha. Ambos tornaram-se muito amigos e tinham o costume de almoçar quase sempre juntos, mas jamais chegaram a viver como marido e mulher e Burroughs acabou se separando oficialmente dela na década de 40 quando se casou com Joan Vollmer.
Talvez tenha sido nesta época, em que esteve em contato com o nazismo de Hitler na Alemanha, que ele tenha começado a se interessar pelos mecanismos de controle do Estado sobre seus cidadãos, umas das problemáticas que permeiam sua obra e sobre a qual escreveria: “Desde o começo eu tenho me preocupado, enquanto escritor, com o vício em si (seja a droga, sexo, dinheiro, ou poder) como um modelo de controle,…”.
Aliás de vícios Burroughs entendia. Seu estilo de vida, totalmente incomum para a época (Burroughs era homossexual e viciado em morfina), foi o que fez com que ele se tornasse um ícone da cultura beat.
Ao morar em Chicago, Burrougs conheceu Lucien Carr (que mais tarde seria pai de Caleb Carr, autor de “The Alienist”) e David Kammerer que teve um papel fundamental na vida de Burroughs, pois foi através dele que Burroughs conheceu (este sim) o pai da cultura beat, Jack Kerouac. Foi Kerouac também, o primeiro a incentivar Burroughs a escrever.
Em 1951, Joan, a esposa de Burroughs, foi morta por acidente por ele mesmo que alegou na época que eles estavam “brincando” de reproduzir a cena de Guilherme Tell – em que ele deve acertar uma flecha na maçã sobre a cabeça de seu filho, só que no lugar da maçã haviam colocado um copo na cabeça de Joan e no lugar do arco e flecha, um revólver. E (apenas um detalhe…) estavam bêbados…
Em 1956 Burroughs escreveu uma carta ao Dr. John Dent, médico e pesquisador sobre o vício em drogas, onde relatava à ele todas as suas experiências com o uso de diversas drogas (opiáceas, estimulantes, cannabis, alucinógenos, álcool, e outras) e que acabou se tornando o início de seu livro de maior sucesso “Naked Lunch” (Almoço Nu) publicado em 1959. “Almoço Nu” foi escrito durante as viagens de Burroughs pela América Latina e depois de pelo Marrocos, após a morte de sua esposa Ilse. Foi durante estas viagens pelas Américas que Burroughs conheceu o peyote, mescalina advinda de um cactus, usado pelos índios.Morreu aos 73 anos, de ataque cardíaco. Jamais abandonou as drogas.( Referência:
http://www.infoescola.com/escritores/william-burroughs/)

domingo, 21 de novembro de 2010

"Vida pregressa"...resistência, trabalho duro e questão constante para o analista!


Tela de Fontana,  movimento “espacialista” italiano


Apropriada a expressão “vida pregressa”, quando Lúcia Montes lembra uma “ verdade que, ao fazer uma total ocupação das terras do discurso, veda toda e qualquer fresta que viesse tornar possível um “enquadre da construção fantasmática”.
A expressão “vida pregressa”, significa anterior. Estudo da vida pregressa é, juridicamente falando, o da vida da pessoa ou criminoso, anterior ao crime ou delito. A referência é o crime ou delito.
 “Determina o nosso código de processo penal que a autoridade policial deverá averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar, social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer elementos que contribuírem para a  apreciação de seu temperamento e caráter.”
Então o discurso, legalmente adequado, politicamente adequado, socialmente adequado, familiarmente adequado, economicamente adequado, individualmente adequado, certificado com um “o referido é verdade e dou fé” que acompanham os atestados de bons ou maus antecedentes, só nos valem, em nosso trabalho psicanalítico, para reafirmar o lugar da transferência e do discurso como resistência. Todos os argumentos dessa ordem são válidos para vedar e impedir que se abra caminho ao sujeito do desejo, pois o  significante é envolucrado no gozo do sentido. Entretanto, ao mesmo tempo, é só através desse mesmo discurso, à espreita de uma brecha, via significante mesmo, que o analista aguarda uma falha, o “crime”, ainda que em forma de atuações, que faça valer o sem sentido, não “anterior”, mas atualizado naquele momento pontual de abertura e possibilidade de trabalho. Aí sim, talvez, a “vida pregressa” de um dado sujeito, sob sua responsabilidade, agora que apropriado dela, seja tomada como singularidade.  Trabalho duro, questão constante!
 Angela Porto

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

DE AMORES E SEXOS... nesta pluralidade, o singular é a morte.

"A persistência da memória" de Salvador Dali
                                               
           "Que efeito há sobre vocês se lhes anuncio ‘amarás teu próximo como a ti mesmo’ ? Isto lhes faz parecer que este preceito funda a abolição da diferença de sexos?Quando lhes digo que não há relação sexual, não disse que os sexos se confundam, longe disso! Sem isto, não obstante, como poderia dizer que não há relação sexual ?  
O amor é a ‘relação’ complexa entre um homem e uma mulher, é um fato. É fazer juntos uma errância [errance e não erreur]
Viator: a viagem sobre esta terra. É isto o amor: ter percorrido juntos um trecho.    
A questão é: por que caminho se ama uma mulher?
É por acaso que um homem ama uma mulher. [bon-heur]
O amor não é outra coisa que um dizer, enquanto acontecimento, e nada tem a ver
com a verdade, pois esta não se pode dizer toda.
Esse dizer de amor se dirige ao saber, enquanto este aí está no que é preciso chamar de   inconsciente.” [J.Lacan – Seminário 21- inédito]

TRANÇAR POR ONDE RESISTE O DISCURSO:

O Significante é o que representa o sujeito para outro significante. Outro significante, que em  nada tem a ver com o primeiro.
O Signo é o que representa alguma coisa para alguém.
Por uma leitura de uma das formas discursivas que se apresentam na análise sempre como resistência ao trabalho:
Seria esta uma modulação do que Freud nomeou de ‘reação terapêutica negativa’ ?

Sujeito entre significante e gozo, em sua divisão de ser falante, o neurótico pode apresentar-se em certo tempo da análise, colado, amalgamado na atividade discursiva, sob a forma do que não cessa de falar, e repetir-se como objeto impregnado dos argumentos de verdades  que se sobrepõem a qualquer alcance da realidade.
Imposição de uma verdade que se conta sobre a vida pregressa.? Verdade que, ao fazer uma total ocupação das terras do discurso, veda toda e qualquer fresta que viesse tornar possível um enquadre da construção fantasmática.
Diante deste discurso em que o significante parece ficar envelopado pelo gozo do dito, e onde a invenção de um vivido impede ao sujeito o acesso à estrutura de ficção da verdade, já não importa tanto mais a veracidade dos fatos. Aí está o desafio da captura do sujeito de um desejo que, nesta posição, desvanece diante da condição da verdade poder mentir.
Convocado a testemunhar as freqüentes e repetidas cenas de atuações do paciente que quase sempre o enunciam como um sem bordas entre a vida e a morte, o analista presencia a insistência de um circuito fechado do gozo que visa, com e pela palavra, ocupar também os vazios do impossível de dizer. Dimensão em que o gozo encerra o significante, no engodo onipotente de disseminar no discurso a servidão da impostura. Obediência à aparência da verdade de um todo-saber contido no dito.
Saber sobre o quê? A que saber não se pode ter acesso, quando se diz saber do que se trata? É preciso formular melhor e uma vez mais, ainda... estas questões. Mesmo porque não há uma proporção exata para saber e verdade, assim como não há uma resposta a priori  para o sexo.
Sob transferência, na presença do analista, destaca-se um tipo de afeto que pode viabilizar uma atualização do significante, através de seu re-endereçamento ao sujeito suposto saber, o inconsciente.
Sutis detalhes, atos falhos, homofonias... Frestas-alertas, janelas na mansão do dito.
Este trabalho de elaboração é operação de cortes precisos e faz, no discurso, uma espécie de sulcagem, reabrindo a fenda de uma pulsação, inter-valas da separação. O rasgo a ser mantido entre as diferentes faces da pulsão: descola-se a face significante na sua torção com a face de gozo. A primeira, articulada ao material recalcado e a outra,  fator quantitativo, valor devotado ao objeto, perdido, no momento mesmo de seu advento.
Separados do gozo da fala, do sentido e da impostura no dito, cada um dos significantes, que assim se reapresentam, vão se re-a-locando e sendo transferidos à posição de abertura de novas cadeias significantes.
Esvaziado do sentido obtuso que o aderia ao gozo, o significante deverá sofrer sua erosão até um outro modo de dizer que a letra imprime na gramática da pulsão, para que se reescrevam os caminhos possíveis ao desejo, advindo de outro discurso, que não seja da aparência, sem palavras e que resiste aos signos da morte.

Lucia Montes

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

EXCESSOS.... NEM DE LONGE NEM DE PERTO, / ENTRE /

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O curioso e radical, que a psicanálise pode nos ajudar, na retirada dessas preconceituosas sendas dos julgamentos humanos é trazer à luz e não recuar no exercício de suas investigações, tanto sobre este contingente de normalidade que a civilização tenta abordar, quanto a ordem de moralismos que se tenta impor, engessar e até mesmo desumanizar vidas em detrimento de preceitos de adaptações ao mercado modelo de comportamentos, individual e de massa.
Curioso e radical até mesmo porque alguns destes alertas de que deveríamos olhar, também, pra outros lados, ampliar os horizontes da investigação humana, estão na roda, mas tão atuais, tiveram início ainda no século XIX.. Estão na roda porque o trabalho pra tornar pública suas pesquisas e construções teóricas, foi um dos incansáveis propósitos de Freud e podem ser lidos hoje, espera-se mesmo que o seja, por qualquer cidadão leigo e isso é o que faz da psicanálise não só um saber a ser sempre reinventado, como também uma prática posta à prova cada vez que alguém se lança na aventura de decifrar e refazer os caminhos de sua história diante de um analista.
Ao se distanciar de qualquer julgamento sintético à priori:
o analista acaba por se situar na delicada, e nada confortável, posição de acolher a história que é contada da maneira e ao modo que cada um traz como certo que aquele foi o vivido de seus mais íntimos segredos. E ainda assim uma análise não é uma confissão.
Ao se distanciar de qualquer julgamento sintético à priori:
o analista espera que, em algum detalhe sutil, o sujeito se traia na justa proporção daquilo que ele julgava saber de si mesmo, surpreendendo-se com a falta de sentido de um saber que lhe foi imposto. E ainda assim uma análise não é uma reeducação.
Ao se distanciar de qualquer julgamento sintético à priori:
o analista não se esconde sob a aparência de só agir para o bem: que teria por conseqüência conformismos, ou quaisquer deveres reconciliatórios que instalem seu trabalho na categoria das identificações em série. Uma análise não é uma correção do desejo.
O que justifica a intervenção da operação analítica é o excesso de sofrimento. Aquele sofrer demais, paralisante e alienante, que acomete o ser humano, em sua mais desamparada particularidade de ser falante. E para isso não há meias medidas ou facilidades, há uma ética que deve manter a estrutura da divisão subjetiva naquilo que é a raiz que suporta o desejo em nós: não há uma relação de simetria entre a história e a estrutura, ou entre o discurso e a clínica.
O sujeito neste contexto é o sujeito por estrutura dividido, e neste campo o trabalho opera nas polaridades que esta divisão exige da leitura que se faz pela escuta do inconsciente: o discurso se modula entre o sujeito do significante e o sujeito do gozo, e a clínica se reescreve pela subversão da errância de algum saber.
Os Normais vêm por acréscimo.... 
           
  Lucia Montes

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

De perto, ninguém é normal !




Diz Caetano que “de perto ninguém é normal”...
A análise acaba , pela sua direção, obedecendo a este princípio...
é preciso o “de perto” e “de perto” é o que persegue a abertura do inconsciente, onde a lei que vigora é a sua própria, onde a notícia da lei vem pelo significante “normal”...o que é norma. O que é norma, onde o inconsciente é princípio, é que não haja não. É que valha tudo que seja da ordem da satisfação, promovida pela pulsão, incrementada junto aos objetos pela libido, e retornada às bordas de onde partiram...
Mas...tem sempre um mas...
Em “seres humanos”, como diz Freud, é preciso colocar o sexo como aquilo que é “impróprio”.
 Impróprio porque se trata desse registro onde não há propriedade, não há eu, há mais além do prazer, onde vale tudo.
Esse ‘tudo’ tem traços da experiência primeva do sujeito marcado no seu corpo pelo gozo imantado pelo Outro experiente que o introduziu na vida pelos seus cuidados...e pela linguagem.
Impróprio, porque vem do Outro a sua marca...
Impróprio, porque aí se inserem os motivos morais vindos do Outro.
Censura, preconceito,limites, normas...e “o que é ser normal”...
...o que não interessa à psicanálise como fim, nem horizonte mas como presença e trabalho.

Angela Porto 


sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O que é ser normal?


 “não havia anormais quando a homossexualidade era a normal, nem anticristãos antes de Cristo”(Proust em Sodoma e Gomorra.)
Ela chegou às nove horas, salto alto, bolsa dourada grande, o recorte da blusa mostrava os seios, sobrancelha e cabelos pintados, o rosto maquiado encobria os pelos, olhos verdes bonitos. Apresentou-se e começamos a conversa. No inicio, de minha parte, alguns constrangimentos, não sabia tratá-la, se como homem ou mulher:
 Após fazer o encaminhamento jurídico solicitado saímos do escritório, andamos juntas alguns quarteirões, ela, sob os risos e chacotas das pessoas que passavam pela rua .   Depois, com dois beijinhos, como sempre fazem duas mulheres, nos despedimos.
Tenho três filhos que moram com a mãe; hoje sou casada com  Honório, vivemos nossa vida sem incomodar ninguém. Faço doces para fora, cuido da casa e quero adotar uma criança. O caso está no juiz – mas o motivo da minha vinda aqui é outro: é que tenho recebido agressões de pessoas do meu bairro e preciso me defender. Procuro ajudar os vizinhos quando eles precisam – minha casa é como de todas as pessoas simples – quando as pessoas ficam curiosas mostro a casa e explico a minha vida. Chamo-me Odete – sou transexual”.
Esta escuta me conduziu a algumas reflexões sobre a sexualidade humana,   naquilo que se convencionou  chamar de normal e anormal, tomando como base as Conferências XX e XXI  de Freud, onde ele aponta para as seguintes tópicos:
 1)A sexualidade humana não se restringe ao aspecto reprodutivo:
 “sexualidade e reprodução não coincidem, pois é óbvio que todas as perversões negam o objetivo da reprodução”
2) A  influência da sexualidade infantil  na vida adulta.
O aforismo freudiano “A criança é o pai do homem” é o elemento chave que nos leva a buscar na história da sexualidade infantil o profético da vida adulta.
3)Dos impulsos  homossexuais que   aparecem nos sintomas neuróticos.
 As pulsões sexuais são traços próprios da condição humana, presentes em todas as estruturas e manifestações clínicas, quer sejamos homossexuais, heterossexuais ou bissexuais.
         4)Dos    traços  perversos  que  quase sempre estão presentes na relação normal.
 O  beijo que une duas zonas erógenas e não dois genitais,é, portanto, um desvio perverso, e mesmo assim,  é aceito  nas relações amorosas e visto com freqüência nas representações teatrais. E o que define a perversão é a exclusividade com que se efetuam os desvios sem finalidade reprodutiva, não pela “extensão do objetivo sexual nem pela substituição dos genitais e, mesmo, nem sempre na escolha de objeto”.
Conclui que “o abismo entre sexualidade normal e perversa é, naturalmente, muito diminuído por fatos dessa espécie“ E tudo aquilo que chamamos de normal no comportamento sexual “é na realidade, o ponto final de uma longa peregrinação”.

 Aqui ficam as questões:
Apesar da notável contribuição de Freud, e de toda liberdade sexual conquistada na década de 60, as   dificuldades em relação à sexualidade se manifestam nos conceitos e pré-conceitos. 
Para o senso comum  Odete   é uma  pessoa perversa (má ) por ser transexual.
Por que, querendo ser uma  mulher normal, Odete  tem que exibir com exagero os ornamentos considerados  femininos? Seria a  manifestação  de traços perversos  (conheço a lei mas desafio? ) ou  o conflito próprio do transexual, negação ou afirmação da  realidade corporal que carrega  ?

 Lucia Cunha Frota




O que é ser normal?

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

"QUANDO A GENTE AMA NÃO SE TRATA DE SEXO"





“Quando a gente ama, não se trata de sexo…”

Tomada na vertente da transferência, é uma afirmativa instigante por parte de Lacan. Quando “a gente” ama...
A gente... -sujeito indeterminado- ama e o amor se presta a todos os recobrimentos, a todas as construções imaginárias do que se convencionou chamar socialmente de “auto- imagem”, “auto-estima”, e, engraçado essa, “baixa-auto-estima”, ideais os mais variados e eventualmente cruéis, pois ideais são só ideais, conjunto de idéias míticas, com o intuito de recobrir vazios de não saber sobre o sujeito, sobre a vida e os caminhos dela.
 É de tudo isso e mais ainda que uma psicanálise tem que se livrar, limpar, fazer perder, sem deixar de incluí-los, os recobrimentos, pois eles fazem parte da estrutura, ou não se poderia dizer “a gente”. “A gente”... e a análise não acontece aí.
“A gente” ama e é preciso amar pra chegar ao real, mesmo se sabendo que o que é preciso esconde o que, da errância, do impreciso, nos levaria ao sexo.
Quase...mas quase mesmo que Lacan sugere...do amor não se pode esperar uma análise que leve aos seus fins...ou ao seu fim.
Porque... “quando se ama não se trata de sexo”!
E não é do sexo que as pessoas vêm se tratar, mas é do sexo que a análise deve tratar!

Angela Porto

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A Escolha tem por implicação o erro... O Desmentido, a precisão .





O tema da morte, no entremeio de amor e sexo, realmente atualiza a outra volta na trança que o ofício do analista faz escrever.
Para que a morte não vigore em todos os sentidos da errância humana, é que o trabalho se apresenta aqui como o quarto termo de nossa vida cotidiana.
Tem Lógica!!!
Afinal a ‘alegria’ do amor talvez tenha sido mais um horizonte traçado em Freud, no instante mesmo em que ele articulava um encadeamento lógico para seu desejo, através dos pares significantes:
Amor e Trabalho, Talento e Sorte.
Já as implicações nodais entre Sexo e Morte, surgem como um precipitado que surpreende a Freud, para além dos limites daquilo que ele mesmo poderia vir a saber, em seu esquecimento de Signorelli.
Desde aí, o que passou a se nomear psicanálise só se sustentará cada vez que um analista for tomado pela coragem de não tranqüilizar ou suturar, com explicações, esta fenda errática que Freud descortinou no Homem.
Porque o inconsciente é o que nos desperta daquilo que, sem ele, não poderíamos vir a saber, é que ainda hoje tem conseqüências, para o analista, não deixar apagar na cultura o fato de o inconsciente freudiano não ser nem um pouco tranqüilizador.
Então, mãos à obra!
...aqui a escolha é sempre forçada.
“O nó goza da propriedade borromeana – uma vez que eu seccione qualquer uma das rodinhas que tiver agenciado assim, todas as outras, ao mesmo tempo, estarão livres.” [Lacan- sem.XX]
Como pôr um limite às soluções borromeanas?

Lucia Montes

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O AMOR NÃO TEM SEXO...??

Stephen Frears,diretor
Assisti, há tempos, o filme “O amor não tem sexo” – Prick up your ears, Inglaterra – 1986 – que mostra a relação tumultuada e, ao mesmo tempo, sintonizada, do dramaturgo inglês Joe Orton com Keneth Halliwell, escritor. O diretor Stephen Frears apresenta com maestria a evolução do encontro amoroso ao ódio, até a culminância do sexo, na sua violência de morte, na cena final do assassinato de Joe por Keneth e posterior suicídio deste. É Keneth quem diz, antes de se matar por envenenamento:
_ "Devo tê-lo amado muito, pois o escolhi para me matar”.  
Frase, certamente enigmática ! O que se pode dizer do amor em psicanálise? E o amor não tem sexo? Outra afirmação intrigante! Aqui se estaria falando de que? Amor e sexo se referem a dois terrenos diferentes que não se confundem, não se sobrepõem? O "amor não tem sexo”, podemos pensá-lo, também quanto à diferença anatômica dos sexos, à naturalidade ou à problemática da relação entre os sexos e a sugestão que tal título faz de que, para o amor, a sexuação dos parceiros é acessória?
Lacan, no Seminário XX, p. 37, diz:
“(...) o que articulei precisamente no ano passado foi que quando a gente ama, não se trata de sexo”.
Quanto ao amor de transferência, “se quando se ama não se trata de sexo”, a que isso pode levar em termos do que a análise tem como fim?. Muitas perguntas...muito trabalho!

No Seminário XX, Lacan o articula segundo a distinção entre dois registros: o do gozo e do significante e o do amor e do semblante.Ele diz que é da falha que há no registro do gozo, da não existência do Outro sexuado como tal, que parte a demanda do amor.
O amor, entretanto, é recíproco e o gozo é por definição não recíproco.
Se o amor pretende efetivamente suprir a falta da relação sexual, a relação que ele estabelece não é “sexual”, porque o que promove é a possibilidade da relação de um sujeito a outro sujeito e não a de um sujeito a um corpo. O amor é fundamentalmente assexuado. Se o amor pode surgir é porque, desta falta, na relação de sujeito a sujeito, estabelece-se a relação possível de um saber de cada um suposto ao outro.
O amor visa o Outro mas nunca atinge senão o semblante, ao qual tenta dar consistência. Mas qual é esse conteúdo, este ser que faz com que a imagem se sustente? A análise demonstra que ele se reduz ao objeto a. A imagem do outro só recobre “a” com o qual não há união possível, pelo menos sexuada, já que o objeto é a-sexuado.
Em se tratando do real, o amor se reduz à relação com a fantasia porque, de um lado, se coloca o objeto a, e de outro lado, o muro que esse objeto levanta diante da apreensão do ser, limite que Lacan chama de a-muro. É o que faz o amor se reunir à pulsão de morte no que ele tem de mais destrutivo. Freud já apontava em Pulsões e suas Vicissitudes. Quando acaba o amor, surge o ódio.A conjunção do amor e da morte ultrapassa certamente o que seria “querer seu bem”.

Serge André, em “O Que Quer Uma Mulher”, diz:
“Com efeito, ao chocar-se com o a-muro, o sujeito vê aumentar sua exasperação, pois do ser amado(a) nunca obterá mais que alguns signos ou alguns restos. Como então capturá-lo senão reduzindo-o a estado de cadáver, ou bem devorando-o, ingurgitando-o realmente. Como melhor possuí-lo senão perdendo-o?
Volto à frase proferida por Keneth após assassinar a pauladas seu amado Joe e em seguida se envenenar:
 “- Devo tê-lo amado muito pois o escolhi para me matar”.
Diga-se que ela se assemelha àquela dita por Lacan no Seminário XI, a propósito da essência mesma da relação de transferência:
“Eu te amo, mas porque inexplicavelmente amo em ti algo que é mais do que tu – o objeto a minúsculo – eu te mutilo.”  

    Angela Porto

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Por causa de que? Por causa...por causa de...causa de...causa





As perguntas formuladas por Lucia Frota sobre o filme “La pianiste”, exigem trabalho.Quando Lucia diz que à época do lançamento do filme ele causa impacto, lembro que a 'época de lançamento do filme' é sempre pontual. Momento em que, para nós, espectadores, acontece a provocação deste punctus  que é o ponto em que a imagem, furada, fura os olhos de quem a vê.

Tratando da fotografia em seu célebre A Câmara Clara, Barthes vê nela duas vias: a que nos levaria a "submeter seu espetáculo ao código civilizado das ilusões perfeitas" e a que nos afrontaria com "o despertar da intratável realidade" (BARTHES, 1980, p. 175).
O primeiro caminho é aquele que ele nomeia studium, dimensão que permite que se teçam de uma fotografia comentários sábios, sociológicos ou classificatórios.
O segundo lhe parece mais essencial ao fotográfico: trata daquele ponto fugidio, de localização lábil, que nos obriga a fechar os olhos, diante da imagem, pois ele é pontiagudo, capaz de atingir, furar (os olhos): o punctum. Este é de localização estritamente subjetiva, justamente porque corresponde ao ponto em que a foto toca e põe em movimento pulsional o sujeito.
 A fotografia carrega já em si, portanto, uma possibilidade de movimento que o cinema virá explorar, ela cava uma distância do olhar em relação à realidade (justamente ao se propor como reprodução direta, indicial, da realidade) que faz de cada imagem uma seqüência a ser explorada, em busca de outra coisa que não está lá (exatamente como faz Freud com sua lembrança encobridora). Mas se a foto implica, em princípio, um desdobramento narrativo (studium), há nela uma corrente oposta, inerente também à imagem, que circunscreve uma certa invisibilidade, ou melhor, uma impossibilidade de ver que é correlativa a uma interrupção da seqüência narrativa, a uma parada no tempo ou a uma repetição incessante que ameaça romper toda possibilidade de narração (punctum). Há algo potencialmente traumático na imagem. (Tânia Rivera,em Cinema e pulsão, sobre o”Irreversível”, o trauma e a imagem)

Pergunta Lucia Frota:

Por causa do estreito laço  que separa a sexualidade  normal da patológica  ?

Pela angústia diante de um  gozo  insuportável que avassala as pessoas frente a certas
 situações ?

A devastação provocada pela  figura materna na vida da personagem ?

Por causa...por causa de...causa de...causa.

 Causa... de novo, e...trabalho!



 Angela Porto

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Da leitura de Freud, que ainda é o melhor recurso, tomara que brotem boas prosas!


Freud ainda é o melhor recurso que podemos nos valer.
E indicar sua leitura aqui é uma tarefa básica pra que retornemos aos princípios e paradoxos de nosso trabalho.
Tomara que brotem boas prosas....ou até quem sabe, belas poesias....

Nesse momento encontro-me na curiosa posição de não saber se o que tenho a comunicar é algo há muito conhecido ou inteiramente novo e intrigante, porém inclino-me a pensar que se trata da segunda alternativa. Ocorre que tenho notado, a partir da análise de alguns pacientes – que só vim a conhecer décadas depois como adultos – que, quando o seu Eu ainda era jovem e foi submetido a uma determinada situação especialmente aflitiva[bedrängnis], ele passou a apresentar um comportamento assaz peculiar. Posso caracterizar genericamente as condições sob as quais tal comportamento do Eu ocorre, dizendo que são situações em que há um trauma psíquico. Para tentar melhor delimitar do que se trata, prefiro descrever um caso clínico especifico e bem-definido, embora saiba que, por sua singularidade, não cobrirá todas as variantes de causação. Antes, porém, farei uma descrição esquemática do modelo ao qual me refiro. Imaginemos uma criança cujo Eu se encontrava a serviço de uma exigência pulsional imperiosa à qual ele habitualmente atendia. Contudo, abruptamente esse Eu é submetido a uma experiência assustadora que lhe indica que, se continuar a satisfazer essa pulsão, enfrentará um perigo real quase insuportável. O Eu terá então que optar por reconhecer a existência desse perigo real, submeter-se a ele e renunciar à satisfação pulsional, ou renegar[verleugnen] a realidade, o que lhe permitiria se convencer de que não há razão para qualquer temor, e manter-se concentrado na busca de satisfação pulsional. Haveria, nesse caso, portanto, um conflito entre a reivindicação pulsional e as objeções por parte da realidade. Na verdade, porém, a criança não segue nenhum desses caminhos, ou melhor, segue ambos ao mesmo tempo, o que equivale a não seguir caminho algum. Ela responde ao conflito com duas reações opostas, ambas válidas e ativas. Por um lado, com o auxílio de certos mecanismos, ela rechaça a realidade e rejeita quaisquer proibições; por outro, ao mesmo tempo, ela reconhece o perigo que emana da realidade, acata dentro de si esse medo[Angst] como um sintoma e mais adiante tenta lidar com esse medo. Em princípio essa é uma solução bastante engenhosa. Ambas as partes em disputa recebem seu quinhão: permite-se à pulsão obter a satisfação almejada e, ao mesmo tempo, tributa-se à realidade o respeito necessário. Mas, como reza o dito popular: só a morte nos é dada de graça. Esse resultado tão bem sucedido só foi alcançado ao preço de um rompimento na tessitura[Einriss] do Eu, a qual não mais cicatriza, ao contrário, só aumenta à medida que o tempo passa. Assim, as duas reações opostas com as quais o Eu respondeu ao conflito passam a subsistir como núcleo de uma cisão do Eu. Ora, um processo assim nos causa uma certa estranheza porque pressupomos que os processos que ocorrem no Eu são sempre dirigidos à síntese, mas vemos que estávamos equivocados. Na verdade, a assaz importante função sintética do Eu depende de condições específicas e é  vulnerável a uma série de perturbações.” [Freud,S. ‘A cisão do Eu’]


Aqui se inscreve essa Cisão[Spaltung] última por onde o sujeito se articula ao Logos, sobre a qual Freud ao começar a escrever, nos dava no extremo último de uma obra com as dimensões do ser, a solução da análise ‘infinita’, quando sua morte pôs nela a palavra Nada.” [Lacan,J. ‘A direção da Cura’]

Por que não continuaríamos fazendo essa história?
Escrevendo nossas desventuras, enredos e desassossegos tão comuns ao erramento da pulsão...
     Lucia Montes

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Ainda "A professora de Piano"...O cinema...que angústias, que verdade ele descortina?



Há  filmes, que   por tocarem  em pontos universais da estrutura psíquica humana são  como os mitos  e passam a fazer   parte da  cultura  universal e  tem  ai sua perenidade.  Eles nos causam  impacto,nos  emudecem , nos fazem rir ou chorar ,quando algo  projetado na tela transpassa a fantasia  e nos aproxima do real indizível .
Na saída dos cinemas  são  comuns estes comentários: "não gosto de fime pesado ","venho  ao  cinema para distrair", este  "diretor  é louco " , "este filme  deveria ser  proibido".
Negação, que diz da verdade, que a obra  cinematográfica  descortina.
  
O filme do diretor Hanecke, na  magistral interpretaçaõ  de Isabelle Huppert  e  Benoît Magimel,  bate direto, sem subterfúgios,  de encontro  a uma necessidade profunda do ser humano de se castigar, de se fazer sofrer , de se humilhar e  de se  culpabilizar.
Esta  é a trama  da humanidade,  comum  da  maioria dos pacientes  que procuram  uma terapia .

Em contrapartida a este masoquismo, dito  moral, em que a sexualidade parece à  primeira vista  pouco implicadada,  surgem   aquelas situações em que as  sevicias e as mutilações  são efetivamente atuadas.

O filme provocu muitos comentários na época do seu lançamento . Seria ,aqui deixo como questão , por causa de que?
Por causa do estreito laço  que separa a sexualidade  normal da patológica  ?
Pela angústia diante de um  gozo  insuportável que avassala as pessoas frente a certas situações ?
A devastação provocada pela  figura materna na vida da personagem ?

Lucia Cunha Frota

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

ÓCIOS DO OFÍCIO, MAIS UMA EXPERIÊNCIA!

A experiência do ofício de psicanalizar, inclui seus ossos!
A experiência de trançá-la, via nossos estudos, discussões, trabalho com a clínica, escrita no Tear 4, encaminha-nos, eventualmente, a também encontrar motivo para o "ócio que o ofício exige!"
Ainda assim, continuamos trançando, um jeito mais além do convencional, de continuar trabalhando!

Então, convidamos a todos que se interessarem a conversar sobre o filme" A professora de Piano", que provocou duas postagens recentes, neste blog, que o assistam previamente, e se encontrem conosco no dia 4 de outubro,  de 13,30h a 15,00, à Rua Fernandes Tourinho,470, 3o andar, onde funciona o Tear 4.
A entrada é franca, mas a participação é condição!

sábado, 11 de setembro de 2010

Nessa In[Ex]sistência Toda, de Quem é o concerto ?



Música de uma nota só?

Carta de letra muda?

No afastamento entre Prazer e Realidade,

na realidade da distância freudiana,

o corpo faz leito para o advento da linguagem

pela operação do significante.

A carta, ainda por escrever, fora,

no irremediável só,

recusa o nome, recusa o homem, recusa... o encontro?.

Do inevitável encontro, o fora da imagem mira o rito, move fora da cena musical,

e mais ainda, nos banheiros, na pele do sem corpo,

sem bordas, o insuportável do amor é uma só periferia.

O que é que tanto in-siste no que ex-siste?

Lugar hiante e ânsia incondicional de uma natureza que faz da angústia seu símbolo mais vivo e mais exato?

Mulher ?...

corpo-corte, pote sem coração, lâmina-mão de sangue-maldição que se esvai sobre o teclado branco das vozes, na penumbra-mãe, no amuro de portas escancaradas, da satisfação que visa sufocar qualquer possibilidade de outro pedido, que não seja este,

o de in[ex]sistência...

o fora sem dentro?

Música de uma nota só: “como ‘eu’ sou a conseqüência inevitável de ‘você’ ’”.

Carta de letra muda: “porque não sei se sabes que a morte é a verdade do amor, do mesmo modo que o amor é a verdade da morte” [E.Vila-Matas]

Entrei aqui na provocação de trabalho que persevera nesse belíssimo filme que nos reendereça às apaixonadas e inquietantes interrogações vienenses.

Literárias, Musicais, travessias-(a)travessuras até o Inconsciente, sempre atual, que Freud nos despertou

“... mesmo porque as notas eram surdas quando um deus sonso e ladrão

fez das tripas a primeira lira que animou todos os sons.” [Chico Buarque]

“A psicanálise não é uma cosmologia, se bem que basta que o homem sonhe para ver ressaltar esse intenso bricabraque, esse guarda-móveis do qual ele tem que se desvencilhar, e que constitui seguramente uma alma, uma alma ocasionalmente amável quando alguma coisa queira mesmo amá-la.” [J. Lacan – “encore’]

Emprestando alma ao muro, escrita a carta, nota sonora de almor,

o amor tranca as portas e faz um dentro,

o quarto da mãe,

um giro de um quarto de volta ?

Porque há, em algum lugar daquele que fala, algo que sempre sabe mais do que ele mesmo, é que uma carta sempre chegará ao seu endereço.

E depois disso,

Quem é que nunca sabe mesmo quem estará na platéia?

Lucia Montes

domingo, 5 de setembro de 2010

"La Pianiste" - o filme....E a mulher? - Angústia de inexistência???



Quem viu Violência Gratuita e Código Desconhecido já sabe o que esperar do diretor alemão Michael Haneke: um estilo cruelmente frio, direto, sem subterfúgios cinematográficos. Invariavelmente, um soco no estômago. A fórmula se repete com sucesso no drama "A Professora de Piano", filme vencedor de três prêmios importantes no Festival de Cannes: melhor atriz para Isabelle Hupert (de Madame Bovary e Separação), melhor ator para Benoît Magimel (de O Ódio) e Prêmio Especial do Júri.

Isabelle vive o papel de Erika, a professor do título, que divide o apartamento com sua possessiva mãe (a veterana Annie Girardot, de Rocco e Seus Irmãos). Entre elas reina um forte clima de tensão violenta, que não raramente explode em desrespeito e autoritarismo. Durante um recital, Erica conhece o jovem Walter (Magimel), que passa a assediar a balzaquiana pianista. Tal assédio desperta na professora uma fúria de sentimentos represados. Uma perturbada mistura de amor e ódio que se manifesta das maneiras mais inesperadas e incoerentes. Ao mesmo tempo contida e exuberante, Isabelle está perfeita no papel. Sua atuação convincente é uma das  forças principais do filme, que se equilibra perigosamente sobre a fina linha que divide o trágico do inacreditável.

As frustrações que se transformam em atos de violento inconformismo deixam a platéia num clima de constante tensão. Para isso, Haneke segura a narrativa com mão-de-ferro, não deixa a ação descambar para a violência fácil, ao mesmo tempo em que prende nas gargantas de seus personagens principais um grito sufocado que parece impossível de ser expelido. Este é o clima de A Professora de Piano. Um cruel exercício de sensações sufocadas, num filme que não faz nenhuma questão de ser facilmente consumido.
Celso Sabadin (2002)


 Agora, depois de visto o filme, é trabalhar o que há da mulher,na sua demanda-carta dirigida a um homem, caso ele se disponha a lê-la. Mais alguém? Alguém, algum cineasta, algum psicanalista, tem algo a dizer sobre o filme? Alguém compartilha da inquietação que o filme provoca?

domingo, 22 de agosto de 2010

Presença do analista...quem, onde, o quê?


“A presença do analista é ela própria uma manifestação do inconsciente”.

“O inconsciente freudiano é a soma dos efeitos da fala, sobre um sujeito, nesse nível em que o sujeito se constitui pelos efeitos do significante”.

A grande novidade desse texto para mim é o esclarecimento de que o inconsciente freudiano se apresenta diante da presença do analista, enquanto testemunha da perda do sentido lógico cartesiano.
E que o acatamento e o tratamento desse inconsciente que se manifestará só será possível diante da presença do analista.
A abertura do inconsciente do sujeito se dará no momento em que sua certeza rateia, numa lógica de orientação cartesiana.
Lembrando o inconsciente freudiano como esse campo de linguagem onde a fala rateia perdendo seu sentido lógico, mas ao mesmo tempo mostrando a evidência de uma outra lógica, que reflete o modo particular do sujeito aprender a linguagem, que não está submetida a linguagem do Grande Outro, nesse momento singular, onde o simbólico falha em sua abordagem ao Real.
Por outro lado, é bom ressaltar que o simbólico sempre falhará ao abordar o Real, pois o significante não consegue tudo dizer. E exatamente por isso se diz do simbólico como significante que toca o Real.
Também aí entra a questão da causa. Já que é impossível tudo dizer, a linguagem traz em si a marca do impossível. Só se representa aquilo que não está presente. É ao mesmo tempo a origem e a possibilidade.
A neurose tem a força de obstruir a abordagem do Real pelo Simbólico. Através do processo de análise o sujeito se redimensiona, se reatualiza no des-encontro com o real.
Depois do luto ( através da análise) desse des-encontro, o analisando incluirá um não saber no saber, que tem a ver com o saber do inconsciente, da falta-a-ser, que posiciona o sujeito diante do movimento do desejo.


Simone Caporalli

Nó górdio


Alexandre corta o nó górdio, pintura do século XIX

A provável lenda do nó górdio remonta ao século VIII a.C.
Conta-se que o rei da Frígia (Ásia Menor) morreu sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado, o Oráculo anunciou que o sucessor chegaria à cidade num carro de bois. A profecia foi cumprida por um camponês, de nome Górdio, que foi coroado. Para não se esquecer de seu passado humilde ele colocou a carroça, com a qual ganhou a coroa, no templo de Zeus. E a amarrou com um nó a uma coluna, nó este impossível de desatar e que por isso ficou famoso.
Górdio reinou por muito tempo e quando morreu, seu filho Midas assumiu o trono. Midas expandiu o império, porém, ao falecer não deixou herdeiros. O Oráculo foi ouvido novamente e declarou que quem desatasse o nó de Górdio dominaria toda a Ásia Menor.
Quinhentos anos se passaram sem ninguém conseguir realizar esse feito, até que em 334 a.C Alexandre, o Grande, ouviu essa lenda ao passar pela Frígia. Intrigado com a questão, foi até o templo de Zeus observar o feito de Górdio. Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó. Lenda ou não o fato é que Alexandre se tornou senhor de toda a Ásia Menor poucos anos depois.
É daí também que deriva a expressão "cortar o nó górdio", que significa resolver um problema complexo de maneira simples e eficaz.

Pesquisa realizada por Simone Caporali

"O Dinheiro", Robert Bresson, seus "modelos" e "vozes brancas"...

"Dinheiro", de Robert Bresson, seria estímulo ao debate sobre o "núcleo da repetição", este "esvaziado de afeto", "núcleo da transferência", tomado por mim, no último encontro de que participei no Tear 4, como o Eine Echte Liebe, um amor de verdade...um amor de real?

Robert Bresson é um dos raros cineastas que não fazem concessão de nenhuma ordem: seus filmes sempre foram rigorosamente realizados sem a utilização de atores profissionais e tudo o que os cerca (efeitos teatrais dos gestos, atitudes e vozes). Seu tom lírico, límpido, litúrgico se opõe ao drama psicológico e ao expressionismo. Comparados a Bresson, os realizadores em sua maioria, parecem meros funcionários da indústria do espetáculo. Tudo isso expIica, talvez, a dificuldade que ele encontrou para realizar seus filmes (doze em 40 anos).As adaptações de Robert Bresson - Les Dames du Bois de Boulogne, a partir de Diderot; Le Journal d' un Curé de Campagne e Mouchette, a Virgem Possuída, a partir de Georges Bernanos: Une Femme Douce e Quatro Noites de um Sonhador, a partir de Dostoievski, e L'Argent a partir de Tolstoi - são ao mesmo tempo muito e muito pouco fiéis. Bresson torna seus filmes mais "literários" que os romances nos quais ele se baseia. Por exemplo, não só não transpõe em diálogo as passagens do livro em que o pároco d' Ambricourt relata determinada conversa, como também impede que os verdadeiros diálogos (discurso direto) sejam interpretados como no cinema e no teatro habituais: ele pede a seus atores - Bresson utiliza o termo "modelo", já que eles não têm nada dos atores convencionais - para dizê-los numa entonação recto tono, monocórdia, sem inflexão: são as chamadas vozes brancas dos modelos bressonianos, que falam como se escutassem suas próprias palavras ditas por um outro. Neste sentido, os diálogos perdem o valor de discurso direto e passam a valer como discurso indireto livre (enunciação fazendo parte de um enunciado que depende de uma outra enunciação): eu falo e, quando falo, é como se um outro falasse. Lembremos, de passagem, que Dostoievski e Bernanos são mestres do discurso indireto livre. Dostoievski dotava seus personagens de estranhas vozes. Em Quatro Noites de um Sonhador um deles diz: "quando você fala, dá a impressão de estar lendo um livro". É o caso dos atores do Diário de um Pároco de Aldeia, que falam como se estivessem lendo o livro de Bernanos, apontando, assim, para a materialidade da escritura do romance.As vozes brancas, monocórdicas, dos modelos de Bresson, têm pelo menos duas funções: de um lado, deixam pressentir que o que é dito não remete a nenhum sujeito determinado, pelo contrário, o sujeito de enunciação cai numa relação de indeterminação. Por outro lado, apontam para a materialidade e a sonoridade do discurso.Cada um dos filmes de Bresson narra a "evolução" espiritual de um personagem confrontada com os acontecimentos (situação ou história). Mas o que interessa a Bresson é a parte do acontecimento que transborda a sua realização, ou seja, a determinação espiritual. A história é horizontal, enquanto a determinação espiritual é vertical. O personagem bressoniano deve afrontar o acontecimento do interior; ele deve merecê-lo transformando-o no seu eterno contemporâneo. É o que Charles Peguy chamava de "internet' (eterno).O encontro do personagem e do acontecimento, a situação ou história, se realiza no espaço e no tempo, no presente abstrato e contínuo. Mas o verdadeiro encontro - a fé, a graça, o sacrifício, o amor - é a parte do acontecimento que não se confunde com o estado de coisas determinado (situações, corpos, enunciados etc.). 0 verdadeiro encontro esta sempre para acontecer ao mesmo tempo em que sempre aconteceu. "Amar", diz Guimarães Rosa, "é se unir a uma pessoa futura, única, a mesma do passado".No cinema de Bresson, a determinação espiritual13 se exprime através de um espaço regido pela fragmentação ou "espaço qualquer" (Gilles Deleuze). Deleuze mostrou em que consiste a novidade do espaço qualquer bressoniano. Trata-se de um espaço ou imagem que não prolonga ao infinito um estado de coisas e que não se encadeia segundo as relações sensório-motoras que o homem estabelece com o mundo. O "espaço qualquer" resulta de uma alternativa entre um estado de coisas e a virtualidade que o ultrapassa: é a parte do acontecimento que não se reduz ao estado de coisas determinado; é o mistério desse presente recomeçado acima descrito.

"No cinema de Bresson, os espaços, corpos e objeto não são mostrados inteiramente, eles são submetidos à fragmentação. A fragmentação para Bresson "é indispensável se não quisermos cair na representação. Ver os seres e as coisas em suas partes separadas, isolar essas partes. Torná-las independentes a fim de lhes dar uma nova dependência".A nova dependência significa que o cinema adquire uma nova dimensão perceptiva e afetiva: de um lado, o espaço se torna pura conjunção virtual, puro lugar do possível e, de outro, ele exprime o afeto enquanto potencialidade pura. Os espaços fragmentados são submetidos a encadeamentos rítmicos e tácteis variáveis, cuja conexão é dada pelo espírito, a alternância do espírito ou a escolha (Deleuze).

Pascal, Kierkegaard, Peguy, Bernanos e Bresson formam uma linha de pensadores moralistas e religiosos que se opõem à moral e à religião. Segundo Deleuze, com eles se desenvolve uma idéia muito interessante: a alternativa ou a escolha do espírito remete ao modo de existência daquele que escolhe e não ao combate, à oposição e à alternância do bem e do mal.
Para Bresson, a infâmia e a hipocrisia estão tanto do lado do mal quanto do bem, pois o homem do mal e o homem da incerteza só podem escolher na medida em que negam que tenham escolha, seja em virtude de uma necessidade moral ou religiosa, seja em virtude de um estado de coisas ou situação qualquer. A esses três tipos de personagens, Bresson opõe o personagem da escolha autêntica: o crente ou o homem de determinação espiritual, que escolhe escolher e, por isso mesmo, exclui todos os modos de vida que consistem em não ter escolha.
No seu último filme, “O Dinheiro” (1983), o diretor dispõe do controle completo de sua arte. Ao contar a história que gira em torno de uma nota falsa, Bresson aborda os seus principais temas (escolha, graça, predestinação) da forma com que ficou conhecido: suprimindo tudo aquilo que considera como desnecessário, para poder encontrar a essência e o inesperado por trás das imagens. E o fez nesse filme de forma impressionante, pois aqui, cada plano - visto como fragmentos - traz em si a sua causa e a sua conseqüência, o passado e o futuro, de tal modo que cada momento da cadeia de acontecimentos que cria é absoluto. A única maneira possível de liga-los é através das ousadas elipses visuais e sonoras.
(Pesquisa realizada na internet e notas do trabalho de André Parente, UFRJ )

Vale a sugestão de trabalho, para o Ocios do Ofício ?


Angela Porto