domingo, 22 de agosto de 2010

Presença do analista...quem, onde, o quê?


“A presença do analista é ela própria uma manifestação do inconsciente”.

“O inconsciente freudiano é a soma dos efeitos da fala, sobre um sujeito, nesse nível em que o sujeito se constitui pelos efeitos do significante”.

A grande novidade desse texto para mim é o esclarecimento de que o inconsciente freudiano se apresenta diante da presença do analista, enquanto testemunha da perda do sentido lógico cartesiano.
E que o acatamento e o tratamento desse inconsciente que se manifestará só será possível diante da presença do analista.
A abertura do inconsciente do sujeito se dará no momento em que sua certeza rateia, numa lógica de orientação cartesiana.
Lembrando o inconsciente freudiano como esse campo de linguagem onde a fala rateia perdendo seu sentido lógico, mas ao mesmo tempo mostrando a evidência de uma outra lógica, que reflete o modo particular do sujeito aprender a linguagem, que não está submetida a linguagem do Grande Outro, nesse momento singular, onde o simbólico falha em sua abordagem ao Real.
Por outro lado, é bom ressaltar que o simbólico sempre falhará ao abordar o Real, pois o significante não consegue tudo dizer. E exatamente por isso se diz do simbólico como significante que toca o Real.
Também aí entra a questão da causa. Já que é impossível tudo dizer, a linguagem traz em si a marca do impossível. Só se representa aquilo que não está presente. É ao mesmo tempo a origem e a possibilidade.
A neurose tem a força de obstruir a abordagem do Real pelo Simbólico. Através do processo de análise o sujeito se redimensiona, se reatualiza no des-encontro com o real.
Depois do luto ( através da análise) desse des-encontro, o analisando incluirá um não saber no saber, que tem a ver com o saber do inconsciente, da falta-a-ser, que posiciona o sujeito diante do movimento do desejo.


Simone Caporalli

Nó górdio


Alexandre corta o nó górdio, pintura do século XIX

A provável lenda do nó górdio remonta ao século VIII a.C.
Conta-se que o rei da Frígia (Ásia Menor) morreu sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado, o Oráculo anunciou que o sucessor chegaria à cidade num carro de bois. A profecia foi cumprida por um camponês, de nome Górdio, que foi coroado. Para não se esquecer de seu passado humilde ele colocou a carroça, com a qual ganhou a coroa, no templo de Zeus. E a amarrou com um nó a uma coluna, nó este impossível de desatar e que por isso ficou famoso.
Górdio reinou por muito tempo e quando morreu, seu filho Midas assumiu o trono. Midas expandiu o império, porém, ao falecer não deixou herdeiros. O Oráculo foi ouvido novamente e declarou que quem desatasse o nó de Górdio dominaria toda a Ásia Menor.
Quinhentos anos se passaram sem ninguém conseguir realizar esse feito, até que em 334 a.C Alexandre, o Grande, ouviu essa lenda ao passar pela Frígia. Intrigado com a questão, foi até o templo de Zeus observar o feito de Górdio. Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó. Lenda ou não o fato é que Alexandre se tornou senhor de toda a Ásia Menor poucos anos depois.
É daí também que deriva a expressão "cortar o nó górdio", que significa resolver um problema complexo de maneira simples e eficaz.

Pesquisa realizada por Simone Caporali

"O Dinheiro", Robert Bresson, seus "modelos" e "vozes brancas"...

"Dinheiro", de Robert Bresson, seria estímulo ao debate sobre o "núcleo da repetição", este "esvaziado de afeto", "núcleo da transferência", tomado por mim, no último encontro de que participei no Tear 4, como o Eine Echte Liebe, um amor de verdade...um amor de real?

Robert Bresson é um dos raros cineastas que não fazem concessão de nenhuma ordem: seus filmes sempre foram rigorosamente realizados sem a utilização de atores profissionais e tudo o que os cerca (efeitos teatrais dos gestos, atitudes e vozes). Seu tom lírico, límpido, litúrgico se opõe ao drama psicológico e ao expressionismo. Comparados a Bresson, os realizadores em sua maioria, parecem meros funcionários da indústria do espetáculo. Tudo isso expIica, talvez, a dificuldade que ele encontrou para realizar seus filmes (doze em 40 anos).As adaptações de Robert Bresson - Les Dames du Bois de Boulogne, a partir de Diderot; Le Journal d' un Curé de Campagne e Mouchette, a Virgem Possuída, a partir de Georges Bernanos: Une Femme Douce e Quatro Noites de um Sonhador, a partir de Dostoievski, e L'Argent a partir de Tolstoi - são ao mesmo tempo muito e muito pouco fiéis. Bresson torna seus filmes mais "literários" que os romances nos quais ele se baseia. Por exemplo, não só não transpõe em diálogo as passagens do livro em que o pároco d' Ambricourt relata determinada conversa, como também impede que os verdadeiros diálogos (discurso direto) sejam interpretados como no cinema e no teatro habituais: ele pede a seus atores - Bresson utiliza o termo "modelo", já que eles não têm nada dos atores convencionais - para dizê-los numa entonação recto tono, monocórdia, sem inflexão: são as chamadas vozes brancas dos modelos bressonianos, que falam como se escutassem suas próprias palavras ditas por um outro. Neste sentido, os diálogos perdem o valor de discurso direto e passam a valer como discurso indireto livre (enunciação fazendo parte de um enunciado que depende de uma outra enunciação): eu falo e, quando falo, é como se um outro falasse. Lembremos, de passagem, que Dostoievski e Bernanos são mestres do discurso indireto livre. Dostoievski dotava seus personagens de estranhas vozes. Em Quatro Noites de um Sonhador um deles diz: "quando você fala, dá a impressão de estar lendo um livro". É o caso dos atores do Diário de um Pároco de Aldeia, que falam como se estivessem lendo o livro de Bernanos, apontando, assim, para a materialidade da escritura do romance.As vozes brancas, monocórdicas, dos modelos de Bresson, têm pelo menos duas funções: de um lado, deixam pressentir que o que é dito não remete a nenhum sujeito determinado, pelo contrário, o sujeito de enunciação cai numa relação de indeterminação. Por outro lado, apontam para a materialidade e a sonoridade do discurso.Cada um dos filmes de Bresson narra a "evolução" espiritual de um personagem confrontada com os acontecimentos (situação ou história). Mas o que interessa a Bresson é a parte do acontecimento que transborda a sua realização, ou seja, a determinação espiritual. A história é horizontal, enquanto a determinação espiritual é vertical. O personagem bressoniano deve afrontar o acontecimento do interior; ele deve merecê-lo transformando-o no seu eterno contemporâneo. É o que Charles Peguy chamava de "internet' (eterno).O encontro do personagem e do acontecimento, a situação ou história, se realiza no espaço e no tempo, no presente abstrato e contínuo. Mas o verdadeiro encontro - a fé, a graça, o sacrifício, o amor - é a parte do acontecimento que não se confunde com o estado de coisas determinado (situações, corpos, enunciados etc.). 0 verdadeiro encontro esta sempre para acontecer ao mesmo tempo em que sempre aconteceu. "Amar", diz Guimarães Rosa, "é se unir a uma pessoa futura, única, a mesma do passado".No cinema de Bresson, a determinação espiritual13 se exprime através de um espaço regido pela fragmentação ou "espaço qualquer" (Gilles Deleuze). Deleuze mostrou em que consiste a novidade do espaço qualquer bressoniano. Trata-se de um espaço ou imagem que não prolonga ao infinito um estado de coisas e que não se encadeia segundo as relações sensório-motoras que o homem estabelece com o mundo. O "espaço qualquer" resulta de uma alternativa entre um estado de coisas e a virtualidade que o ultrapassa: é a parte do acontecimento que não se reduz ao estado de coisas determinado; é o mistério desse presente recomeçado acima descrito.

"No cinema de Bresson, os espaços, corpos e objeto não são mostrados inteiramente, eles são submetidos à fragmentação. A fragmentação para Bresson "é indispensável se não quisermos cair na representação. Ver os seres e as coisas em suas partes separadas, isolar essas partes. Torná-las independentes a fim de lhes dar uma nova dependência".A nova dependência significa que o cinema adquire uma nova dimensão perceptiva e afetiva: de um lado, o espaço se torna pura conjunção virtual, puro lugar do possível e, de outro, ele exprime o afeto enquanto potencialidade pura. Os espaços fragmentados são submetidos a encadeamentos rítmicos e tácteis variáveis, cuja conexão é dada pelo espírito, a alternância do espírito ou a escolha (Deleuze).

Pascal, Kierkegaard, Peguy, Bernanos e Bresson formam uma linha de pensadores moralistas e religiosos que se opõem à moral e à religião. Segundo Deleuze, com eles se desenvolve uma idéia muito interessante: a alternativa ou a escolha do espírito remete ao modo de existência daquele que escolhe e não ao combate, à oposição e à alternância do bem e do mal.
Para Bresson, a infâmia e a hipocrisia estão tanto do lado do mal quanto do bem, pois o homem do mal e o homem da incerteza só podem escolher na medida em que negam que tenham escolha, seja em virtude de uma necessidade moral ou religiosa, seja em virtude de um estado de coisas ou situação qualquer. A esses três tipos de personagens, Bresson opõe o personagem da escolha autêntica: o crente ou o homem de determinação espiritual, que escolhe escolher e, por isso mesmo, exclui todos os modos de vida que consistem em não ter escolha.
No seu último filme, “O Dinheiro” (1983), o diretor dispõe do controle completo de sua arte. Ao contar a história que gira em torno de uma nota falsa, Bresson aborda os seus principais temas (escolha, graça, predestinação) da forma com que ficou conhecido: suprimindo tudo aquilo que considera como desnecessário, para poder encontrar a essência e o inesperado por trás das imagens. E o fez nesse filme de forma impressionante, pois aqui, cada plano - visto como fragmentos - traz em si a sua causa e a sua conseqüência, o passado e o futuro, de tal modo que cada momento da cadeia de acontecimentos que cria é absoluto. A única maneira possível de liga-los é através das ousadas elipses visuais e sonoras.
(Pesquisa realizada na internet e notas do trabalho de André Parente, UFRJ )

Vale a sugestão de trabalho, para o Ocios do Ofício ?


Angela Porto

Brincadeira boa...

...brincadeira boa de brincar


é aquela que, na hora séria


deixa cadeira pra cada um sentar....

Intervalo nos estudos, tarde à toa, hora boa de olhar devagar por onde estreamos nossas espraiadas letras do caminho.
E assim apenas nos esperam, até Agosto:

o Endereço das tardes de segunda feira, os Textos a serem degustados até a última nuance do escrito, o cafezinho do entusiasmo e o provável silêncio da cautela, que dará passagem a algum novo a.con.tecido.
Do projeto inaugural, do Tear 4, foram estes os pontos fundadores, de abertura, cingidos e relançados à prova de fazer saber, com outros, a experiência inconjugável do desejo.

Reinvenção permanente de um transitar ético, que vai da intensão à extensão, para aí fazer retornar o que da verdade foi possível saber?

A vida segue...


Lúcia Montes

Alô! Alô! Da blogger ao blog, a insistência do vazio (um comentário)


Aqui se trança?..

Há que saber!

.Há que saber?



que

saber?


Em fios necessários, oportunos à trama do trabalho, no Tear 4, o texto de Lucia Montes remarca a insistência do vazio, ao modo de cada um, se há do Um, que ouve um outro.
É engraçado pensar, no 'X-te' da questão... o incógnito, que há que saber.
Da exigência do trabalho à cordialidade da forma, não há necessariamente incompatibilidade.
O cordial é o que vem do coração.
Da questão que insiste, desde o que vem da espera ativa, em movimento, até o destino que é sempre o real, do wiederkern,
o coração da repetição...
O núcleo daquilo que se repete...

Alô? Alô?

O texto da Lúcia Montes insiste em que se con-fie!

Confiança em que do trabalho de um analista se diga! E se escreva!

Em comum, a causa forjada na castração.

Talvez num Tear 4, onde se possa tramar, tecer e fiar, sem se fiar.

Talvez a posta em ato, de uma “justa topologia” como sugere Lacan no Seminário 8.

“Justa topologia”, que venha nos recolocando, em nossos trabalhos, e na nossa experiência, na direção da retificação do conceito de transferência.

Desde um ‘no começo era o amor’, passando pelo estrutural da constituição do sujeito, ‘no começo era o Verbo’, pela reflexão ética da direção do tratamento, via a sustentação do desejo, até um ‘no começo é o ato’, o encontro com o real, encontro essencialmente faltoso.

“Justa Topologia”, precisa, apertada, tensionada, restrita..

Pois restrita e delicada é a função do analista de seu lugar de corte, corte que pretenda privilegiar o interstício significante, e que, pelos desfiladeiros da demanda, venha a conduzir o sujeito da análise a um ponto, então, “absolutamente original”.

Alô? Alô?

Você é psicanalista?
 
Angela Porto

Aqui se trança? .... Há que saber!

“Quero marcar um horário. Você é Psicanalista? tô desesperado, você tem que me ajudar!...”

No campo restrito de meus recursos com as cores do desejo entrelaçam-se os fios precisos e necessários à trama do trabalho,
o meu trabalho, o trabalho do sonho, o trabalho de luto...
Um escuta, do outro,
a insistência do vazio que perpassa entre o telefone e a voz que já se fez ouvir que o analista deve estar lá,
onde a causa do desejo não pode se desviar, à deriva, nas palavras.
Mas o que quereria a voz que já indicou que ali há um ‘consultório’ de psicanálise?

De que? De quem ? Oferta?... ou Espera em movimento, que faz girar os discursos?

Sendo assim, por que não o TEAR 4, um ‘blog’ para tranças e traçados?...
e através disso trazer a público o labor-restos do trabalho clínico em vigor ?

Espaço para que alguém se arme de coragem e verifique, com outros, o que há do analista, reapresentando-o no possível dizer do movimento privado da escuta?

Recorrer à escrita da experiência arriscada do desencontro marcado de todo dia, e de cada vez,
e apresentar aqui a voz-escrita que não deixa escapar, na medida do possível,
a trança, dos discursos, das letras....
para então postar sua práxis, quem sabe, paradoxalmente, diante do ‘chiste’ da questão?

Pode ser este um dos alcances da verdade....., é uma aposta,
onde talvez ninguém se exima de uma
certa pegada no sintoma.
A psicanálise depende também desses ‘nós’.


Lúcia Montes.

Transferência ao escrito e Repetição... [na cultura???]


E aquilo que nesse momento se revelará aos povos


Surpreenderá a todos, não por ser exótico


Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto


Quando terá sido o óbvio” [Caetano Veloso, “Um índio”]


Fazer valer a operação da Transferência ao texto em sua relação com os termos da Repetição, como está posto e postado na experiência de trabalho e publicação no blog Tear 4, tem sido para mim uma exigência de compreender de um outro modo a amarração que há entre a ‘feitura’ do conceito e o tempo de sua apreensão.

O giro que agora se faz indicando novas direções, que, por sua vez, apuram um desprendimento até um outro jeito de fazer sua leitura, vem sendo pontuado nos termos da Transferência e da Repetição. Tais termos ao se entrecruzarem num movimento único, relançam para alcances distintos:

Transferência -> inconsciente -> interpretação

Repetição -> gozo -> ato

Este movimento nos leva ao discernimento da concepção do tempo na lógica do inconsciente. Radicado na materialidade do significante e na instancia da letra, vemos surgir sua função de corte com a qual se opera entre o sujeito e o Outro. Esta leitura tem deixado evidente a importância da ‘presença’ do analista enquanto que esvaziamento do ‘sentido’, que na neurose tem a força de obstruir a abordagem do real pelo simbólico.

Fico aqui às voltas com a responsabilidade, destacada por vocês, de insistir em trazer ao texto publico algum testemunho desta operação de escritura do singular.
..O tempo que se dimensiona numa topologia:

‘mais alem’ da rede dos signos [automaton] busca-se tocar o encontro marcado com o real [que escapa] .

..A elaboração analítica é uma práxis:

... se orientada para aquilo que, no coração da experiência, é o núcleo do real.

Reapresento cortes e interstícios para uma pausa...

[O conceito] de Repetição nesta abordagem indica outra direção, que consiste em que Transferência, como posta em ato do inconsciente, e somente assim, é o único manejo que pode nos conduzir ao núcleo daquilo ‘que se repete’.

Lucia Montes

Tear 4...aqui se trança?

Para manter um "diário"é preciso uma certa mentalidade arquivista, que exige alguma disciplina que ordene a vida...""Ter um diário é uma maneira de colecionar os dias...Claro, as ambições do diário são uma causa perdida de antemão..."(Michelle em sua página http://www.colba.net/~micheles )

Em 1994, a Associação Vinaigre, em Paris, lançou uma experiência paradoxal: construir uma obra coletiva a partir de pontos de vista íntimos. Ao longo dos meses pessoas de diferentes lugares e horizontes se reuniram em torno de regras simples, para descrever cenas da vida cotidiana, observadas em lugares públicos.Era proibido usar a palavra 'Eu', mas necessário tentar permanecer o mais próximo possível da emoção sentida pelo observador.Criou-se a partir dos primeiros textos o Journal Intime Collectif, que em 1997 já conta com mais de centena de autores de 7 a 70 anos. O Journal Intime Collectif, não só entra na Net, como passa a promover leituras públicas todos os feriados em Paris, no Café Les Couleurs!!! A internet abriria caminho para uma nova forma de comunicação, de intimidade estendida ao coletivo? Registro do efêmero, do descontínuo, escritura para não se afogar...na loucura?

E o blog doTear 4? A que tem servido?

Aqui, no uso e fruto deste blog, o que, coletivamente, podemos trançar de 'nossos' particulares da clínica, do trabalho de estudo, dos des-encontros bem sucedidos das discussões de nossas questões singulares? A que nossa escritura há de responder, destes lugares de trabalho, para que uma transmissão se faça e nos retorne em trabalho, ainda e de novo?

 Angela Porto

O trabalho analítico cotidiano, algo a se pensar...

No Seminário XIII, lição 17, do dia 11/05/66, encontramos uma referência ao trabalho analítico cotidiano, quando, referindo-se à formação dos psicanalistas, Lacan observa:

“A relação do psicanalista com a questão do seu estatuto retoma aqui em forma de uma agudeza desdobrada, a propósito do que, desde sempre, é colocado como o estatuto de quem detém o saber. O problema da formação do psicanalista não é, senão, permitir através de uma experiência privilegiada, que nasçam, que se dêem à luz – se me permitem a expressão – sujeitos para os quais esta divisão do sujeito não seja tão somente algo que eles sabem, mas também algo no que pensem. Trata-se de que se dê à luz alguns que pudessem descobrir o que experimentam na experiência psicanalítica, a partir desta posição sustentada, pela qual nunca estão em estado de desconhecer que, no momento de saber, como analista, estão em uma posição dividida.”

A que se refere Lacan, quando fala de uma ‘experiência privilegiada’?
Para Heidegger, a experiência não é um mero fazer ou atuar, mas algo que se define como “faire une maladie”, ou seja, fazer ou sofrer uma enfermidade*. Tal é, também, de certo modo, a formulação com que Freud define a experiência psicanalítica, na medida em que a caracteriza como uma ‘doença artificial’, á qual nomeia ‘neurose de transferência’. Artefato do qual se vale a estrutura na experiência de uma análise.
Experiência privilegiada, porque privilégio é “a vantagem que se concede a alguém com exclusão de outrem e contra o direito comum”, assim reza o Aurélio e, portanto, algo singular, único, distinto. Então, dessa experiência privilegiada, Lacan espera o surgimento de um sujeito capaz de refletir, de pensar sobre o sujeito dividido. Entretanto, a esse pensar, não se aplicam os encaminhamentos do cogito cartesiano.
Daquele que viveu a experiência analítica e ‘sabe’ da divisão do sujeito, espera-se um pensar advindo do real.
A experiência da falta está na base, e é condição prévia do próprio “corpus” teórico da Psicanálise, de todos os princípios de sua clínica, do estatuto, de seu objeto, do lugar do analista e de sua direção ética.


*A experiência é, para Hegel (1810/1992), um movimento dialético que conduz a consciência até si mesma, explicitando-se a si mesma como objeto próprio. O conteúdo da consciência é o real. A mais imediata consciência de tal conteúdo é a experiência. A experiência é o modo como aparece o sujeito e o objeto (o Ser para Hegel). Este modo de aparecimento, enquanto processo ou constituição, é a formação da consciência. A noção de experiência não pode ser reduzida à experiência interior subjetiva, nem à experiência exterior objetiva. Trata-se de uma experiência absoluta, na qual o interior e o exterior apresentam-se imbricados um no outro.

Angela Porto

"A vida não é um sonho..."


A título de contribuição para o início de nosso estudo de Tiquê e Automaton, no Seminário 11 de Lacan, Lucia Frota nos encaminha:

Lacan, neste texto apresenta uma introdução, tres segmentos e um final.

Na introdução estabelece o que orienta a psicanálise, em contraponto com o idealismo.

O idealismo está relacionado com as idéias, importante para os cientistas, para os quais, o que interessa é o desenvolvimento das idéias e das representações, para atingir uma finalidade.
Lacan diz:
A psicanálise é orientada para aquilo que, no coração da experiência, é o núcleo do real, não é idealismo.
Este real ao qual ele se refere é um encontro marcado, a que somos chamados, com algo que nos escapa e que, na experiência psicanalítica se apresenta no que nele é inassimilável, na forma de trauma, determinando sua sequência, impondo uma origem, na aparência, acidental. Lacan traduz o real, tomando emprestado de Aristóteles os termos tiquê e automaton .
Vamos ver o que diz Aristóteles :
A casualidade (Automatón) e a sorte (Tychê) segundo Aristóteles:
«As causas do que sucede como resultado da sorte são, pois, necessariamente indeterminadas. Daí que se pense que a sorte é algo indeterminado ou imprescrutável para o homem, mas também se pode pensar que nada sucede devido à sorte. E tudo isto que se diz está justificado, já que há boas razões para isso. Porque em certo sentido há factos que provêm da sorte, pois há- os que sucedem acidentalmente, e a sorte é uma causa acidental. Mas em sentido estrito a sorte não é causa de nada.» (...)
«A casualidade (Automatón) diferencia-se da sorte (Týchê) por ser uma noção mais ampla. Porque tudo quanto se deve à sorte deve-se também à casualidade, mas nem tudo o que se deve à casualidade se deve à sorte. A sorte e o que resulta dela só pertencem aos que podem ter boa sorte e em geral ter uma atividade na vida. Por isso, a sorte limita-se necessariamente à atividade humana. Um sinal disso está na crença de que a boa sorte é o mesmo que a felicidade, ou quase o mesmo, pois a felicidade é uma certa atividade, a saber, uma atividade bem lograda. Logo o que é incapaz de tal atividade é também incapaz de fazer algo fortuito. Por isso nada que seja feito pelas coisas inanimadas, os animais e as crianças é resultado da sorte, já que não têm capacidade de escolher; para eles não há boa ou má sorte, a menos que se fale por semelhança, como quando dizia Parménides que eram afortunadas as pedras com que se faziam os altares, enquanto que as suas companheiras eram pisadas.»

Aristóteles, Física, Livro II

Ainda sobre o filme... O Angelus Novus e Walter Benjamin






"Nunca houve um documento de cultura que também não fosse um documento da barbárie" (Walter Benjamin)



O resgate da memória não se dá pela construção de uma linha contínua da militância de esquerda, mas por fragmentos que freqüentemente são tomados desconexos. Momentos violentos de choque em que o tempo se contraiu, as coisas aconteceram muito rápido, de modo incontrolável e imprevisível, lançando as pessoas envolvidas entre a utopia dos vencidos e a barbárie dos vencedores. "Utopia e Barbárie", com efeito, embute a filosofia da história de Walter Benjamin, e não a toa cita diretamente uma das célebres teses desse marxista judeu, surrealista e melancólico. Também não é coincidência a presença de Leandro Konder, acadêmico estudioso de Benjamin, dentre os entrevistados.É a sua Nona Tese, escrita pelo filósofo alemão em 1940, pouco antes de ser encurralado pelos nazistas e --- assim como a guerrilheira brasileira Iara Iavelberg em 1971 --- suicidar-se.Eis o texto, ipsis litteris também no documentário de Tendler:(notas do comentário crítico de Bruno Cava,do blog quadradosdeloucos.blogspot.com)
"Existe um quadro de Klee intitulado 'Angelus Novus'. Nele está representado um anjo, que parece estar a ponto de afastar-se de algo em que crava o seu olhar. Seus olhos estão arregalados, sua boca está aberta e suas asas estão estiradas. O anjo da história tem que parecer assim. Ele tem o seu rosto voltado para o passado. Onde uma cadeia de eventos aparece diante de nós, ele enxerga uma única catástrofe. Ele bem que gostaria de demorar-se, de despertar os mortos e juntar os destroços. Mas do paraíso sopra uma tempestade que se emaranhou em suas asas e é tão forte que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, para o qual dá as costas, enquanto o amontoado de escombros diante dele cresce até o céu. O que nós chamamos de progresso é essa tempestade."



Angela Porto

Utopia e Barbárie








Filme do cineasta Silvio Tendler se apresenta como um documentário, resumo da Historia entre a segunda guerra mundial e o momento atual.
O cineasta passeia com sua câmara captando vozes imagens, paisagens, interiores e exteriores.
As imagens traduzidas em palavras criam o tema “Utopia e Barbárie “ Tema que fere, dilacera os expectadores, frente ao real inominável, o vazio em torno do qual há algo a ser construído, bordejado.
Assim, o filme “Utopia e Barbárie” faz uma rememoração da historia onde o passado reprimido,escamoteado é recuperado.Assim como na historia dos sujeitos o que importa não são tanto os fatos, mas a inscrição simbólica num dado tempo, a historia da humanidade é feita de inscrições simbólicas, de clichês, que, na ordem da repetição, sustentam a Barbárie. Sem as diferenças não é possível destacar o caráter repetitivo. E o que faz a diferença? Será a utopia?
Deixo em aberto a questão...

Lucia Frota

Vatel, um banquete para o rei




Já que falamos em Vatel, conforme comentário de Gilda, aí vão indicações, sinopse e crítica do belíssimo filme para o ócio do fim de semana! Vamos lá!

Em 1671, o príncipe de Condé (Julian Glover) tem uma idéia para evitar um desastre financeiro na sua província, no norte da França: convidará o rei Luis XIV (Julian Sands) para passar um fim de semana em seu castelo e, se conseguir agradá-lo, pode apagar as dívidas da região. Cabe a Vatel (Gerard Depardieu), empregado do príncipe, garantir que a comida e a diversão formem um verdadeiro espetáculo. Mas, em meio aos preparativos, Vatel conhece a bela Anne de Montausier (Uma Thurman), passando a disputar com Luis XIV o amor da mesma mulher. Vatel celebra as coisas boas da vida, com destaque para as excentricidades culinárias. Apesar de falada em inglês, trata-se de uma superprodução francesa.(http://www.cinema.yahoo.com.br/)
Vatel - Um Banquete para o Rei

Celso Sabadin*
França, 1671. O Rei Luís 14 (Julian Sands) governa o país com o máximo de autoritarismo e futilidade possíveis. Uma viagem de caráter político leva o monarca – e toda a sua corte - ao Palácio do Príncipe de Condé (Julian Glover) para uma visita de interesses. Com o objetivo de causar a melhor impressão possível, Condé ordena a François Vatel (Gérard Depardieu), o responsável pelo cerimonial, que sejam preparados os mais luxuosos banquetes, festas e recepções para receber a comitiva real. O que se vê a seguir é um impressionante desfile de iguarias, danças, montagens pirotécnicas e encenações teatrais que têm como único objetivo deixar Luís 14 satisfeito e agradecido. Selecionado para abrir o Festival de Cannes do ano passado, Vatel não é apenas um banquete para o rei, mas também um banquete para os olhos de todo e qualquer cinéfilo. A direção de arte é magnífica e grandiosa: vestuário, comidas, carruagens, palácios, jardins, perucas, adereços, tudo atinge o espetacular. Um trabalho que contou com a assessoria de historiadores, pesquisadores e diversos tipos de consultores específicos. Porém, não se trata de um filme de interesse apenas visual. O roteiro de Tom Stoppard, adaptado da peça teatral de Jeanne Labrune, conta uma emocionante história de amor impossível, joga com traições palacianas, aborda temas como honra e caráter, ao mesmo tempo em que embriaga o espectador com suas belíssimas cenas. Tudo sob a direção de Roland Joffé, responsável por grandes filmes como Os Gritos do Silêncio e A Missão . E como se tudo isso não bastasse, Vatel ainda traz no elenco nomes como Gérard Depardieu, Uma Thurman e Tim Roth. Procure vê-lo num cinema de alta qualidade de som e imagem. O espetáculo merece. 11 de junho de 2001

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*Celso Sabadin é jornalista e crítico de cinema da Rede Bandeirantes de Televisão, Canal 21, Band News e Rádio CBN. Às sextas-feiras, é colunista do Cineclick. celsosabadin@cineclick.com.br

Sobre a coragem de Freud, comentário de Gilda Vaz


É... realmente, acho que não se passa por uma análise sem entregar “de bandeja” o seu a. Deixar cair suas vestimentas, soltá-lo e, isso não se faz sem suas roupagens perversamente orientadas.
Lembrei-me de uma passagem da biografia de Freud em que, diante das dificuldades em fazer a psicanálise ser reconhecida na conservadora sociedade vienense, Bleuler diz ser bastante “respeitável” nessa sociedade para ter a coragem de Freud, e criar uma teoria como a psicanálise. Freud, judeu, naquela época, já não portava as insígnias que o comprometeriam naquela empreitada.
Lacan, no seminário O Avesso da Psicanálise, fala de Vatel, que morreu de vergonha, literalmente, pois se suicidou porque iria faltar peixe no banquete de seu patrão, o conde que oferecia uma recepção ao rei Luiz XIV. Isso é que é levar a sério o poder do mestre e o lugar da satisfação!
Ter vergonha, e não morrer disso, é suportar o real!

                Gilda Vaz

"Tô", restos do trabalho, ócios do ofício


 Tô

Composição: (Tom Zé)

Tô bem de baixo prá poder subir

Tô bem de cima prá poder cair

Tô dividindo prá poder sobrar

Desperdiçando prá poder faltar

Devagarinho prá poder caber

Bem de leve prá não perdoar

Tô estudando prá saber ignorar

Eu tô aqui comendo para vomitar

Eu tô te explicando

Prá te confundir

Eu tô te confundindo

Prá te esclarecer

Tô iluminado

Prá poder cegar

Tô ficando cego

Prá poder guiar

Suavemente prá poder rasgar

Olho fechado prá te ver melhor

Com alegria prá poder chorar

Desesperado prá ter paciência

Carinhoso prá poder ferir

Lentamente prá não atrasar

Atrás da vida prá poder morrer

Eu tô me despedindo prá poder voltar



Carta de Freud a Pfister....corajosa declaração!

À véspera de nosso encontro em que um fragmento clínico será abordado, bordado, trançado e tecido em nosso Tear 4, coloco para posteriores conversas, a corajosa declaração do sujeito Freud ao pastor Pfister, em carta a ele dirigida. Freud sugere a direção do que foi posteriormente proposto por Lacan, como “desejo do analista”, operador da análise? A direção da causa?...Coragem necessária ao analista?
“Penso, pois que a análise sofre do mal hereditário... da virtude; ela é obra de um homem demasiadamente respeitável, que se supõe, portanto, preso á discrição. Ora, essas coisas psicanalíticas só são compreensíveis quando são relativamente completas e pormenorizadas, do mesmo modo que a própria análise só avança quando o paciente desce das abstrações substitutivas até os pequenos detalhes. Daí decorre que a discrição é incompatível com a boa exposição de uma análise; é preciso ser inescrupuloso, expor-se, entregar-se como pasto, trair-se, portar-se como um artista que compra tintas com o dinheiro da despesa da casa e queima seus móveis para aquecer o modelo. Sem alguns desses atos criminosos, não se pode realizar nada corretamente.”(Freud, carta de 5 de junho de 1910 ao pastor Pfister)

Angela Porto

"Gozar menos e saber mais"....um comentário


Para o texto "Gozar menos, saber mais", postado em março, por Germana Bonfioli, Lucia Montes disse...



Nos embalados de Lao-Tzu, no "Tao Te Ching":
" Trinta raios unem um eixo.
A utilidade da roda é o vazio.
Queima-se o barro para fazer o pote.
A utilidade do pote vem do vazio.
Rasgam-se janelas e portas para criar o quarto.
A utilidade do quarto vem do vazio.
Portanto,
Ter leva ao lucro,
Não ter leva ao uso."



escrita em movimento...


nas asas do não-sabido, lendo agora algumas idéias aqui trabalhadas, fisgou-me o fio de uma inquietação que ponho em urdidura:

Qual será este momento sutil em que o silêncio de tudo o que já foi dito faz com que alguém se ponha a escrever, numa tentativa de ainda vir a dizer....

Dança-trança de significantes que se relançam de um texto a outro, nas entre linhas, entre letras, entre nomes próprios.... No Tear 4 nada parece estar solto ou livre de consequências.

E a conseqüência de enlaçar o movimento de um texto no contraponto de outros, passa a ser um tempo necessário para que eu elabore melhor o fato de que ‘saber’ e ‘não saber’, ao contrário de se excluírem, são desdobramentos lógicos do real e sempre procedem advindos um do outro.

Neste ‘com-texto’ as palavras vão me reconduzindo até as sutis façanhas do silêncio que perpassa as lacunas da leitura. Palavras que saltam de um texto a outro, traçando o leito esburacado de seus enodamentos e cortes, exterioridades limites do que não tem sentido. Uma elucubração, para Lacan: geometria de sacos e cordas, que resiste. E da qual devemos fazer uma trama, algo que se resolva por fios.... um tecido. Palavras que nos guiam mas que delas nada entendemos. Palavras destacadas, por onde somos capturados e reconduzidos ao desejo, porque operam nas bordas do real, sem o peso do sentido.

escrita em movimento...

Bater de asas que é o único abrigo da ave ao ousar seu vôo....



Lúcia Montes.

Considerações sobre a palavra....e a falta dela...?

A transferência se dá no momento em que o analisando introduz o analista em seu pensamento ou em seu discurso. Neste momento o analista foi capturado no circuito pulsional do sujeito, que o coloca como o objeto possível de lhe dar satisfação (objeto de gozo), tal como já estava sido inscrito anteriormente no sujeito. Ou seja, o analisando repetirá sua gramática pulsional determinada por suas experiências precedentes, incluindo o analista como o seu alvo. Caberá ao analista perceber e precisar a forma e a posição que o analisando o está colocando, para dar a direção ao tratamento coerente com a lógica psicanalítica.
Para a palavra fazer sentido é necessário que o experimentado, o vivido pelo sujeito seja coerente com o Grande Outro.
A libido, esse movimento aquoso que permeia a reserva narcísica e o trajeto pulsional, fará esta ligação que resultará no substrato das experiências vividas pelo afeto, fora linguagem, e aquilo que do Grande Outro, do Real, afeta o sujeito. É a partir desse substrato que o sujeito será chamado para a linguagem. O que for pescado pelo significante, ou, para que algo pescado signifique, é preciso fazer sentido coerente para o sujeito, entre o pré-sentido corporalmente e o escutado. Se o que é escutado na linguagem do Grande Outro não corresponder ao pré-sentido pelo sujeito haverá um mal-estar, um vazio, “a coisa”. O pré-sentido, o escutado, o visto, o cheirado, o apalpado, o engolido, o vomitado, o defecado, o urinado formarão sensações, imagens sem correspondente significante. Na criança isto é comum porque para ela, em formação, ainda não estão a seu dispor os recursos da linguagem. Ela ainda está vivenciando “a coisa” sem a possibilidade de nomeá-la momentaneamente.
Em trabalho analítico o analista convoca que essas imagens sejam traduzidas em palavras. O pré-sentido corporalmente, substrato das imagens formadas é convocado a fazer sentido.
Ao encontrar e pronunciar a palavra, ao introduzi-la no discurso, esta vai ajustar a experiência particular do sujeito ao consenso da linguagem, do Grande Outro. O discurso vai fazer sentido. As palavras vão ganhar peso, vão ser validadas na experiência analítica. A apropriação da palavra pelo analisando terá como conseqüência imediata a responsabilização do sujeito junto com o seu desejo, porque ele perceberá o vínculo entre si próprio e o dito, é ele quem fala, e a palavra lhe pertence.
Questões:
A apropriação e validação da palavra só é convocada pela presença do analista? É possível haver esse reconhecimento da validação da palavra fora análise? Escrever um livro não é uma forma de validar as palavras, já que será reconhecido por um público? O reconhecimento pelo Grande Outro basta para dar sentido verdadeiro à palavra?
O pronunciamento da palavra não seria um substituto de gozo? Não seria uma saída para a satisfação parcial para o alvo pulsional? É aí que está a perda de gozo?
Entendendo o sintoma como um ciframento RSI, a palavra também não seria um ciframento das experiências do vivido do sujeito, ou seja, um processo de formação semelhante a um sintoma?
Qual a diferença entre recalque e trauma, quando falta a palavra? Há algum tipo de representação no trauma? Porque o que é recalcado é a representação...

Simone Caporali Ribeiro

"Há palavras na fala que vêm como cabelos na sopa"...


Para esquentar a conversa sobre o filme "Les mots pour le dire" e o livro "Palavras para dizer" de Marie Cardinal, no TEAR 4, dia 3/05/2010,às 13,30h, à Rua Fernandes Tourinho, 470, salão do 3o andar, publicamos algumas palavras para dizê-lo,da própria autora, quando comentava outro de seus muitos livros: "Autrement dit"
« Nos meus livros, penso que os leitores encontram uma mulher que vive na França hoje e que se parece no fundo com todas as mulheres. É o que eu sou. Conheço a magia do hermetismo.Eu o encontrei durante minha psicanálise e compreendo que se escolha esta via,a do hermetismo, mas eu não a escolhi, eu escolhi outra, a via da massa, aquela das pessoas. Posso lhe dizer porque fiz esta escolha, mas quero primeiro falar de um discurso secreto, talvez muito poético, totalmente satisfatório, que se pode estabelecer entre um analista e seu analisante. Há, frequentemente, pessoas que me dizem : « Mas, já que se trata de falar totalmente sozinho, não compreendo porque é preciso um médico, deve-se poder sair-se disso sem ele ».Era o que eu mesma pensava antes.Achava que sabia tudo de introspecção.A princípio, as palavras saiam como de costume. Foram precisos alguns meses de sessões para dar-me conta que eu falava como um papagaio, que eu era mais vivida que vivente, que as palavras que eu pronunciava não me pertenciam, que elas pertenciam a minha família, ao meu meio, à minha educação. A presença muda e invisível do doutor é que me fez tomar consciência disso. Porque ele estava lá, e só se manifestava por raspadas de garganta ou mudanças de posição em sua poltrona : isso bastava. Ele nunca me julgava, nunca fazia comentários, não procurava dirigir, mas sentia-o muito atento. De repente presta-se atenção àquilo que se diz e descobre-se que há palavras na fala que vêm como cabelos na sopa e outras que não passam. Dito de outra forma, a fala se torna viva, é o começo. Depois a gente ‘pega’o costume de associar, de estabelecer relaçoes entre os momentos, as lembranças, os pensamentos, que jamais se teria antes relacionado.São as palavras que servem de veículo, que conduzem até palavras-irmãs, palavras-idênticas, palavras-sinônimas, palavras-espelho, palavras-inimigas. Estas palavras se tornam palavras chave e à medida que a análise se desenvolve, permitem uma comunicação rápida e profunda entre analista e analisado.........Pois as palavras chave são de sínteses de longas e importantes passagens da análise que englobam, elas mesmas, pedaços capitais da propria vida daquele que fala... »(Marie Cardinal,comentário em Littérature, site da internet, tradução de Angela Porto)

L'insu qui sait????

Acontece frequentemente que depois de havermos laboriosamente forçado algum conhecimento no paciente, ele declarará: ‘Sempre soube disso, poderia ter-lhe dito antes’.” Freud, pág 357, Estudos sobre a Histeria

“ Jamais me cansarei de repetir que estamos destinados a aceitar tudo que o nosso processo traz à luz. Se houver algo nele que não seja autêntico nem correto, o contexto posteriormente nos dirá que o rejeitamos. Mas posso dizer de passagem que quase não tive a ocasião de repudiar mais tarde uma reminiscência que fora provisoriamente aceita. Tudo o que surgiu mostrou ser correto – apesar da aparência muito ilusória de uma contradição gritante.” Freud, idem.



Qui sait quelque chose a nous dire sur tel sujet???

Angela Porto

Buemba!!! Um link interessante!!!





http://www.psikeba.com.ar/recursos/entrevistas/JacquesLacan.htm

Façam a experiência de entrar no link acima e leiam uma entrevista de Lacan, feita por Paolo Caruso em espanhol, que apareceu com o título de "Conversações com Lévi Strauss, Foucault e Lacan, em Milão,U Murcia & C, 1969, Ed Anagrana,1969, pags 95-124 É possível salvá-la e imprimí-la, caso queiram!

Para que serve a escrita????

Um blogger é um mediador. Através dele, pretende-se que um vazio, este sim, mediador verdadeiro, possa permitir trançar e escrever, daquilo que nos trabalha, desde uma palavra, até uma interjeição, desde um desenho, até um rabisco, vindo de onde vier, chegue até onde chegar... nossa experiência. Lembrando a proposta inicial e vigente do Tear 4:

Que neste 'em sendo' lógico do tempo de 'fazer com', possamos entrever a escrita de tranças singulares através do trabalho com outros.A proposta/aposta de trançar as experiências do ofício inaugura para nós um outro modo de forjar o passo a passo de um processo em que cada um siga reconhecendo as razões de seu percurso com a psicanálise, e, mais ainda, a posta em causa de sua escolha.

E então, isso dito, para que serve a escrita? Ora, ela não serve! Ela faz borda, no máximo ela serviria, em psicanálise para escrever o que não pode ser escrito. O que não se escreve não "cessa de não se escrever”. E ela não serve, porque o seu exercício exige daquele que escreve este deslizamento da letra ao lixo. Que os participantes do Tear 4 e outros que dele queiram se servir façam uso do blog. Apostem e lancem os dados, trancem e escrevam!!!

"Às voltas com linhas,fios e nós...a flor do meu segredo"

Às voltas com linhas, fios e nós, lembrei-me de um filme de Almodóvar, A Flor do meu segredo (1995), em que uma escritora de romances açucarados de sucesso, assina com um pseudônimo e esconde ser a autora. Seu casamento está em crise e, em conseqüência, ela não consegue escrever no velho estilo e cria um livro depressivo que foi recusado pela editora. Tomada pela depressão e pela bebida, a escritora vai ao fundo do poço, como se diz. Há um momento que numa tentativa desesperada de sair desse estado, faz uma viagem para sua cidade natal e reencontra as velhas tias e vizinhas, mulheres com as quais se reúne todas as tardes e, sentadas nas cadeiras nas calçadas conversam e tecem. Assim, passam os dias falando e tecendo, até que numa manhã ela acorda, pega suas coisas e retorna, retomando o “fio de sua vida”.
Parece que estamos falando da própria experiência analítica, desse espaço-tempo-fora, que Lacan chamou de ex-sistência, em que só nos resta falar e tecer cercando o buraco que se abre em momentos privilegiados de uma análise, em que nos deparamos com o vazio de nossa própria estrutura. E o que fazer, quando nenhuma palavra serve, quando nenhuma interpretação tem efeitos, quando a cadeia em que nos sustentamos vacila e já não sustenta mais como antes? Resta-nos, quem sabe, fazer como a personagem do filme – habitar por um tempo lógico, esse campo vazio do feminino onde só se pode falar e tecer, uma fala em que a linguagem não tampona e, sim, promove efeitos, como se acompanhasse as mãos, tecendo a rede que pode conter nosso ser de falta.

Gilda Vaz Rodrigues.

A palavra na literatura é morte e resgate


Do Tear 4 surgiu uma proposta de ler o livro de Marie Cardinal “ Palavras para dizer “ 1975, catalogado como: Escritores argelinos em francês: Autobiografia romanceada.
Tal livro serviu de inspiração ao Filme "Les mots pour le dire", traduzido para o português como "Voltar a viver".
E a autora dedica o seu livro “ao doutor que me ajudou a nascer".
De qual nascimento ela fala ?
Se vida e a morte é o verso e reverso de uma mesma moeda e se o real é vida e o gozo, a morte?.... Que caminhos são oferecidos aos viventes para aceitar o desafio ?
As religiões, para os que crêem , oferecem recompensas, bônus para serem resgatados depois da morte . Mas até lá o que fazer ?
“Durante sete anos ,três vezes por semana ,caminhei por aquela ruazinha ....”
“Vi o homenzinho moreno que me estendia mão ...vi seus olhos pretos ,lisos como cabeça de prego ...”vi que ele era muito miúdo...”
“ Eu lhe obedeci quando ele me pediu para esperar ....”
“..e o homenzinho me mandou entrar para o seu consultório”...
Assim Marie Cardinal inicia suas memórias, retornando às imagens de sua infância e adolescência na Argélia através de uma escrita possível pelos recursos da psicanálise, pois, para” nascer de novo “ é preciso “fazer laços através dos buracos cavados pelas perdas ,decepções , que nos levam a mudar o rumo e o sentido das coisas .Não há enlace sem desenlace. Assim vamos tecendo o fio de nossas vidas" Gilda Vaz (blog)

Lucia Frota

Um blog de psicanálise!!?? E-feito de invenção?

"Um blog (contração do termo "Web log"), também chamado de blogue em Portugal, é um site cuja estrutura permite a atualização rápida a partir de acréscimos dos chamados artigos, ou "posts". Estes são, em geral, organizados de forma cronológica inversa, tendo como foco a temática proposta do blog, podendo ser escritos por um número variável de pessoas, de acordo com a política do blog.
Muitos blogs fornecem comentários ou notícias sobre um assunto em particular; outros funcionam mais como diários online. Um blog típico combina texto, imagens e links para outros blogs, páginas da web e mídias relacionadas a seu tema. A capacidade de leitores deixarem comentários de forma a interagir com o autor e outros leitores é uma parte importante de muitos blogs. "(Wikipédia)

Um blog de psicanálise pretenderia difundir, divulgar, propagar a psicanálise?
A difusão refere-se ao ato ou efeito de difundir, espalhar ou derramar liquefazendo, disseminar, espalhar, espargir, propagar-se, divulgar-se. Prolixidade e redundância.Divulgar, por sua vez, do latim, divulgare, é tornar público ou notório; publicar; propagar, difundir, vulgarizar. Dar acesso ao vulgo, à plebe, ao comum, ao universal.
Propagar, do latim propagare, é multiplicar, ou reproduzindo ou por geração; dilatar; proliferar; desenvolver-se por contágio.
Poder-se-ia dizer que, a regra fundamental, da associação “livre”, da escuta, e, não, a ausculta do analista, enquanto aquele que sustenta a demanda, introduz a possibilidade de a análise, enquanto deslizamento significante, tornar-se passível de ser propagada, difundida, isto é, multiplicada, reproduzida por geração, dilatada, desenvolvendo-se por contágio, proximidade. Também se poderia vulgarizá-la, criar demandas com ofertas a granel e no atacado, na mídia, e ao modo “quick” de nosso tempo, em todo canto e lugar. Basta acreditar na simples regra analítica como motor da transferência, basta acreditar no amor e na demanda que nunca há de cessar, já que o sujeito nunca fez outra coisa além de demandar! Aliás, só se constituiu e só pôde viver por isso!
Um blog de psicanálise pretenderia isso???
Um blog de psicanálise pretenderia transmitir um trabalho? Como e quando a psicanálise se transmite? O que dela se escreve?
O analista ex-siste ao saber do Outro, mas, mais ainda, ex-siste ao próprio saber, e é isso o que o distingue dos demais.
Arriscam-se os psicanalistas, ao se reunirem,de se colocarem, alegoricamente, como os detentores de um saber com o qual não podem dialogar, para compartir um saber que não conseguem intercambiar?
Estar juntos para trocar um saber que não se pode trocar é paradoxal. Um saber rebelde à dialética da interlocução, só pode ser um saber não inscrito no Outro, como é o caso do analista que só o é em sua prática, em ato, quando não pensa.
E é este saber em ato, que não pensa, que aglutina os analistas, mas não é suficiente para identificá-los. É talvez também o mesmo que os atormenta, o que os faz trabalhar, e, até mesmo, adoecer. A esta doença profissional Lacan chamou “Suficiência”. Pois, o terem que ser suficientes para o ato sem o concurso do Outro, pode tornar os analistas suficientes no sentido do desconhecimento. E o grupo, como o desconhecimento necessita do Outro, se oferece para encobrir e tamponar o insustentável da posição do analista.
O analista só pode ser interrogado a partir de seus atos e dos efeitos produzidos, cuja resposta só tem valor a partir de um pretérito, um “terei sido” ou “teria sido”. Ele é então, testemunho dos atos.É a ele,então, que cabe dar conta do que o fez testemunha, naquele tempo ou ato. Como?
Através de seus textos, suas falas, seus tropeços, e é claro, através de sua prática e dos efeitos que se lhe ocorrem, quando questões se lhe impõem, advindas da clínica, no sentido deste “terei sido?”.
E esta questão só pode se apresentar, no seu sentido radical, só poderá ser formulável, para aquele que experimentou as condições lógicas de uma análise: des-ser para o analista e des-subjetivação para o analisante.

Então, um blog de psicanálise poderia se apresentar como um lugar de publicação, pub-lixação daquilo que, de resto, resta aos analistas, um a um, fazer com o que tenham a-fazer de sua falta, ao seu estilo?

Escrever, ratear, tear talvez...



Angela Porto

Postado

....barbantinhos no ‘imbornal’ ...


Que oportuna a presença do “corte” que a Gilda imprime com seu comentário, pra gente repassar aqui nossa conversa da 2ª feira(22/03), a propósito do entrelaçamento dos conceitos de inconsciente, desejo(do analista) e transferência.
Voltei lá no Seminário do Ato e trouxe esses barbantinhos no ‘imbornal’.... é mais ou menos assim: uma vez que o Ato define por seu corte a passagem onde se instaura, onde se institui o psicanalista, fica muito claro que temos que repassar pelo modo de verificação que constitui para nós uma interrogação lógica.
A questão que se atualiza aqui, quando se refere ao psicanalista e para irmos aí com prudência, é a de que quando o termo ‘psicanalista’ é colocado em posição de qualificação, quem, o quê pode ser dito.... predicado: psicanalista? (07/02/68)
Se o ato psicanalítico constitui em suportar a transferência é porque não dizemos quem suporta ou quem faz o ato. A transferência, se nós não a restituirmos a seu verdadeiro nó , na função do sujeito suposto saber, ela se redobrará em baboseiras e não passará de uma “pura e simples obscenidade”.
_ mais um passo pra nossa leitura da lição sobre a “Presença do analista”(Sem. 11).



Lúcia Montes

É isso aí... (Comentário de Gilda Vaz Rodrigues ao texto "De novo, momento de ver...")

É isso aí, amiga, a psicanálise, a teoria, a clínica, a vida, como você bem disse. Se o Real é a vida, como assinala Lacan no RSI, sem deixar de incluir aí o Simbólico e o Imaginário, para gozar a vida estamos mesmo condenadas a fazer laços através dos buracos cavados pelas perdas, decepções, que nos levam a mudar o rumo e o sentido das coisas. Não há enlace sem desenlace. Assim, vamos tecendo o fio de nossas vidas. A psicanálise nos deu recursos para isso. Nós sabemos quanto trabalho é preciso. Enfim, se o trabalho do analista pode ser comparado ao do cirurgião, na medida que opera com cortes e suturas, o nome Tear 4, parece-me muito feliz por trazer o duplo sentido de tecer e serrar.

Gilda Vaz Rodrigues

A escrita "desaba por dentro"


A minha adesão ao "Tear 4 "em sua linha de estudo, reflexão e escrita em psicanálise resultou do desejo de dar continuidade a um processo em gestação iniciado no ano de 2009 . Textos, propostas estão sendo tecidas à partir de dispositivos pessoais (análise ,clínica, estudos anteriores, experência de vida ).Tudo isso colocado num tear para se fazer uma tecitura .Tecitura feita num coletivo à partir da escrita de cada um.

E como a escrita "desaba por dentro", aguardo.....

bjos,

Lucia Cunha Frota

Gozar menos, saber mais

O primeiro encontro do Tear 4 chamou-me atenção no testemunho das participantes a relação de cada uma com o saber. Os entraves e as aberturas que vão em cada caso ora fechando, ora abrindo caminho para a trilha de um percurso, para a amarração de uma trança. O embalo da nossa conversa me levou ao Seminário 20 de Lacan para ali pescar algo que ele diz a respeito do gozo.
Neste seminário, Lacan vai iniciar a abordagem do gozo relacionando-o a noção do direito de usufruto. Termo este que, nessa ciência,quer dizer que se pode gozar de um bem, porém, não muito. O usufruto vem regular a tentação de se gozar demais, estabelecendo limites a isso. No direito está previsto também que o sujeito “pode gozar” e não um “tem que gozar”. Não se trata de algo da ordem do dever e sim do direito. Ao contrario, para a psicanálise,o gozo é aquilo que esta submetido a um imperativo superegóico: Goza! Escapando a regulagem utilitária que lhe pretende o direito, goza pra lá do que é útil! Goza em excesso! Mais, ainda! Comanda o superego!
Mas, não é o gozo que faz barreira ao saber? Como se assujeitar ao comando superegóico do gozo em demasia e ir adiante na construção de um saber? Impossível. E é isso que, me parece, vêm mostrar os participantes, no seu testemunho do desejo de saber. Deixar o desejo barrar o gozo, pra sair sabendo um pouquinho mais.
Germana Pimenta Bonfioli

Quando contar passa à arte de bem-tecer! (2)



A trança está no princípio do nó borromeano. Com efeito, por pouco que vocês cruzem convenientemente esses três fios, os reencontram em ordem na sexta manobra, e é isto o que constitui o nó borromeano. Se assim procederem doze vezes, têm outro nó que, curiosamente, não é visualizado de imediato, mas tem o caracter borromeano.”[ J.Lacan, Sem.24 – 18/01/1977 ]

“A excomunhão” é a primeira lição do Seminário de Jacques Lacan, “Os 4 conceitos fundamentais da psicanálise”(1964), que acontece na Escola Normal Superior, de Paris. Este ensino é retomado após a suspensão pela IPA, em outubro de 1963, dos trabalhos de Lacan na Sociedade Francesa de Psicanálise.

O corte na nomeação de didata, da IPA, faz buraco ali onde estaria o próximo tema do ensino de Lacan, sobre “Os nomes do pai”. Desta fenda que se reabre, ele toma a palavra em outro endereço, endereçando-se a um outro público e singularmente fala do lugar de uma nova posição subjetiva. A partir disso, a exigência de trabalho que envolve a psicanálise e sua sustentação na cultura passa a ter um outro estilo.
A ‘Excomunhão’ naquele momento do sujeito, relança-o ao salto de uma rigorosa revisão da psicanálise e da formulação dos seus conceitos, numa quase extenuante implicação dos analistas pela transferência de trabalho ao texto de Freud. Ou seja, fica proposto que para se fazer a psicanálise enquanto práxis, é preciso que uma fatia do desejo de cada analista esteja contida na elaboração dos conceitos, com os quais circunscrevemos o real da experiência clínica.
Dando ênfase a uma das perguntas desta lição: Qual é o desejo do analista? Lacan a destaca como o melhor lugar de onde se questionar sobre o estatuto da psicanálise enquanto práxis, “em todos os sentidos que este termo deve implicar de ‘uma experiência’.”
“O que será do desejo do analista para que ele opere de maneira correta?”, na direção desta pergunta define-se outra leitura, a de que o problema da formação em psicanálise, em cada caso, é a razão principal de não se deixar esta questão fundamental fora da ordem do dia, ou da vida cotidiana da psicanálise.
Surpreendentemente, tal como entendo que somente a surpresa 'resplantece' fulgores do discurso analítico, verifiquei que durante o tempo em que se realizavam as atuações burocráticas deste processo de reconhecimento e filiação por parte dos comitês organizados da IPA, o ensino de Lacan perfazia recortes na abordagem da Angústia(1962-63), ali onde se trançavam os fios de sua experiência, entre os espaços vazios do real da castração e a voz-letra, de um luto, em trabalho de vir a ser causa.
“...e assim como Freud, não posso dar conta “daquilo que ensino” a não ser acompanhando seus efeitos no discurso analítico: efeitos de sua matematização, que não vem de uma máquina, mas que revela algo de um ‘treco’, uma vez que ele a produziu.” [Lacan – “O aturdito”, Outros Escritos.]
O efeito de surpresa com a elaboração que Lacan trazia a luz naquele momento, com o Seminário da Angustia, deve-se à precisão com que se pontuava a teorização da clínica, vinda de sua experiência na aposta da lógica do inconsciente como pulsação temporal do trabalho de transferência, sustentando a diferença na duração das sessões de análise, e a articulação coerente dessa posição com a tão questionada abertura de seus seminários a seus analisandos, instituindo ali a transferência de trabalho na psicanálise.
É interessante pensar que o tratamento que Lacan dedicava ao luto perfazia uma trajetória que levava ao coração da relação entre Ideal e objeto a. E nesta perspectiva não há diferença de processo tanto no individual quanto no coletivo. Sua duração e suas dificuldades estão ligadas à função metafórica dos traços conferidos ao objeto do amor, na medida em que estes traços são privilégios narcísicos.
É de nossa responsabilidade não deixar esquecido que a problematização que se coloca em relação ao objeto a, é bem diferente daquela do acesso a algum Ideal, onde um objeto substituto pode vir preencher o campo do ser, circundado pelo amor.
Em relação ao objeto no campo do desejo, não há maior ou menor preço ou valor que um outro. Parece-me ser este um apontamento do luto, em torno do qual irá se ordenar o desejo do analista.
Aí está indicada uma trajetória para recomeçar estudos e conversas. Estamos questionados e somos levados a não mais recuar da questão que recai sobre o luto pelo objeto a, voltas processadas e em elaboração na análise daquele que se autorizará analista .
“o mais difícil não é um ser bom e proceder honesto; dificultoso, mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra.”.... “Ações? O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai rompendo rumo”....”Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazer balancê, de se remexerem dos lugares.... E estou contando não é uma vida de sertanejo, mas a matéria vertente...”. [Guimarães Rosa – “Grande Sertão, veredas”]

Com esta provocação do ‘fazer com’, postada no Tear 4, relanço-me ao trabalho, por via desta volta ímpar dada pela experiência de que, com a psicanálise, não basta ter bom ouvido, é preciso ainda que se escreva a trajetória da causa do desejo.

Lúcia Montes

A surpresa resplantece fulgores do discurso analítico”!

Lucia Montes nos refresca a memória do esquecimento, aquela que nos permite trabalhar, esquecidos de um saber advindo, e só dele, de um luto feito e ‘em sendo feito’ e, ainda a fazer, sempre, de uma constante ‘excomunhão’que caracteriza a atopia do lugar do analista. Por que nos surpreendemos tanto e sempre? O que há de ser do desejo do analista “para que ele opere corretamente”? (Lacan, sem 11) Por que é que “surpreendentemente”se é só da surpresa que o discurso analítico pode se instaurar, num fulgor???

Que Lucia nos transmita, por extenso, seu trabalho sobre o tema, do “Contar à arte de bem tecer”!

Angela Porto

Quando contar passa à arte de bem-tecer

“A trança está no princípio do nó borromeano. Com efeito, por pouco que vocês cruzem convenientemente esses três fios, os reencontram em ordem na sexta manobra, e é isto o que constitui o nó borromeano. Se assim procederem doze vezes, têm outro nó que, curiosamente, não é visualizado de imediato, mas tem o caracter borromeano.”
[ J.Lacan, Sem.24 – 18/01/1977 ]
Retomando seu ensino na Escola Normal Superior de Paris,após a suspensão, em outubro de 1963, feita pela IPA, dos seus trabalhos na Sociedade Francesa de Psicanálise, Lacan intitula de “A excomunhão” a primeira lição daquele que seria seu 11º Seminário, em janeiro de 1964.
Uma das perguntas desta lição: Qual é o desejo do analista? Lacan o propõe como o melhor lugar de onde se questionar sobre o estatuto da psicanálise enquanto práxis, “em todos os sentidos que este termo deve implicar de ‘uma experiência’
"O que será do desejo do analista para que ele opere de maneira correta?”
Na direção desta pergunta define-se outra leitura: a de que o problema da formação em psicanálise, em cada caso, é a razão principal de não se deixar esta questão fundamental fora da ordem do dia, ou da vida cotidiana da psicanálise.
A interdição da IPA ao nome de Lacan na lista de seus analistas didatas, faz buraco ali onde estaria o próximo tema de seu ensino, que seria sobre “Os nomes do pai”.
Desta fenda que se reabre, Lacan toma a palavra em outro endereço, endereçando-se a um outro público e, singularmente, fala do lugar de uma nova posição subjetiva. A partir disso, a exigência de trabalho que envolve a psicanálise e sua sustentação na cultura passa a ter um outro estilo.

“...e assim como Freud, não posso dar conta “daquilo que ensino” a não ser acompanhando seus efeitos no discurso analítico: efeitos de sua matematização, que não vem de uma máquina, mas que revela algo de um ‘treco’, uma vez que ele a produziu.” [Lacan – “O aturdito”, Escritos.]

A ‘Excomunhão’ naquele momento do sujeito, relança-o ao salto de uma rigorosa revisão da psicanálise e da formulação dos seus conceitos, numa quase extenuante implicação dos analistas, pela transferência de trabalho ao texto de Freud. Ou seja, fica proposto que para se fazer a psicanálise enquanto práxis, é preciso que uma fatia do desejo de cada analista esteja contida na elaboração dos conceitos, com os quais circunscrevemos o real da experiência clínica.
Surpreendentemente, tal como entendo que somente a surpresa 'resplantece' fulgores do discurso analítico, verifiquei que durante o tempo em que se realizavam as atuações burocráticas deste processo de reconhecimento e filiação por parte dos comitês organizados da IPA, o ensino de Lacan perfazia recortes na abordagem da Angústia(1962-63), ali onde se trançavam os fios de sua experiência, entre os espaços ainda vazios do real da castração e a letra-voz de um luto em trabalho de vir a ser causa.
“o mais difícil não é um ser bom e proceder honesto; dificultoso, mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra.”....Ações? O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai rompendo rumo”....”Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazer balancê, de se remexerem dos lugares.... E estou contando não é uma vida de sertanejo, mas a matéria vertente...”. [Guimarães Rosa – “Grande Sertão, veredas”]
Com esta provocação do ‘fazer com’, postada no Tear 4, relanço-me ao trabalho, por via desta volta ímpar dada pela experiência de que, com a psicanálise, não basta ter bom ouvido, é preciso ainda que se escreva a trajetória da causa do desejo.



Lúcia Montes

De novo, momento de ver...


“O inconsciente se manifesta sempre como o que vacila num corte do sujeito – donde ressurge um achado que Freud assimila ao desejo”

Lacan,Sem 11,pag 32

A palavra “excomunhão” me tirou num contra-pé, de um dado lugar. Lugar dado, dado lugar. Dado...disse a vcs. “Os dados estão lançados”ao me referir aos dados do grupo que se formou para o trabalho do Tear 4, feitas as apostas de cada um.
No que diz respeito ao inconsciente, Freud reduz tudo o que chega ao alcance de sua escuta à funçao de puros significantes. É em função desta redução que pode aparecer, um momento de julgar e de concluir. Isso é o que se poderia chamar um testemunho ético.
“Ex/comunhão”.
Recém saída de um dado lugar, lugar dado de trabalho e dado lugar de trabalho me disponho a trabalhar de novo e repetidamente. E aqui é preciso me situar. Da rememoração à repetiçao, não há mais orientação temporal, nem reversibilidade. Não são comutativas, Lacan lembra, não é a mesma coisa começar pela rememoração para lidar com as resistências da repetição, ou começar pela repetição para ter um começo de rememoração. A função tempo é aqui de ordem lógica.
Um recorte feito no texto de Lacan, após ter ouvido e me dado conta da excomunhão me recoloca na experiência.

..."é pela repetição, como repetição da decepção, que Freud coordena a experiência, enquanto que decepcionante, com um real que será daí por diante, no campo da ciência, situado como aquilo que o sujeito está condenado a ter em falta, mas que essa falta mesmo revela.” Sem 11, pag 42

Para mim a experiência pontual e lógica do trabalho em psicanálise, teoria, clínica e vida, campo a que estou condenada a ter “em falta”, sempre “em falta”, me move, neste momento,Tear 4 afora, em diante.

Angela Porto

Repetir...repetir...até fazer diferente!

No capítulo X, do seminário XI-Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, intitulado Presença do analista ,Lacan diz sobre a transferência:"Que maneira melhor de se garantir,do que persuadir o outro da verdade do que lhe adiantamos...Ao persuadir o outro de que tem o que nos pode completar, nós nos garantimos de poder continuar a desconhecer precisamente aquilo que nos falta."

Diz assim da relação entre tapeação e amor.
Fico me perguntando se a 'transferência ao texto', este amor ao 'saber não sabido', não pode funcionar como garantia do desconhecimento do que nos falta, como algo que serve para tamponar mais do que desvelar. Ou melhor dizendo, como fazer desta trança algo que seja um mais além de um gozo..!? Sim, é claro que o texto não responde! E é aí que ele nos lança na busca, nos põe a trabalho.
Quando não se pode fugir deste saber sobre o inconsciente ( ah! se pudesse não hesitaria ...e não teria êxito!) na sua dimensão subjetiva e teórica ,só resta nos colocar a trabalho, tecer, fiar, tramar, contornar buracos com fios de palavras, com fios de aranha. Na teia, ora se é mosca ora aranha...alienação e separação.
Também no samba há um passo chamado trança - gesto de pernas e quadril riscando o chão e o espaço....ritmo, repetição, criação. Como diz o poeta Manoel de Barros, "repetir...repetir... até fazer diferente."

Marcia Sartorelo Carneiro

A função causa: hiância


“A causa não é racionalizada.”

“Só existe causa para o que manca.”
“O ics se mostra pelas mancadas.”

A função causa é esburacar a rede de significantes, ou a rede de significantes é esburacada pela função causa?
Quando o sujeito informulado chega ao mundo, se sobrepõe a ele a rede de significantes pré-existente. O lançamento sonoro do sujeito é capturado pela rede e pelo o afeto de quem é o porta voz da cultura, e o significa.
Então o ponto inaugural provém do campo do outro e se faz no ato desse encontro.
A possibilidade do sujeito fica então aprisionada na rede de significantes (alienação), que só se mostra verdadeiramente nas mancadas do ics.
É esse sujeito do ics que deve advir trazendo uma tentativa de significação de sua particularidade. E a aposta é de que se faça trabalho para se criar sentido para o sujeito ali (separação).
Então o que causa é algo que ainda não entrou na rede de significantes...
O que causa tem uma estruturação própria como uma linguagem com conexões cifradas, absolutamente particulares, e que devem ser decodificadas pelo sujeito na rede.
Acho que esta é a proposta do Tear 4: texto, experiência, interjeição, ócio.
A psicanálise me causa, quero mais. O que? Significações, sentido.
Pode estar no prazer do estudo, na convivência, nas trocas da experiência, e mesmo no ócio do cafezinho...

Simone Caporali