sexta-feira, 19 de novembro de 2010

DE AMORES E SEXOS... nesta pluralidade, o singular é a morte.

"A persistência da memória" de Salvador Dali
                                               
           "Que efeito há sobre vocês se lhes anuncio ‘amarás teu próximo como a ti mesmo’ ? Isto lhes faz parecer que este preceito funda a abolição da diferença de sexos?Quando lhes digo que não há relação sexual, não disse que os sexos se confundam, longe disso! Sem isto, não obstante, como poderia dizer que não há relação sexual ?  
O amor é a ‘relação’ complexa entre um homem e uma mulher, é um fato. É fazer juntos uma errância [errance e não erreur]
Viator: a viagem sobre esta terra. É isto o amor: ter percorrido juntos um trecho.    
A questão é: por que caminho se ama uma mulher?
É por acaso que um homem ama uma mulher. [bon-heur]
O amor não é outra coisa que um dizer, enquanto acontecimento, e nada tem a ver
com a verdade, pois esta não se pode dizer toda.
Esse dizer de amor se dirige ao saber, enquanto este aí está no que é preciso chamar de   inconsciente.” [J.Lacan – Seminário 21- inédito]

TRANÇAR POR ONDE RESISTE O DISCURSO:

O Significante é o que representa o sujeito para outro significante. Outro significante, que em  nada tem a ver com o primeiro.
O Signo é o que representa alguma coisa para alguém.
Por uma leitura de uma das formas discursivas que se apresentam na análise sempre como resistência ao trabalho:
Seria esta uma modulação do que Freud nomeou de ‘reação terapêutica negativa’ ?

Sujeito entre significante e gozo, em sua divisão de ser falante, o neurótico pode apresentar-se em certo tempo da análise, colado, amalgamado na atividade discursiva, sob a forma do que não cessa de falar, e repetir-se como objeto impregnado dos argumentos de verdades  que se sobrepõem a qualquer alcance da realidade.
Imposição de uma verdade que se conta sobre a vida pregressa.? Verdade que, ao fazer uma total ocupação das terras do discurso, veda toda e qualquer fresta que viesse tornar possível um enquadre da construção fantasmática.
Diante deste discurso em que o significante parece ficar envelopado pelo gozo do dito, e onde a invenção de um vivido impede ao sujeito o acesso à estrutura de ficção da verdade, já não importa tanto mais a veracidade dos fatos. Aí está o desafio da captura do sujeito de um desejo que, nesta posição, desvanece diante da condição da verdade poder mentir.
Convocado a testemunhar as freqüentes e repetidas cenas de atuações do paciente que quase sempre o enunciam como um sem bordas entre a vida e a morte, o analista presencia a insistência de um circuito fechado do gozo que visa, com e pela palavra, ocupar também os vazios do impossível de dizer. Dimensão em que o gozo encerra o significante, no engodo onipotente de disseminar no discurso a servidão da impostura. Obediência à aparência da verdade de um todo-saber contido no dito.
Saber sobre o quê? A que saber não se pode ter acesso, quando se diz saber do que se trata? É preciso formular melhor e uma vez mais, ainda... estas questões. Mesmo porque não há uma proporção exata para saber e verdade, assim como não há uma resposta a priori  para o sexo.
Sob transferência, na presença do analista, destaca-se um tipo de afeto que pode viabilizar uma atualização do significante, através de seu re-endereçamento ao sujeito suposto saber, o inconsciente.
Sutis detalhes, atos falhos, homofonias... Frestas-alertas, janelas na mansão do dito.
Este trabalho de elaboração é operação de cortes precisos e faz, no discurso, uma espécie de sulcagem, reabrindo a fenda de uma pulsação, inter-valas da separação. O rasgo a ser mantido entre as diferentes faces da pulsão: descola-se a face significante na sua torção com a face de gozo. A primeira, articulada ao material recalcado e a outra,  fator quantitativo, valor devotado ao objeto, perdido, no momento mesmo de seu advento.
Separados do gozo da fala, do sentido e da impostura no dito, cada um dos significantes, que assim se reapresentam, vão se re-a-locando e sendo transferidos à posição de abertura de novas cadeias significantes.
Esvaziado do sentido obtuso que o aderia ao gozo, o significante deverá sofrer sua erosão até um outro modo de dizer que a letra imprime na gramática da pulsão, para que se reescrevam os caminhos possíveis ao desejo, advindo de outro discurso, que não seja da aparência, sem palavras e que resiste aos signos da morte.

Lucia Montes

2 comentários:

  1. ... os textos do Tear 4 têm me
    inspirado, me feito pensar e me encorajado a uma passagem à escrita. Encorajado, interessante: há de se ter coragem para escrever. E a coragem não vem sózinha, por si mesma, há que fazer uma "forçagem"( esta palavra não existe em português!?) e assim
    aprender a tecer palavras. Isso, é 'preciso'.

    Regina Guerra

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  2. ei Regina, que alegria contar com sua presença. Serão muito bem vindas as experiencias que voce por ventura postar aí. Isto só dá mais inspiração também prá nossas tranças com novos textos e outras leituras.
    abração.
    Lúcia

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