sábado, 23 de abril de 2011

A psicanálise, campo para a experiência e a realidade...


A realidade é o que dela se diz

“Por mais espantoso que possa parecer, direi que a psicanálise, ou seja, aquilo que um procedimento inaugura como campo para a experiência, é a realidade. A realidade coloca-se aí como absolutamente unívoca, o que é singular hoje em dia – em relação à maneira como a entravam os outros discursos”
Assim Lacan começa sua fala no Instituto Francês de Milão, em dezembro de 1967, às 18,30h.
Se nos propuséssemos hoje ao mesmo trabalho de recolocação, de atualização do ‘procedimento’ analítico, pela via de sua relação com os outros tantos discursos, certamente teríamos de, como Lacan, confessar-nos “realistas”.
É preciso levar em conta que, para o psicanalista, os outros discursos fazem parte da realidade e é só por recurso de oratória que Lacan diz “por mais espantoso que possa parecer”.
Tem nada de espantoso nisso, embora a psicanálise só aconteça na surpresa.
 E a surpresa, neste caso, não é espanto. A psicanálise joga com a “não preparação”. O que não quer dizer que não conte com a surpresa, o choque, a falta, o erro, o tropeço, o vazio, o real.
Não há compatibilidade entre esse procedimento, o psicanalítico, cujo eixo ainda e sempre é, em sua origem, aquele, solidário ao modo freudiano de intervenção, com nenhuma mística, com nenhum ‘além-realidade’, nenhum conhecimento súbito e transformante, nenhum ‘milagre’, etc, etc. No procedimento analítico, etcétera quer dizer, isso quer dizer, as demais coisas por dizer.
 Pois é exatamente das demais coisas por dizer, que a psicanálise vai tratar, a cada sessão, a cada secção, enquanto se vão dizendo, se fazendo ditas, endereçadas a um lugar suposto saber ouvi-las, pontualmente.
  “Uma regularidade quase burocrática é tudo que se exige”, diz Lacan.
Disposição de trabalho contínuo, para que, naquilo que recorta essa realidade, por se inscrever nela sob a forma do significante, a interpretação venha a incidir, e aí sim, operar alguma mudança, pelo efeito de corte.
Trabalho insistente que pode resultar, pelos seus efeitos, na possibilidade de um ato.
Ângela Porto

2 comentários:

  1. Querida Ângela,
    Adoro seus textos.
    Estou justamente realizando um trabalho sobre Lacan na minha pós e essa leitura só me enriqueceu.
    Grande abraço!
    AnaPaula

    ResponderExcluir
  2. http://tear4-psicanalise.blogspot.com24 de abril de 2011 às 07:51

    Ana Paula, se quiser, vá aos "Novos Escritos", onde Lacan trabalha mais a questão:"Da psicanálise e suas relações com a realidade", pag 350. Obrigada pela participação!

    ResponderExcluir