segunda-feira, 20 de junho de 2011

Como uma volta de parafuso...


O nascimento dos desejos -Dali
O ponto de fechamento não é o ponto/barra de nossas linguagens de computador, é um passo de fechamento, como uma volta de parafuso, uma brecha sem remédio, cujas veias só me resta seguir, sem angústia. Uma passagem do ponto do ordinal, para o transfinito cardinal. Que me pode acontecer hoje se o desejo é indestrutível, caso Freud esteja certo? Acho que só surpresas, boas ou ruins. Recebo-as com uma fria benevolência. A vida se tornou um pouco mais amiga.” Patrick Valas em “Passes. O sabre e o pincel” in “Trabalhando com Lacan”,2009,Jorge Zahar,R.J.,pag 133

Começar uma psicanálise é um ato. O ato está sempre referido a um começo. E isso implica, para aquele que a inicia, ‘demitir-se do ato’, pois a estrutura que o garante, advém daquilo que não é o sujeito. Um initium, que antecede o sujeito, mas que o inaugura e anuncia. O fim da psicanálise supõe  certa realização da operação verdade, um percurso do sujeito instalado em seu falso-ser  até um ‘eu não sou’ que se encontra nesse objeto ‘a’.  Percurso feito e refeito colocado e recolocado, do lado do psicanalista, em ato. Recolocar em ato o inconsciente, cem vezes se for preciso, recolocar-se o trabalho, pois, chegado ao fim uma vez, começar a ser psicanalista, é então e aí que se pode deduzir a relação que isso tem com o começo de todas as vezes.
Angela Porto

segunda-feira, 13 de junho de 2011

"Cem vezes sobre o tear, repõe teu trabalho!"

Enigma do desejo, Salvador Dali

Cem vezes sobre o tear, repõe teu trabalho”, nos lembra  Boileau (1674), num célebre adágio que nos permite comparar o trabalho do escritor e o do tecelão. Em toda tecelagem temos dois elementos: os fios que correm, que vão fabricar o desenho e a trama. Na análise, também se trata dessa tecelagem.” (Marie –Christinne Laznik, in “Trabalhando com Lacan”, Zahar,pag 57)

Um trabalho de análise implica na tessitura de um fio associativo, que não é aleatório, pois, é do efeito à causa que se trama. A trama é o que sustenta o movimento do fio, decide seus espaços, reverte sua direção, solta seus pontos ou os enlaça em momentos de amarração e nós. Em outros é preciso esperar, e enquanto se espera, chulear, que é dar ponto de costura ligeiro na borda de um tecido, para que não desfie. Fazer borda ao trabalho já feito até ali, costurar, segurar o que consiste na trama, que é de estrutura, por onde corre o fio. Às vezes, são precisos pontos de ‘capitoné’, que têm mesmo de ser precisos, pontos de basta, de sustentação, que organizam o tecido e reabrem o movimento do fio, arremates necessários, mas provisórios, cortes.
Trabalhar com a angústia, como lembra Lacan, é trabalhar sem rede, como um acrobata. Mas é preciso fio, é preciso corda, o que dá a consistência é a corda, dar corda ao significante, ‘sabendo’ que há o vazio que trama o trabalho, "pois em se tratando de angústia, cada malha não tem sentido, senão deixando o vazio onde há angústia".
É aí que conta a ‘presença do analista’, na borda do vazio dessa trama.
 A voz, a respiração, um som arrancado da palavra, no cavo da entonação, do suspiro sem melodia, nota destoante da música habitual, marcando aquilo que espreita, mas é esperado, do real.
 Resto sem essência.
 Hora do sujeito se haver com uma “conta inevitável”.
Por isso,
 “Cem vezes sobre o tear, repõe teu trabalho”

terça-feira, 7 de junho de 2011

Escrever que não se pode escrever também é escrever


O abandono que a palavra às vezes cava na voz de quem a pronuncia,
pode levar o sujeito a uma conta inevitável e é aí que
algumas perguntas passam a nos interessar
na medida exata de sua falta de sentido.
Essa é a hora do sujeito: de repente.
Sem sentido, pego com as letras na mão.  
Abandonado do sentido de suas palavras o sujeito é levado a contar, ou
melhor ainda :  esta mesma falta de sentido ensina-o a contar... e contar perdas.
Parece que foi assim com Freud, e foi ele próprio que assim o testemunhou:
ali onde o lemos, às vezes somos levados a supor um saber apenas, sem ninguém por lá.
Textos, artigos, interlocutores imaginários,
páginas sisudas, coisa  fora de época.... mas, pela insistência de sua letra, atual...
Conta perdas... as pedras de seu desejo
em Pompéia... nos passos de Gradiva.
Tantas tentativas de bordejar o que é do pai: Acrópole... Pompéia,
lambidas vulcânicas que não deixa esquecido o tempo do Verbo:
Passa!
Passa-se por isso
até a próxima margem anterior que é o Ato.
Mas para esta experiência o saber será ainda outro? Suposto? Melhor?
Vemos que Freud o escreveu em um dos nomes da solidão:
Spaltung, dissolução do sentido, separar, perder pátrias, escrever...
até que nos desprendimentos da palavra
faça-se clara a letra:
escoamento até o reino do não sabido...
Até lá,
Como não se enganar de objeto?

Lúcia Montes

domingo, 5 de junho de 2011

Onde está o objeto?... À frente?... Atrás?... Fora?... Dentro?



Há um mal-entendido a que o pensamento nos sujeita quando pensamos em objeto do desejo...
Somos cativos, quando pensamos, pois não há nenhum pensamento que não esteja voltado para alguma coisa...
 Mas em se tratando do objeto de desejo,em psicanálise, não é deste modo que podemos concebê-lo.
 Será que o objeto do desejo está à frente?(Lacan, sem X)
Para fixar nossa meta, direi que o objeto ‘a’ não deve ser situado em coisa alguma que seja análoga à intencionalidade de uma noese. Na intencionalidade do desejo, que deve ser distinguida dele, esse objeto deve ser concebido como a causa do desejo. Para retomar minha metáfora de há pouco, o objeto está atrás do desejo. (Lacan, idem)
 Freud aponta a distinção entre Ziel, alvo da pulsão e Objekt, seu objeto, e, diferentemente do que podemos ‘pensar’- que estariam ambos no mesmo lugar, emprega termos muito fortes para falar do objeto, em sua função essencial.
... Eingeschoben, invaginado, inserido- o objeto desliza para dentro, passa para algum lugar.
Depois, há uma indicação precisa de que o objeto deve se situar ausseres, no exterior e, por outro lado, que a satisfação da tendência só consegue realizar-se inneres, no interior do corpo, onde ela encontra sua satisfação. Complexa topologia...
...é a esse exterior, lugar do objeto, anterior a qualquer interiorização que pertence a ideia de causa (Lacan,idem)
Afinal, onde está o objeto?
Das passagens lidas do Seminário da Angústia e as observações de Lacan, fui conduzida a uma outra passagem hilária de que fui uma ouvinte quase desavisada...
À conhecida frase popular de que “por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher” ouvida de alguns bajuladores, a esposa de um político respondeu, com presteza:
"-Se está à frente, se está atrás, se está do lado, onde é que a mulher está , não faço a menor ideia! Mas que há uma mulher, há!
 Só sei que, se está atrás é para empurrar, se está à frente é pra puxar, se está do lado é pra acompanhar. Mas que há uma mulher, há!"
Mas isso já é outra conversa...para outras leituras.
O objeto, a causa, a mulher.
Angela Porto