domingo, 28 de agosto de 2011

Trabalhador... Ingênuo, mas nem tanto!


“a tarefa analítica, na medida em que ela se delineia a partir desse ponto do sujeito já alienado, em um certo sentido ingênuo em sua alienação, aquele que  o psicanalista sabe ser definido pelo  “eu não penso”, que a tarefa em que ele o coloca é um “eu penso” que toma justamente todo o seu peso de que ele saiba o “eu não penso” inerente ao estatuto do sujeito?
Ele o põe na tarefa de um pensamento que se apresenta, de alguma forma, em seu próprio enunciado, na regra que o institui, como admitindo essa verdade fundamental do “eu não penso”: que ele associe livremente, que ele não procure saber se está ou não por inteiro, como sujeito, se ele aí se afirma. A tarefa à qual o ato psicanalítico dá seu estatuto é uma tarefa que implica essa destituição do sujeito”( Lacan, sem XV, lição de 17 de janeiro de1968)
O que seria o “sujeito ingênuo em sua alienação”?
Do latim, INGENUUS  é  “não alterado por forças externas, nascido nobre ou livre”, de IN-, “em”, mais a raiz de GIGNERE, “produzir, gerar”.
Para a psicanálise haveria  um “sujeito ingênuo”, no sentido  etimológico de “nascido nobre ou livre”, “não alterado por forças externas”?
 Podemos dizer que se há um “sujeito ingênuo”, estaríamos nos referindo a um sujeito mítico intocado pelos efeitos radicais da linguagem.
O sujeito que se põe a trabalho na análise é alienado, constituído pela linguagem, tocado e marcado pelo significante que o representa para outro significante e só se realiza enquanto falta.
Entretanto,  quando Lacan diz: “o sujeito  em certo sentido ingênuo em sua alienação”, estaria ele apontando,  aí mesmo, o próprio momento lógico da estrutura que o define:  ele é e não é?
Se há apenas  um “sujeito ingênuo”, estaríamos nos referindo a um sujeito mítico intocado pelos efeitos radicais da linguagem.
O trabalho, que o processo  analítico exige, coloca o sujeito, enquanto fala, num percurso do sujeito ingênuo- que é também alienado, através de  um “eu penso”, que se apresenta no seu enunciado, até um “eu não sou”, falta que, estruturalmente, estava lá desde o início.
 Esse caminho de contínuo trabalho de elaboração só é possível,  se,  sob transferência, o “eu não penso” se institui na associação livre. A destituição do sujeito, por princípio, já se instaura quando se põe em função a associação livre, desde  um “ato de fé” no sujeito suposto saber.
 O saber põe o sujeito  a trabalho. Saber que, então,  fala por conta própria, surpreende o sujeito,   e o emprega, na sua fala, para dizer coisas.
 Lá pras tantas o sujeito, que não sabe o que diz, já nem sabe ‘quem’ diz...
 A tarefa à qual o ato psicanalítico dá seu estatuto é uma tarefa que implica essa destituição do sujeito”.
O sujeito, então, que se tenha feito engendrar neste processo, chegando até  o seu término terá feito um caminho do sujeito ingênuo- que é também alienado, até a experiência subjetiva da castração. E realizar-se como sujeito na castração, isto é, como falta, é saber do de-ser daquilo que foi a posição de partida de seu percurso analítico. O ponto de sua divisão e a causa de seu desejo.
         Angela Porto

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Em quê a psicanálise pode tocar o preconceito?



Preconceito (prefixo pré- e conceito) é um "juízo" preconcebido, manifestado geralmente na forma de uma atitude "discriminatória" perante pessoas, lugares ou tradições considerados diferentes ou "estranhos". Costuma indicar desconhecimento pejorativo de alguém, ou de um grupo social, ao que lhe é diferente. As formas mais comuns de preconceito são: social, "racial" e "sexual".
De modo geral, o ponto de partida do preconceito é uma generalização superficial, chamada "estereótipo”.
Observa-se então que, pela superficialidade ou pela estereotipia, o preconceito é um erro. Entretanto, trata-se de um erro que faz parte do domínio da crença, não do conhecimento, ou seja, ele tem uma base irracional e por isso escapa a qualquer questionamento fundamentado num argumento ou raciocínio.(Wikipédia)

Em quê a psicanálise pode tocar o preconceito?
Movimentos políticos, associações, leis contra a discriminação tentam  corrigir, regular aquilo que é da ordem do preconceito...
Providências louváveis de controle dos excessos dos homens que atentam contra eles mesmos. Questões de direito. Atos políticos ou humanitários. Atos, que são um dizer, em nome de alguém, que certamente trazem modificações decisivas na cultura.
Intenções retas.
 “É certo que Freud não foi o primeiro a nos permitir sair desses círculos fechados, já que para por em suspenso o valor de uma boa intenção, encontramos uma crítica totalmente eficaz, explícita e manejável, no que Hegel articula da lei do coração ou do delírio da presunção; que não basta se levantar  contra a desordem do mundo para não se fazer dela, por este protesto mesmo, o mais permanente suporte.” Lacan, Seminário XV, grifos meus
Mas, o analista? O  ato analítico?
O psicanalista em seu ‘solo’, de ‘seu canto’, supõe-se que,de sua função, diferentemente dos que se ocupam das mazelas da humanidade na esperança de curá-las, seja aquele que ouça o sofrimento de cada um, como gozo;
Supõe-se que, desta mesma função, recolha os gritos de dor da verdade não formalizada e opere com o gozo e com o que dele se faça articular;
O que se entende por  ‘humanidade’ é algo da ordem do fabricado pelo discurso universalizante do amor, da religião, do ‘mercado comum’ e a ‘humanidade’ não quer  abrir mão de seu grito, pois  ela goza com sua vociferação.
Então, ‘ouvir’ o pré-conceito, em análise, não é atender à 'humanidade' da questão. É chegar ao 'inumano' da questão. É ouvir o discurso que leva até onde o sujeito está e não está em todas as possíveis relações com o objeto, é fazer construir a fantasia, sempre singular, que sustenta o desejo.
Longo caminho a ser percorrido, recorridamente, até o lugar de encontro com a falta.
Espera-se que, então, aquilo, que tenha sido preconceito, se faça experiência singular da relação do sujeito com seu desejo.
O que implicaria, como consequência, acolher  sem angústia a diferença.
Angela Porto