quinta-feira, 7 de março de 2013

A criança, sua mãe e a linguagem – do não-sentido e da morte –




Desde nosso último encontro de leitura e conversas de estudos, tem surgido muitos assuntos novos e casos relacionados a esta ‘hora da criança’ no mundo. Nessas tantas e diferentes abordagens tive o privilégio de ser ouvinte de um acontecimento entre uma criança e sua mãe.  Vamos tomá-lo a princípio e informalmente apenas como um fato de linguagem, porque assim pode-se prescindir de qualquer variável pessoal ou histórico-familiar.
Porque esta é uma situação pertinente às questões publicadas na postagem anterior, estou trazendo direto para o Blog o convite para que mais pessoas participem deste trabalho de investigação.
Estamos às voltas com alguns termos e conceituações que ganharam especificidades para a psicanálise, mas  ficamos aqui com a tarefa de, ao menos, tentar abrir a conversa para um pouco mais além de nossos limites, e assim estendermos a possibilidade também de mais contribuições para o tema.
Para quem quiser se endereçar ao texto de referência, nesse momento, estamos continuando a leitura do Seminário 16, de Lacan, “De um Outro ao outro”. (Ed.Zahar ), ao qual se referem as citações deste recorte.
Existe um saber que diz: Há em algum lugar uma verdade que não se sabe, e é ela que se articula no nível do inconsciente. É aí que devemos encontrar a verdade sobre o saber.
Não foi isso que dissemos sobre o sonho? (...) É um erro nos perguntarmos, a propósito do sonho, o que quer dizer isso?, pois não é isso que importa. O que nos importa é onde está a falha do que é dito?, e isso num nível em que o que se diz é distinto do que se apresenta como querendo dizer alguma coisa. No entanto, isso diz alguma coisa, sem saber o que diz, já que somos forçados a ajudá-lo por meio de nossa ponderada interpretação.
Saber que o sonho é possível, isso deve ser sabido. (...)
Em função do tempo que me apressa lembro a analogia econômica que introduzi sobre a verdade como trabalho. Pelo menos no discurso analítico, o trabalho da verdade é bastante evidente, por ser penoso. (...)
Inversamente, é à função do preço que homologuei o saber. O preço certamente não se estabelece por acaso, não mais do que qualquer efeito de troca. Mas é certo que o preço em si não constitui um trabalho, e é esse o ponto importante, porque tampouco o saber o constitui, digam o que disserem.
Isso é uma invenção dos pedagogos, o saber. (...) Não digo: Algum dia vocês aprenderam alguma coisa?, mas sim: Saber algo não é sempre algo que se produz como um clarão? (...)
O saber é isto: alguém lhes apresenta coisas que são significantes e, da maneira como estas lhes são apresentadas, isso não quer dizer nada, e então vem um momento em que vocês se libertam, e de repente aquilo quer dizer alguma coisa, e é assim desde a origem. Isso se percebe pela maneira como a criança maneja seu primeiro alfabeto, que não é aprendizagem nenhuma, porém um colapso que une uma grande letra maiúscula com a forma do animal cuja inicial supostamente corresponde à letra em questão. A criança faz ou não faz essa conjunção. Na maioria dos casos, ou seja, naqueles em que ela não é cercada por uma atenção pedagógica demasiadamente grande, ela a faz.”  [‘O acontecimento Freud’]
E quanto à verdade?... “Se em parte alguma do Outro é possível assegurar a consistência do que é chamado verdade, onde está ela, a verdade, a não ser naquilo a que corresponde a função do a ? (...)
Nesse nível, [de um grito vazio, do sofrimento de ser a verdade, um grito mudo], o que pode, no Outro, responder ao sujeito? Nada senão aquilo que produz sua consistência e sua ingênua confiança em que ele é como eu. Trata-se, em outras palavras, do que é seu verdadeiro esteio – sua fabricação como objeto a. Não há nada diante do sujeito senão ele, o um-a-mais entre tantos outros, e que de modo algum pode responder ao grito da verdade, mas que é, muito precisamente, seu equivalente – o não-gozo, a miséria, o desamparo e a solidão. Tal é a contrapartida do a, desse mais-de-gozar que constitui a coerência do sujeito enquanto eu.” [‘Da mais-valia ao mais-de-gozar’].

Bordas de um desamparo anunciado

--- É a Vovó (mãe da mãe)... que já morreu !...
--- Ela morreu de fome, mamãe?
--- Não... .... ....
--- Ela morreu de sono?!!

 Algumas semanas antes a criança já havia se posicionado diante da acolhida carinhosa do pai:

---- ... dormiu bem filho?
----  Dormi.
----  Sonhou comigo?
----  Não, sonhei sozinho.

A condição de ‘seriedade’ no discurso, para a psicanálise.

Voltemos a meu discurso e ao que pretendo com um discurso válido:
Vou compará-lo ao traçado de tesoura nessa matéria da qual falo quando evoco o real do sujeito. A maneira como o traçado de tesoura cai na estrutura, ela se revela pelo que é. Se passarmos o traçado de tesoura em algum lugar, as relações mudam, tanto que o que não se via antes passa a ser visto depois. Dizendo, ao mesmo tempo, não ser uma metáfora, que ilustrei com o traçado de tesoura na banda de Moebius, que a transforma numa banda que já não tem nada a ver com o que era antes. O passo seguinte a ser dado é perceber, a partir dessa transformação, que o traçado da tesoura é, em si mesmo, toda a banda de Moebius. ...
Digamos que, no princípio, não vale a pena falar de outra coisa senão do real em que o próprio discurso tem conseqüências. ... Foi o que de minha parte, chamei de condição de seriedade, da última vez. (...)”
“ A estrutura, portanto, é real. Em geral, isso se determina pela convergência para uma impossibilidade. É por isso que é real.
O que eu digo postula a estrutura, porque visa a causa do próprio discurso. ... repito-o, para os surdos, o que o discurso visa é a causa do próprio discurso.”


 Lucia Montes


Um comentário:

  1. Obrigada Angela,por partilhar seu trabalho,partilha que não é sem consequências,pois provoca trabalho.
    Abço,
    Marta dalla Torre

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