domingo, 22 de agosto de 2010

"Às voltas com linhas,fios e nós...a flor do meu segredo"

Às voltas com linhas, fios e nós, lembrei-me de um filme de Almodóvar, A Flor do meu segredo (1995), em que uma escritora de romances açucarados de sucesso, assina com um pseudônimo e esconde ser a autora. Seu casamento está em crise e, em conseqüência, ela não consegue escrever no velho estilo e cria um livro depressivo que foi recusado pela editora. Tomada pela depressão e pela bebida, a escritora vai ao fundo do poço, como se diz. Há um momento que numa tentativa desesperada de sair desse estado, faz uma viagem para sua cidade natal e reencontra as velhas tias e vizinhas, mulheres com as quais se reúne todas as tardes e, sentadas nas cadeiras nas calçadas conversam e tecem. Assim, passam os dias falando e tecendo, até que numa manhã ela acorda, pega suas coisas e retorna, retomando o “fio de sua vida”.
Parece que estamos falando da própria experiência analítica, desse espaço-tempo-fora, que Lacan chamou de ex-sistência, em que só nos resta falar e tecer cercando o buraco que se abre em momentos privilegiados de uma análise, em que nos deparamos com o vazio de nossa própria estrutura. E o que fazer, quando nenhuma palavra serve, quando nenhuma interpretação tem efeitos, quando a cadeia em que nos sustentamos vacila e já não sustenta mais como antes? Resta-nos, quem sabe, fazer como a personagem do filme – habitar por um tempo lógico, esse campo vazio do feminino onde só se pode falar e tecer, uma fala em que a linguagem não tampona e, sim, promove efeitos, como se acompanhasse as mãos, tecendo a rede que pode conter nosso ser de falta.

Gilda Vaz Rodrigues.

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