sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O RONCO DA ESCRITA




A escrita não é este objeto espe/ta/cular através do qual se prospectam vidas ou personagens, seres, idéias ou amores fantasmasiados por seu escritautor.
A escrita é antes.
A escrita extrai a ilusão do texto m/eu.  
Ela não pertence.
Salta do rasgo do impronunciável,
 acontece no esteio do indecidível.
É anterior ao desabamento da frase, ou à erosão de qualquer palavra que se queira compreensível.
A escrita corta pontualmente os 2 lados de sua leitura e reata, mais além, as 3 margens de seu leito.
A escrita se apõe entre texto, letra e voz,
 para aí fazer o 4 em movimento, sobre o quase eterno momento do silêncio,
 manco,
 rasurado do que ali pareceria perecer-se.
A escrita amarra o perdido do tempo e, da vida, arrasta os instantes vazios de histórias, para além do pórtico marcado da origem.
Tal qual “O Ronco da Cuíca”, versado por João Bosco,
“roncou de raiva a cuíca, roncou de fome...”,
Assim como a raiva e a fome,
a escrita  é  “coisa dos homens”.

Lúcia Montes.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Propriedade intelectual em tempos de internet e o conceito de ‘autor’ em psicanálise, ou "Quem roubou meu pão de queijo?"






Trabalhando com Lacan, no Seminário XVI, “De um Outro ao outro”, deparo-me com a frase dele:

“Não existe  propriedade intelectual, por exemplo, o que não quer dizer que não haja roubo”.

Fica  já, de cara, claro, que não se trata do questionamento do direito, nem de seus princípios, quando Lacan diz: “o que não quer dizer que não haja roubo”.
Trata-se de situar o que chamamos de ‘ propriedade intelectual’, quando nos referimos ao discurso analítico, e a “impropriedade” do sujeito, que,  para se fazer representar, precisa, e só assim, fazer sintoma.
 Então de modo inteiramente novo, reproduzo esta postagem cujo link incluo ao final, para que possam, caso queiram, retomar da ‘origem’ , sua questão e até, finalmente, a receita que deu origem à conversa.


"Que importa quem fala?

... Nessa indiferença se afirma o princípio ético, talvez o mais fundamental, da escrita contemporânea. O apagamento do autor tornou-se desde então, para a crítica, um tema cotidiano. Mas o essencial não é constatar uma vez mais seu desaparecimento; é preciso descobrir, como lugar vazio - ao mesmo tempo indiferente e obrigatório - o lugar em que sua função é exercida.(Michel Foucault)

...Postei uma receita de pão de queijo que a mim fora endereçada, a pedidos, por Maria Tereza, minha prima.
Postei-a como “Pão de Queijo do Queens”, referindo-me a uma deliciosa tarde e noite no Queens, com amigos queridos, farra e prosa.
 Reinventei o nome, troquei ingredientes.
A receita, de antiga, usava “banha” e “claybon” único título à época da margarina, que era vendido em dois pequenos tabletes de 100grs.
De repente, incomodou-me o não ter citado a origem da receita.
 Origem? De quem Maria Tereza a terá recebido ?
Veio-me a questão tão atual do “conceito de autor”, em tempos de internet. Propriedade intelectual? Enveredei-me por longas elucubrações que me levaram a distantes e cada vez mais próximas constatações...
A escrita se desenrola como um jogo que vai infalivelmente além de suas regras, e passa assim para fora.
Na escrita, não se trata da manifestação ou da exaltação do gesto de escrever; não se trata da amarração de um sujeito em uma linguagem.
 Trata-se da abertura de um espaço onde o sujeito que escreve não para de desaparecer.
Desaparecido o autor, a receita do delicioso pão de queijo, aposto, permanecerá rolando on-line e, se executada, deliciando bocas e almas, em tardes e noites entre amigos, seja lá onde for!.. (http://amotorresmo.blogspot.com.br/2010/08/pao-de-queijo-do-queens-ao-rodrigo.html  )


Que importa quem fala, disse alguém, que importa quem fala! Samuel Beckett


Read more: http://amotorresmo.blogspot.com/2010/08/que-importa-quem-fala-disse-alguem-que.html#ixzz1y97zaQ4S

domingo, 3 de junho de 2012

Psicanálise, ciência do 'óbvio' ?


No seminário do Ato, lição de 13 de março de 1968, diz Lacan:
 “A psicanálise, ela se pratica com um psicanalista”.
 Adoro as supostas obviedades de Lacan.
 São  supostas, as obviedades da psicanálise, do discurso, da vida.
 Aquilo que não exigiria esclarecimento, por parecer claro, por estar diante dos olhos.
Tal afirmativa de Lacan pode sugerir a colocação  do  psicanalista num lugar cheio de atributos especiais, dos quais é preciso fazer avaliação, verificar  ‘curricula vitae’, como o bom latim exigiria, e,  no seu plural, conferir afiliações psicanalíticas?
Pelo contrário, com um psicanalista não enfatiza o psicanalista, mas o com.
Com aponta para a  instrumentalidade do  lugar, da função, sem o que, uma psicanálise não seria factível.
 E  a  factibilidade de uma psicanálise só se pode pensar,  na sua essência, de uma posição “impensável”, qual seja a de um “tendo sido psicanalisando”, da qual só resulta  “um sujeito  prevenido de que não poderia se pensar como constituinte de toda ação sua”.
Pois se a sua essência é assumir o lugar onde se situa o objeto ‘a’ nesta operação, qual é o estatuto de um  sujeito que  se coloca nesta posição?
Em psicanálise não há ‘óbvio’.
O óbvio é evidente, claro, indiscutível, cercado de certeza, declarado, inteiro.
Lacan diz que há uma “coalescência da estrutura com o sujeito suposto saber, é isso que atesta no neurótico o fato de ele  interrogar a verdade de sua estrutura e de se tornar, ele mesmo, em carne e osso, essa interrogação. Em suma, ele mesmo é sintoma.”(Sem XVI, pagina 374)
 O óbvio, o analista deve  tomá-lo como um “eu  não vejo”  que exige  trabalho de corte, de ‘tranchement’(fatiamento, trinchamento).
 Entretanto o analista não é um mestre em  seus cortes, nem  no manejo de  suas facas.
 Ele é “tranchements”, fatia incluída no corte.
Talvez, haja, como  diz  Nelson Rodrigues,  “óbvios ululantes”. 
Óbvios que ululam.
Esses, talvez, já incluam, na coalescência com a estrutura, um grito, um brado, a vociferação de um  sofrimento que se quer dizer, uma pergunta que se pode fazer trabalho, com um  psicanalista.
                                                                                       Ângela Porto

sábado, 7 de abril de 2012

A VERDADE, A MULHER, A VIDA...a psicanálise




“Estranho privilégio” ... “ A coisa tem conseqüências,...
A hipótese que levanto consiste nisso: que esse privilégio da função de quantificação diz respeito ao que é a essência do todo e a sua relação com a presença do objeto pequeno ‘a’.”  
Existe algo que opera para que todo o sujeito se acredite todo, para que o sujeito se acredite todo sujeito, e por aí mesmo sujeito de todo, por esse fato mesmo com direito a falar de todo.”(Seminário do Ato Psicanalítico)
Nesta expressão implacável sobre o modo como o sujeito, por estrutura, pode ser levado a discursar sobre ‘si mesmo’, Lacan manterá uma resistência também implacável com um estudo aprofundado nas fontes claras da matemática e da lógica. Encontra aí a expressão de um ‘estranho privilégio’ quantificador, calculável,... mas a seu modo: impossível, indemonstrável,... até os termos dos próximos estudos que incidirão sobre o incompleto e o inconsistente.
O ‘indecidível’, surpresa desta atual leitura do Seminário do Ato, já nos orienta pelo caminho do ‘real’ a ser buscado e reinventado pela atualização de cada analista em sua clínica.
O real ‘sem saber’. A psicanálise não é sem o real. Do analista depende este real que de viés, avessa a verdade do ‘todo’ dito.
Está reinventada a laboração de um tratamento da impostura do todo dizer.

a verdade, a mulher, a vida....a psicanálise

Desde Freud, podemos nos valer de alguma literatura. Busco, lá de Portugal, em Lídia Jorge, em  “A manta do soldado” ed. Record, a singular escrita para uma nova outra conseqüência em causa:
Em quarenta e sete as comunicações eram demoradas, os meses, longos, as tardes não tinham fim, as viagens, lentas, davam para pensar e voltar a pensar, criar figuras entre ir e vir, entre o que se pronunciava e o que se sabia. Cinco factos chegavam para povoar uma vida. Convinha que os factos fossem separados por água, por amor, por cartas. A ansiedade era ainda uma segunda natureza que se amarra entre os muros. Os anos podiam correr, ainda que nem sempre se pudesse esperar.
Ela, porém, esperava.”

a verdade, a mulher, a vida...a psicanálise

Ela, usava uma bata plissada e uma saia cujo cós não tinha fim.
E por que?
Porque Custódio a passeava de trem, a levava a Faro, a levava ao cinema para ver o Charles Boyer, deixava-a dançar com suas primas e as irmãs na Sociedade Recreativa, enquanto ele ficava parado na zona do bufete. Porque ele lhe comprou um casaco de marta zibelina que ela só poria duas vezes por ano, e haveria anos em que  nem o poria. Levava-a ao Cabeleireiro Lírio, trazia-lhe móveis lacados, um esquentador Vacuum, um rádio Luxor, uma aparelhagem sueca para ela, às tardes, poder dançar. Revistas em que se oferecia a identificação, em alternativa, com Michèle Morgan, Vivian Leigh, e Ava Gardner e a partir daí se definia o caráter duma mulher.” [Lídia Jorge]

Então, se nos propomos mesmo o trabalho através desta insistência de um real que se atualiza excluído do sentido e de qualquer saber a priori como lei, há que se respeitar o enunciado que se lê no “Ato Psicanalítico” de que é na incompletude do saber, que se pode entrever a verdade de um futuro incerto para a psicanálise, e que alguns de seus fracassos é que determinarão sua sobrevivência que, desde Freud, não depende de outra coisa senão do psicanalista.

Lúcia Montes.






terça-feira, 3 de abril de 2012

Da psicanálise... Resultados ou consequências?

"Maman", escultura de Louise Bourgeois

Pensar em “resultados” quando se fala de psicanálise é tentar formatá-la segundo critérios “estrangeiros” a ela. Os discursos atuais, aqueles que falam de “novas patologias”, de “novos sintomas”, de novos tratamentos, às vezes disfarçados de “psicanalíticos”, funcionam como um vírus “cavalo de Troia”. Vírus que se imiscui no discurso vigente e engendra, a partir de seus interesses, um discurso sobre a clínica, oposto ao que seria o da psicanálise.
 Assim têm sido as “novas clínicas”, criadas como alternativas  ofertadas no  mercado ‘psi’, salpicadas de significantes que nada tem a ver com psicanálise, mas sim, destinadas a salvar a cada momento a clínica psiquiátrica, ou a das psicoterapias, clínicas das normas e da ideologia da adaptação.
A palavra “avaliação”, por exemplo, se impõe certamente no campo da saúde mental. Ela participa das tentativas normativas, morais, políticas, sociais, econômicas, dos regulamentos que substituem a lei. É uma palavra que faz parte de um discurso totalitário, pois agora tudo pode e deve  ser avaliado. E os critérios de avaliação são “consensuais”, antielitistas, progressistas, obedecendo a exigências de qualidade. Munidos de um “selo de qualidade”, “ISOS”, os sujeitos se veem impedidos de viver a singularidade de uma questão. O “usuário da saúde”, “estressado”(palavras incumbidas de evitar sustentar algum mal estar) não mais gritará sua angústia. Tentará, seja por intermédio de medicamentos ou de psicoterapias as mais variadas, gerenciar seu “stress” a fim de ser “normal”.
 A pertinência de tais intervenções chega aos limites do “eu” e não pode, em nenhum caso, valer para a estrutura à qual a psicanálise é confrontada.
 Diga-se que, para a psicanálise, a noção de estrutura desloca as fronteiras da cura.
O princípio da “patologia” cria um compromisso do “tratamento” como finalidade, um tratamento que pretende restaurar ad integrum, aquilo que se desviou, que está impedido  ou que mostra um déficit em relação à “normalidade”.
Na estrutura não há desvio ou déficit, mas agenciamento de elementos segundo configurações, relações que variam. A estrutura não se refere a uma norma a priori, mas a parâmetros do desejo e da demanda. Deste ponto de vista cada um é normal na sua estrutura. Neurose, perversão, psicose indicam um ponto de vista parcial, o de uma estruturação do  desejo, a partir da demanda, do real e do gozo. E as modalidades de intervenção do analista variam conforme se enodam o real, o simbólico e o imaginário. Não há cura tipo.
Falar de estrutura nem implica em necessidade de “tratamento”!
Isso depende sempre de uma demanda que, diga-se de passagem, não está necessariamente de acordo com o desejo do sujeito. Nem mesmo a gravidade de alguns sintomas faz com que o sujeito queira se livrar deles! É preciso que algum elemento de sua estrutura tenha se “deslocado”, ou que  vacile de algum modo sua certeza.
A estrutura à qual é confrontada a psicanálise é em relação a um saber. O termo ‘saber’, na sua definição lacaniana, designa ao mesmo tempo o significante pelo qual um significante representa o sujeito e a relação do primeiro significante ao segundo. Ele não poderá, portanto, em nenhum caso, ser confundido com o conhecimento. Mais valeria se dar conta de que o conhecimento está do lado do “eu” e da mestria, enquanto o saber está do lado do sujeito e da destituição subjetiva.
Se, como diz Lacan “a psicanálise é aquilo que se diz”, e o “o inconsciente é estruturado como linguagem”, é nesta dimensão que se desloca toda a experiência. Experiência, bem entendido, que é a experiência analítica. Mas, mais ainda, o que ela focaliza é toda a espécie de coisas que produzem efeitos em todos os outros registros, além daqueles do puro e simples discurso.
Então, mais que  “resultados”, avaliáveis e referidos a critérios sociais, políticos, econômicos ou psicopatológicos vigentes, a experiência psicanalítica tem “consequências”. Não, “consequências” no sentido moral ou temporal. Mas, de consequências lógicas.  Consequências das articulações significantes que, do seu uso ordinário, abrem caminho a um trabalho de elaboração lógica, capaz de desencadear “efeitos de sujeito”, que o deixem diante de alguma escolha, aí sim, singular.

                                                                                                             Ângela Porto








quinta-feira, 15 de março de 2012

Um outro ‘saber’, uma nova porta de entrada para o Inconsciente.




Uma grata surpresa...
ainda com a leitura de “O ato psicanalítico” em sua quase conclusão, deparamo-nos com tantas outras e novas possibilidades de re-situar a continuidade de nossos estudos neste semestre que se inicia.

A surpresa salta da visceral gramática do trabalho de Lacan, e reabre o texto a leituras inéditas, para cada um que ali se arriscar a aventurar e declarar sua própria investigação.

“... O sexo não é todo, o ‘todo’ vem em seu lugar, o que não quer dizer absolutamente que este lugar seja o lugar do todo. O todo o usurpa, fazendo acreditar, por assim dizer, que ele, o todo, vem do sexo. É assim que a ‘função’ verdade muda de valor, se posso me expressar assim, e o que se descobre encaixa muito bem, o que é encorajador, com certas descobertas no campo da lógica.” [Lacan, J. Seminário XV]   

O Todo e o objeto ‘a’  

“ Não há ‘sujeito’ cuja totalidade não seja uma ilusão, porque ela depende do objeto pequeno ‘a’ enquanto elidido.”

Lendo então por este viés vemos que a dimensão, a que chamamos analítica, consiste em que   

Todo saber não é consciente.

“Quanto ao ‘saber’, será que, pelo fato de que todo saber não é consciente, de que não podemos mais admitir como fundamental que o saber se saiba a si mesmo, estaríamos dizendo que é correto afirmar que existe o ‘Inconsciente’ ?”

A conversa vai ser boa!...  É só chegar.

Continuamos nos reunindo semanalmente para leitura de textos e estudos, sempre na segunda feira, das 13:30 às 15h. Para mais informações, entre em contato com a coordenação do blog, via email :angelaaraujoporto@gmail.com e mluciamontes@gmail.com ou nos telefones (31)32812212 e (31)32238088

 Lucia Montes

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Freud, colecionista...



Este documentário examina a coleção arqueológica de Sigmund Freud em seu contexto original, i.e., o gabinete de Freud junto a sua residência à rua Berggasse, 19, em Viena, tal qual fotografada por Edmund Engelman poucos dias antes do exílio de Freud, de uma Viena sitiada por nazistas para a Londres onde, um ano depois, viria a morrer. O filme examina as relações declaradas entre arqueologia e psicanálise, bem como a curadoria do "museu Freud" original, a iconologia de suas peças preferidas e seus efeitos biográficos, metodológicos e hermenêuticos.
Freud colecionista
foi confeccionado especialmente para apresentação no Seminário de Investigação em Museologia dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola, realizado na Universidade do Porto, Porto, Portugal, de 12 a 14 de outubro de 2009, sob coordenação das professoras Alice Semedo e Elisa Noronha.


*texto e vídeo pesquisado da postagem de Francisco Marshall



  • Colaboração de Simone Caporali