domingo, 10 de abril de 2011

Um blog de psicanálise, por que se vai a ele?


Quando se vai a um blog de psicanálise, repisando a questão colocada por Lacan ao falar para um numeroso público universitário que afluia aos seus seminários, será que se vai “porque têm a impressão de que aqui se enuncia algo que poderia - quem sabe? - ter consequências?”.
É interessante que Lacan chame a atenção naquele momento (1968), que não é diferente, em tese, deste nosso, quando diz que 'o princípio do ensino de Faculdade é que sejam quais forem os  temas mais ardentes da atualidade política, tudo se faça apresentar de forma a não levar a consequências'
É a própria função que satisfaz a esse princípio, o das Faculdades, nos países desenvolvidos. Manter certa homeostase. Não há tensão, nem desordem, pois o que nela se profere atende ao princípio de compreensão e assossega, via seu discurso, o que seria fora do tudo o que seu mestre mandou’.
É possível observar que o mesmo pode se dar, a título de assossegamento, nas sociedades psicanalíticas, firmemente assentadas em suas bases, onde qualquer coisa que seja proposta como questão,  para não criar tensão, seja tomada, na sua forma, como inócua ou verdadeira!
Confessa Lacan, então, de modo irônico, que, para se fazer ouvir por plateia tão numerosa e, em grande parte, iniciante, deu a sua primeira lição (Seminário do "Ato Psicanalítico") o formato universitário, quando de princípio, usou Pavlov, naquela ocasião, no intuito de “favorecer o sentimento,de compreensão” .
 E em seguida: “nada é mais estimado que o empreendimento pavloviano, muito especialmente na Faculdade de Letras. Mas afinal é daí mesmo que, de modo geral, vocês vêm. Quer dizer que é essa espécie de reconhecimento (satisfacit - que é o atestado dado por um superior como testemunho de satisfação) que não me preenche de forma alguma? [...] afinal não é isso que vocês vieram procurar.”
E o nosso público? O que vem procurar?
Quando se vai a um blog de psicanálise, será que se vai “porque têm a impressão de que aqui se enuncia algo que poderia - quem sabe? - ter consequências?”
Angela Porto

3 comentários:

  1. Angela,
    A propósito do texto de Lacan de 1968
    "o princípio do ensino de Faculdade é que sejam quais forem os temas mais ardentes da atualidade política, tudo se faça apresentar de forma a não levar a consequências'
    transcrevo aqui quase na íntegra a fala de uma amiga professora universitária - em 2009 :
    "nas reuniões de departamento , problemas sérios da atualidade política e outros como suicidios de alunos nas dependências da unversidade , não chegam nem a ser discutidos e quando são, não levam a consequência alguma "
    abraços Lucia Cuha Frota

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  2. Prezadas Ângela e Lúcia-não nos conhecemos pessoalmente ainda- mas como tenho visto poucos blogs de psicanálise-este é o 2o., aliás, 3o. de que tomo conhecimento- e gosto dos temas psicanalíticos,entrei neste também.Por coincidência sou originalmente da área de Letras e as citações me instigaram a responder.

    Permitam-me, como professora universitária, discordar dessa inconsequência que se vê no discurso da academia, pois que ela é, sim, vinculada a questões políticas e externas a si.Trabalho na UFMG há mais de 30 anos, percorri toda a carreira acadêmica, sou atualmente professora titular e coordenadora de um grande programa de pós-Graduação e fico me perguntando: a que universidade será que as pessoas se referem, quando acusam 'a universidade' genéricamente falando, de alienação social e política?

    O que um órgão colegiado de uma universidade qualquer pode fazer diante do suicídio de um de seus alunos? Muito pouco: lamentar, decretar luto;solidarizar-se com a família enlutada, popularizar o atendimento psicológico que porventura exista para que os alunos o utilizem, etc

    Quanto a quem frequenta blogs de Psicanálise: primeiro o fazem porque se interessam pelos temas psicanalíticos, como eu; segundo porque esta é a era da facilidade da comunicação, rápidíssima pelos meios eletrônicos; terceiro, a consequência, acho eu, é a comunicação.Nunca qualquer comunicação, se ocorrer, será sem consequências: ou seja, exige-se no mínimo dois para se comunicar alguma coisa.

    É o que me ocorreu e que quis partilhar com vocês.

    Meu abraço,

    Maria Antonieta Cohen -Fale/UFMG

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  3. A leitura destas primeiras lições do “Ato Psicanalítico” me conduz na direção
    dos questionamentos que o comentário da Maria Antonieta aponta.
    Primeiro, pelo que entendi, a referencia à pesquisa pavloviana em nada tem a ver com
    uma proposta de leitura de ‘comportamentos’ ou de ‘respostas subjetivas’ das pessoas ou da
    Instituições. E sim a hipótese de implicação do pesquisador, enquanto sujeito, na relação com
    os significantes – efeitos - de sua experimentação.
    E depois, a referência à Faculdade de Letras, parece-me se prestar a uma ênfase que será
    dada à diferença crucial de abordagem do ‘Significante’ pela psicanálise. E daí a conseqüência
    da implicação do sujeito nos efeitos de linguagem a que leva o Discurso do Analista, no que ele
    se distingue dos demais discursos, inclusive do Discurso Universitário.
    Fato que só nos faz trabalhar na manutenção da interlocução destes saberes. Assim é que
    entendo a importância da participação e contribuição de não-analistas nos temas e estudos da psicanálise,
    via que se reabre sempre que alguém se posiciona, em público, para responsavelmente fazer valer o
    que se faz na particularidade de nossos trabalhos.
    um abraço pra vocês.
    Lúcia Montes

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