quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Da leitura de Freud, que ainda é o melhor recurso, tomara que brotem boas prosas!


Freud ainda é o melhor recurso que podemos nos valer.
E indicar sua leitura aqui é uma tarefa básica pra que retornemos aos princípios e paradoxos de nosso trabalho.
Tomara que brotem boas prosas....ou até quem sabe, belas poesias....

Nesse momento encontro-me na curiosa posição de não saber se o que tenho a comunicar é algo há muito conhecido ou inteiramente novo e intrigante, porém inclino-me a pensar que se trata da segunda alternativa. Ocorre que tenho notado, a partir da análise de alguns pacientes – que só vim a conhecer décadas depois como adultos – que, quando o seu Eu ainda era jovem e foi submetido a uma determinada situação especialmente aflitiva[bedrängnis], ele passou a apresentar um comportamento assaz peculiar. Posso caracterizar genericamente as condições sob as quais tal comportamento do Eu ocorre, dizendo que são situações em que há um trauma psíquico. Para tentar melhor delimitar do que se trata, prefiro descrever um caso clínico especifico e bem-definido, embora saiba que, por sua singularidade, não cobrirá todas as variantes de causação. Antes, porém, farei uma descrição esquemática do modelo ao qual me refiro. Imaginemos uma criança cujo Eu se encontrava a serviço de uma exigência pulsional imperiosa à qual ele habitualmente atendia. Contudo, abruptamente esse Eu é submetido a uma experiência assustadora que lhe indica que, se continuar a satisfazer essa pulsão, enfrentará um perigo real quase insuportável. O Eu terá então que optar por reconhecer a existência desse perigo real, submeter-se a ele e renunciar à satisfação pulsional, ou renegar[verleugnen] a realidade, o que lhe permitiria se convencer de que não há razão para qualquer temor, e manter-se concentrado na busca de satisfação pulsional. Haveria, nesse caso, portanto, um conflito entre a reivindicação pulsional e as objeções por parte da realidade. Na verdade, porém, a criança não segue nenhum desses caminhos, ou melhor, segue ambos ao mesmo tempo, o que equivale a não seguir caminho algum. Ela responde ao conflito com duas reações opostas, ambas válidas e ativas. Por um lado, com o auxílio de certos mecanismos, ela rechaça a realidade e rejeita quaisquer proibições; por outro, ao mesmo tempo, ela reconhece o perigo que emana da realidade, acata dentro de si esse medo[Angst] como um sintoma e mais adiante tenta lidar com esse medo. Em princípio essa é uma solução bastante engenhosa. Ambas as partes em disputa recebem seu quinhão: permite-se à pulsão obter a satisfação almejada e, ao mesmo tempo, tributa-se à realidade o respeito necessário. Mas, como reza o dito popular: só a morte nos é dada de graça. Esse resultado tão bem sucedido só foi alcançado ao preço de um rompimento na tessitura[Einriss] do Eu, a qual não mais cicatriza, ao contrário, só aumenta à medida que o tempo passa. Assim, as duas reações opostas com as quais o Eu respondeu ao conflito passam a subsistir como núcleo de uma cisão do Eu. Ora, um processo assim nos causa uma certa estranheza porque pressupomos que os processos que ocorrem no Eu são sempre dirigidos à síntese, mas vemos que estávamos equivocados. Na verdade, a assaz importante função sintética do Eu depende de condições específicas e é  vulnerável a uma série de perturbações.” [Freud,S. ‘A cisão do Eu’]


Aqui se inscreve essa Cisão[Spaltung] última por onde o sujeito se articula ao Logos, sobre a qual Freud ao começar a escrever, nos dava no extremo último de uma obra com as dimensões do ser, a solução da análise ‘infinita’, quando sua morte pôs nela a palavra Nada.” [Lacan,J. ‘A direção da Cura’]

Por que não continuaríamos fazendo essa história?
Escrevendo nossas desventuras, enredos e desassossegos tão comuns ao erramento da pulsão...
     Lucia Montes

3 comentários:

  1. Simone Caporali Ribeiro24 de setembro de 2010 às 06:50

    Mas a questão colocada ao sujeito não é justamente esta: se por a escrever apesar do disjunto das desventuras? Apesar da errância pulsional, tendo em vista a impossibilidade de sua junção com o Real,colocar-se em posição de desejo?

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  3. No processo de uma análise. Sob transferência. E somente arriscando-se corajosamente em fazer sua a experiência de passar pela fenda significante, pela estrutura de linguagem, e implicando-se no efeito de fala que o inconsciente provoca.
    Fenda, pulsação e temporalidade, que advêm das funções de corte e borda que a análise deve instituir no circuito pulsional do sujeito, reescrevendo em sua vida o 'a posteriori' que faz com que o trauma venha se implicar no sintoma.
    Momento e tema imprescindíveis aqui, na discussão do filme e em nossas postagens, para atualizarmos a reabertura do debate sobre a posição do analista, em sua relação com a 'causa', posta em ato através da instância do 'inconsciente freudiano'

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