(...) Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.
(...) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.
(Resíduo)
Há sempre um suposto saber inerente a toda a interrogação sobre o saber.
Portanto há uma transferência, que, universalmente, se instala sempre que houver uma questão a se formular. O endereçamento a algo ou a alguém, outro suposto saber de sua resposta é inevitável. Mas não é qualquer questão ou qualquer outro suposto saber que faz a estrutura da transferência que se instala em uma psicanálise.
Muito menos qualquer situação ou contingência que leva alguém a buscar uma análise.
E finalmente, não é sempre que um sujeito entra em uma análise.
Lacan diz, sobre o sujeito suposto saber, que, mais ainda, “pelo fato de que ele entra em análise, ele faz referência a um sujeito suposto saber melhor que os outros”.*
O chamativo é o “saber melhor que os outros”.
Por que “melhor que os outros”?
Não se trata de identificá-lo ao seu analista.
O que então o torna melhor que os outros no que se refere ao saber suposto ao sujeito?
E ele diz mais: “é que, imanente ao próprio ponto de partida do movimento da procura psicanalítica, há este sujeito suposto saber, e como eu o dizia há pouco, suposto saber melhor ainda”.*
Que ponto de partida?
O quê sabe melhor ainda?
Trata-se de alguma mestria?
Os dados se colocam já na origem do jogo a cuja regra o analista se submete, jogo que ele já teria jogado, aposta que já teria feito e que, agora, “finge esquecer”.
“Finge esquecer” que seu ato é causa de um novo processo, sustentando o que já “sabe” insustentável.
E o insustentável é o sujeito suposto saber, para que seja possível o único acesso a uma verdade da qual o sujeito será finalmente excluído.
Angela Porto
*Lacan, seminário XV, "O Ato psicanalítico"