sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Por causa de que? Por causa...por causa de...causa de...causa





As perguntas formuladas por Lucia Frota sobre o filme “La pianiste”, exigem trabalho.Quando Lucia diz que à época do lançamento do filme ele causa impacto, lembro que a 'época de lançamento do filme' é sempre pontual. Momento em que, para nós, espectadores, acontece a provocação deste punctus  que é o ponto em que a imagem, furada, fura os olhos de quem a vê.

Tratando da fotografia em seu célebre A Câmara Clara, Barthes vê nela duas vias: a que nos levaria a "submeter seu espetáculo ao código civilizado das ilusões perfeitas" e a que nos afrontaria com "o despertar da intratável realidade" (BARTHES, 1980, p. 175).
O primeiro caminho é aquele que ele nomeia studium, dimensão que permite que se teçam de uma fotografia comentários sábios, sociológicos ou classificatórios.
O segundo lhe parece mais essencial ao fotográfico: trata daquele ponto fugidio, de localização lábil, que nos obriga a fechar os olhos, diante da imagem, pois ele é pontiagudo, capaz de atingir, furar (os olhos): o punctum. Este é de localização estritamente subjetiva, justamente porque corresponde ao ponto em que a foto toca e põe em movimento pulsional o sujeito.
 A fotografia carrega já em si, portanto, uma possibilidade de movimento que o cinema virá explorar, ela cava uma distância do olhar em relação à realidade (justamente ao se propor como reprodução direta, indicial, da realidade) que faz de cada imagem uma seqüência a ser explorada, em busca de outra coisa que não está lá (exatamente como faz Freud com sua lembrança encobridora). Mas se a foto implica, em princípio, um desdobramento narrativo (studium), há nela uma corrente oposta, inerente também à imagem, que circunscreve uma certa invisibilidade, ou melhor, uma impossibilidade de ver que é correlativa a uma interrupção da seqüência narrativa, a uma parada no tempo ou a uma repetição incessante que ameaça romper toda possibilidade de narração (punctum). Há algo potencialmente traumático na imagem. (Tânia Rivera,em Cinema e pulsão, sobre o”Irreversível”, o trauma e a imagem)

Pergunta Lucia Frota:

Por causa do estreito laço  que separa a sexualidade  normal da patológica  ?

Pela angústia diante de um  gozo  insuportável que avassala as pessoas frente a certas
 situações ?

A devastação provocada pela  figura materna na vida da personagem ?

Por causa...por causa de...causa de...causa.

 Causa... de novo, e...trabalho!



 Angela Porto

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Da leitura de Freud, que ainda é o melhor recurso, tomara que brotem boas prosas!


Freud ainda é o melhor recurso que podemos nos valer.
E indicar sua leitura aqui é uma tarefa básica pra que retornemos aos princípios e paradoxos de nosso trabalho.
Tomara que brotem boas prosas....ou até quem sabe, belas poesias....

Nesse momento encontro-me na curiosa posição de não saber se o que tenho a comunicar é algo há muito conhecido ou inteiramente novo e intrigante, porém inclino-me a pensar que se trata da segunda alternativa. Ocorre que tenho notado, a partir da análise de alguns pacientes – que só vim a conhecer décadas depois como adultos – que, quando o seu Eu ainda era jovem e foi submetido a uma determinada situação especialmente aflitiva[bedrängnis], ele passou a apresentar um comportamento assaz peculiar. Posso caracterizar genericamente as condições sob as quais tal comportamento do Eu ocorre, dizendo que são situações em que há um trauma psíquico. Para tentar melhor delimitar do que se trata, prefiro descrever um caso clínico especifico e bem-definido, embora saiba que, por sua singularidade, não cobrirá todas as variantes de causação. Antes, porém, farei uma descrição esquemática do modelo ao qual me refiro. Imaginemos uma criança cujo Eu se encontrava a serviço de uma exigência pulsional imperiosa à qual ele habitualmente atendia. Contudo, abruptamente esse Eu é submetido a uma experiência assustadora que lhe indica que, se continuar a satisfazer essa pulsão, enfrentará um perigo real quase insuportável. O Eu terá então que optar por reconhecer a existência desse perigo real, submeter-se a ele e renunciar à satisfação pulsional, ou renegar[verleugnen] a realidade, o que lhe permitiria se convencer de que não há razão para qualquer temor, e manter-se concentrado na busca de satisfação pulsional. Haveria, nesse caso, portanto, um conflito entre a reivindicação pulsional e as objeções por parte da realidade. Na verdade, porém, a criança não segue nenhum desses caminhos, ou melhor, segue ambos ao mesmo tempo, o que equivale a não seguir caminho algum. Ela responde ao conflito com duas reações opostas, ambas válidas e ativas. Por um lado, com o auxílio de certos mecanismos, ela rechaça a realidade e rejeita quaisquer proibições; por outro, ao mesmo tempo, ela reconhece o perigo que emana da realidade, acata dentro de si esse medo[Angst] como um sintoma e mais adiante tenta lidar com esse medo. Em princípio essa é uma solução bastante engenhosa. Ambas as partes em disputa recebem seu quinhão: permite-se à pulsão obter a satisfação almejada e, ao mesmo tempo, tributa-se à realidade o respeito necessário. Mas, como reza o dito popular: só a morte nos é dada de graça. Esse resultado tão bem sucedido só foi alcançado ao preço de um rompimento na tessitura[Einriss] do Eu, a qual não mais cicatriza, ao contrário, só aumenta à medida que o tempo passa. Assim, as duas reações opostas com as quais o Eu respondeu ao conflito passam a subsistir como núcleo de uma cisão do Eu. Ora, um processo assim nos causa uma certa estranheza porque pressupomos que os processos que ocorrem no Eu são sempre dirigidos à síntese, mas vemos que estávamos equivocados. Na verdade, a assaz importante função sintética do Eu depende de condições específicas e é  vulnerável a uma série de perturbações.” [Freud,S. ‘A cisão do Eu’]


Aqui se inscreve essa Cisão[Spaltung] última por onde o sujeito se articula ao Logos, sobre a qual Freud ao começar a escrever, nos dava no extremo último de uma obra com as dimensões do ser, a solução da análise ‘infinita’, quando sua morte pôs nela a palavra Nada.” [Lacan,J. ‘A direção da Cura’]

Por que não continuaríamos fazendo essa história?
Escrevendo nossas desventuras, enredos e desassossegos tão comuns ao erramento da pulsão...
     Lucia Montes

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Ainda "A professora de Piano"...O cinema...que angústias, que verdade ele descortina?



Há  filmes, que   por tocarem  em pontos universais da estrutura psíquica humana são  como os mitos  e passam a fazer   parte da  cultura  universal e  tem  ai sua perenidade.  Eles nos causam  impacto,nos  emudecem , nos fazem rir ou chorar ,quando algo  projetado na tela transpassa a fantasia  e nos aproxima do real indizível .
Na saída dos cinemas  são  comuns estes comentários: "não gosto de fime pesado ","venho  ao  cinema para distrair", este  "diretor  é louco " , "este filme  deveria ser  proibido".
Negação, que diz da verdade, que a obra  cinematográfica  descortina.
  
O filme do diretor Hanecke, na  magistral interpretaçaõ  de Isabelle Huppert  e  Benoît Magimel,  bate direto, sem subterfúgios,  de encontro  a uma necessidade profunda do ser humano de se castigar, de se fazer sofrer , de se humilhar e  de se  culpabilizar.
Esta  é a trama  da humanidade,  comum  da  maioria dos pacientes  que procuram  uma terapia .

Em contrapartida a este masoquismo, dito  moral, em que a sexualidade parece à  primeira vista  pouco implicadada,  surgem   aquelas situações em que as  sevicias e as mutilações  são efetivamente atuadas.

O filme provocu muitos comentários na época do seu lançamento . Seria ,aqui deixo como questão , por causa de que?
Por causa do estreito laço  que separa a sexualidade  normal da patológica  ?
Pela angústia diante de um  gozo  insuportável que avassala as pessoas frente a certas situações ?
A devastação provocada pela  figura materna na vida da personagem ?

Lucia Cunha Frota

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

ÓCIOS DO OFÍCIO, MAIS UMA EXPERIÊNCIA!

A experiência do ofício de psicanalizar, inclui seus ossos!
A experiência de trançá-la, via nossos estudos, discussões, trabalho com a clínica, escrita no Tear 4, encaminha-nos, eventualmente, a também encontrar motivo para o "ócio que o ofício exige!"
Ainda assim, continuamos trançando, um jeito mais além do convencional, de continuar trabalhando!

Então, convidamos a todos que se interessarem a conversar sobre o filme" A professora de Piano", que provocou duas postagens recentes, neste blog, que o assistam previamente, e se encontrem conosco no dia 4 de outubro,  de 13,30h a 15,00, à Rua Fernandes Tourinho,470, 3o andar, onde funciona o Tear 4.
A entrada é franca, mas a participação é condição!

sábado, 11 de setembro de 2010

Nessa In[Ex]sistência Toda, de Quem é o concerto ?



Música de uma nota só?

Carta de letra muda?

No afastamento entre Prazer e Realidade,

na realidade da distância freudiana,

o corpo faz leito para o advento da linguagem

pela operação do significante.

A carta, ainda por escrever, fora,

no irremediável só,

recusa o nome, recusa o homem, recusa... o encontro?.

Do inevitável encontro, o fora da imagem mira o rito, move fora da cena musical,

e mais ainda, nos banheiros, na pele do sem corpo,

sem bordas, o insuportável do amor é uma só periferia.

O que é que tanto in-siste no que ex-siste?

Lugar hiante e ânsia incondicional de uma natureza que faz da angústia seu símbolo mais vivo e mais exato?

Mulher ?...

corpo-corte, pote sem coração, lâmina-mão de sangue-maldição que se esvai sobre o teclado branco das vozes, na penumbra-mãe, no amuro de portas escancaradas, da satisfação que visa sufocar qualquer possibilidade de outro pedido, que não seja este,

o de in[ex]sistência...

o fora sem dentro?

Música de uma nota só: “como ‘eu’ sou a conseqüência inevitável de ‘você’ ’”.

Carta de letra muda: “porque não sei se sabes que a morte é a verdade do amor, do mesmo modo que o amor é a verdade da morte” [E.Vila-Matas]

Entrei aqui na provocação de trabalho que persevera nesse belíssimo filme que nos reendereça às apaixonadas e inquietantes interrogações vienenses.

Literárias, Musicais, travessias-(a)travessuras até o Inconsciente, sempre atual, que Freud nos despertou

“... mesmo porque as notas eram surdas quando um deus sonso e ladrão

fez das tripas a primeira lira que animou todos os sons.” [Chico Buarque]

“A psicanálise não é uma cosmologia, se bem que basta que o homem sonhe para ver ressaltar esse intenso bricabraque, esse guarda-móveis do qual ele tem que se desvencilhar, e que constitui seguramente uma alma, uma alma ocasionalmente amável quando alguma coisa queira mesmo amá-la.” [J. Lacan – “encore’]

Emprestando alma ao muro, escrita a carta, nota sonora de almor,

o amor tranca as portas e faz um dentro,

o quarto da mãe,

um giro de um quarto de volta ?

Porque há, em algum lugar daquele que fala, algo que sempre sabe mais do que ele mesmo, é que uma carta sempre chegará ao seu endereço.

E depois disso,

Quem é que nunca sabe mesmo quem estará na platéia?

Lucia Montes

domingo, 5 de setembro de 2010

"La Pianiste" - o filme....E a mulher? - Angústia de inexistência???



Quem viu Violência Gratuita e Código Desconhecido já sabe o que esperar do diretor alemão Michael Haneke: um estilo cruelmente frio, direto, sem subterfúgios cinematográficos. Invariavelmente, um soco no estômago. A fórmula se repete com sucesso no drama "A Professora de Piano", filme vencedor de três prêmios importantes no Festival de Cannes: melhor atriz para Isabelle Hupert (de Madame Bovary e Separação), melhor ator para Benoît Magimel (de O Ódio) e Prêmio Especial do Júri.

Isabelle vive o papel de Erika, a professor do título, que divide o apartamento com sua possessiva mãe (a veterana Annie Girardot, de Rocco e Seus Irmãos). Entre elas reina um forte clima de tensão violenta, que não raramente explode em desrespeito e autoritarismo. Durante um recital, Erica conhece o jovem Walter (Magimel), que passa a assediar a balzaquiana pianista. Tal assédio desperta na professora uma fúria de sentimentos represados. Uma perturbada mistura de amor e ódio que se manifesta das maneiras mais inesperadas e incoerentes. Ao mesmo tempo contida e exuberante, Isabelle está perfeita no papel. Sua atuação convincente é uma das  forças principais do filme, que se equilibra perigosamente sobre a fina linha que divide o trágico do inacreditável.

As frustrações que se transformam em atos de violento inconformismo deixam a platéia num clima de constante tensão. Para isso, Haneke segura a narrativa com mão-de-ferro, não deixa a ação descambar para a violência fácil, ao mesmo tempo em que prende nas gargantas de seus personagens principais um grito sufocado que parece impossível de ser expelido. Este é o clima de A Professora de Piano. Um cruel exercício de sensações sufocadas, num filme que não faz nenhuma questão de ser facilmente consumido.
Celso Sabadin (2002)


 Agora, depois de visto o filme, é trabalhar o que há da mulher,na sua demanda-carta dirigida a um homem, caso ele se disponha a lê-la. Mais alguém? Alguém, algum cineasta, algum psicanalista, tem algo a dizer sobre o filme? Alguém compartilha da inquietação que o filme provoca?