sexta-feira, 28 de junho de 2013

TEXTEAR... A experiência do conceito



TEXTEAR

Como e quando a psicanálise se transmite? O que dela se escreve?

"Freud faz do "Esboço de Psicanálise" o epílogo  fascinante de sua obra. Uma nova luz é lançada sobre todos os pontos que ele aborda. Há mesmo alusões ocasionais a desenvolvimentos inteiramente novos(...) e outros a que ele dá consideração ampliada.(...) Tudo isso demonstra que, aos 82 anos de idade, Freud ainda possuía um dom espantoso de efetuar uma abordagem nova ao que poderia parecer tópicos batidos.Em parte alguma, talvez, atinge o seu estilo nível mais alto de concisão e lucidez. Todo o trabalho nos dá a sensação de liberdade em sua apresentação, o que é talvez de se esperar na última descrição, por parte de um mestre, das ideias de que foi o criador."
"Os ensinamentos da Psicanálise baseiam-se em um número incalculável de observações e experiências, e, somente alguém que tenha repetido estas observações em si próprio e em outras pessoas, acha-se em posição de chegar a um discernimento próprio sobre ela"   (Freud, Volume XXIII, páginas 167,168, Nota do Editor Inglês)

A EXPERIÊNCIA DO CONCEITO


Enquanto  passagem do privado ao público é que tomaremos o "conceito" na dimensão de um impossível em que se instaura a transmissão da psicanálise.
Mas as vicissitudes de um trabalho que faça avançar a elaboração de seus conceitos fundamentais, devem pautar-se na indicação clínica da experiência da FALTA que desfalca o sentido de um saber absoluto.

Fica aqui o convite para que cada um escreva os caminhos da sua apreensão de um conceito ou dos entrelaçamentos entre eles.

Encaminhamento de texto até 15/08/2013 para que possa ser passado a todos os participantes para leitura. O encontro será para boas conversas em torno dos escritos recebidos.

Endereço para o encaminhamento do texto :
http://tear4-psicanalise.blogspot.com 
email da blogger: angelaaraujoporto@gmail.com 

Data: 23 a 24/08/2013 (sexta à noite e sábado, pela manhã e à tarde)

Local: HOTEL FAZENDA RETIRO DAS ROSAS , Rodovia dos Inconfidentes, km 75, Cachoeira do Campo-Ouro Preto, Mg (para visualizar o Hotel, pesquisar no Google)
Informações sobre reservas do hotel: 031 3553-1331



sexta-feira, 21 de junho de 2013

A PALAVRA DE ORDEM?... caiu!


foto de Sebastião Salgado


Não põe corda no meu bloco. Não vem com seu carro-chefe. Não dê ordem ao pessoal. Não traz lema nem divisa, que a gente não precisa que organizem nosso carnaval...” (João Bosco – ‘Plataforma’)

Em queda livre, arrebentando ‘as correntes que envolvem o amanhã’, a ‘palavra de ordem’ do país dos governantes felizes perdeu-se em meio a uma multidão de pessoas que neste raiar junino, seriamente, assumem o IPTU de seus próprios e legítimos territórios.
A Rua agora tem nomes, é Plural.
 Homens e mulheres, cidadãos, mais que eleitores, apresentam-se em nome próprio por uma causa pública, fazendo da língua das avenidas o coletivo de Cidadão.
Na exterioridade escancarada do gesto, em praça pública, o ato de cada um passa à ata. Eleva-se ao estatuto de um registro-presença que revela e restaura a diferença que faz agenciar os fatos.
 Fazer história.

 “E no entanto é preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar. É preciso cantar e alegrar a cidade.” (Vinicius de Morais e Carlos Lyra)

Do ‘face’ fez-se o face-a-face.
Quando uma palavra de ordem cai, a seriedade da coisa aparece, mostra a cara, revela alguém, que num cartaz na multidão escreve seu lugar, sua voz, de onde veio.
Escreve-se a voz na multidão. 
E porque esta coisa que acontece não tem nome nem crachá, quando cai a palavra que cercava seu sentido único, ela então se avizinha do seu bom lugar. Começa a se parecer mais com seus legítimos representantes: uma série de outras palavras que falam de outras coisas... esquecidas, pacientemente guardadas.... ou, não ouvidas pelo, e no, descaso do interlocutor.
Em nosso caso agora, no Brasil, a coisa pública se atualiza em ato.
 Em nome próprio o particular dá as mãos ao particular e faz série na diferença da exigência do respeito.
Ninguém está pedindo nada. Queremos cuidar de nossos jardins. Queremos falar do que nunca deixamos de saber. Cada um na experiência do seu lugar, do seu desejo de fazer diferente.
Sair de casa, encontrar a segurança na praça povoada de ‘outras palavras’, que direcionem novos rumos... Para onde?
Não saberemos antes. 
Mas sabemos que partimos do princípio da coragem.

Acreditar na existência dourada do sol,[...]
Todo esse tempo foi igual a dormir num navio,
sem fazer movimento,
mas tecendo o fio da água e do vento....”  (João Bosco – “Rumbando” - 1976)  

Lúcia Montes



terça-feira, 18 de junho de 2013

“PASSE LIVRE” E O RETORNO DO “IMPOSTO”



 “Nosso país vai de vento em popa, em franco e sustentável crescimento....” é o que dizem os governantes. Mas em alto e enérgico tom as ruas reverberam que “A Conta Não Fechou!”.
“Quando as coisas vão muito bem, é bem possível que o sujeito vá muito mal”, alertava o velho Lacan quanto a esta história de se valer apenas dos bens da cultura em detrimento do desejo. Bom leitor e guardião que foi do pensamento de que o sujeito deverá, em algum momento, ser inserido na contabilidade e cálculo da história que ele conta e faz..., a história de seu próprio Tempo.
É lógico e necessário o “vinte centavos” na equação Brasil, que entre a acumulação de bens e a distribuição de renda, traz à luz a contagem decisiva do desejo de uma nação, que descompleta a ordem no progresso da coalizão discursiva do advento de um ‘novo império econômico’ chamado ‘nosso país’. Tributo imposto à ponta mais esticada, esgarçada e explorada na camada do pré-sal social. Discurso este que não é nada mais além de uma reinvenção ‘populista’ da antiga impostura do ‘coronelismo brasileiro’ que, em sua tosca perversidade de fazer política, mascara-se na sedutora dimensão servil
da bolsa, que  tudo cala: a família, a escola, a miséria e o respeito.
do crédito, que tudo compra: sua casa, sua vida, seu carro e seu voto.
Todo este trabalho sobre o arbitrário e excedente “vinte centavos” , da tarifa do coletivo, deve nos levar mais além do “passe livre” reivindicado como palavra de ordem. Retorno do recalcado.... “vinte centavos” convoca e exige o retorno do “imposto” devido aos cidadãos deste país, que querem com seu trabalho crescer em sua dignidade de escolha, de seu modo de viver, de seu ir e vir, de seu lazer.
A voz da rua que ontem não me deixou dormir, desperta em mim hoje os sonhos que, com o frescor de um certo entusiasmo, constato que não deixei morrer.
Deve ser isto o indestrutível do desejo, o que está fixado, radicado, na força que nos fez brotar de uma escolha entre humano e inumano , entre mundo e imundo, entre silêncio e voz.

Lúcia Montes



quarta-feira, 1 de maio de 2013

Não é com a faca que dissecamos, mas com conceitos...






Na abertura de seu Seminário, Livro 1, Os escritos técnicos de Freud, Lacan, nos seus comentários lembra que o pensamento de Freud é o mais perpetuamente aberto à revisão.
E diz: "É um erro reduzi-lo a palavras gastas. Nele, cada noção possui vida própria"

Freud “ousou dar importância àquilo que lhe acontecia, às antinomias da sua infância, às suas perturbações neuróticas, aos seus sonhos. Daí ser Freud para todos nós um homem que, como cada um, está colocado no meio de todas as contingências – a morte, a mulher, o pai. Isso constitui uma volta ‘as fontes e mal merece o título de ciência. O mesmo se dá para a Psicanálise e para a arte do bom cozinheiro, que sabe cortar bem  o animal, destacar a articulação com a menor resistência. Sabemos que há, para cada estrutura, um modo de conceitualização que lhe é próprio....” “ Temos de nos aperceber de que não é com a faca que dissecamos, mas com conceitos. Os conceitos têm sua ordem de  realidade original. Não surgem da experiência humana – senão seriam bem feitos. As primeiras denominações surgem das próprias palavras, são instrumentos para delinear as coisas.” “Toda ciência permanece, pois, muito tempo nas trevas, entravada na linguagem.”
 Mas Freud se impôs submeter-se à disciplina dos fatos, afastando-se da má linguagem, quando se vale da experiência. Desde a origem, sabe que só fará progressos na análise das neuroses se se analisar." (Lacan, Seminário 1, página 10)

sábado, 27 de abril de 2013

Como e quando a psicanálise se transmite? ...questões para um encontro





Escrever. Não posso.
                                                           Ninguém pode.
                                                           É preciso dizer: não se pode.
                                                           E se escreve.
                                                                       Marguerite Duras in: Escrever, 1994.

Quando o pintor Fontana fundou o movimento “espacialista” italiano, passando a atacar telas  brancas com golpes de giletes, depois de uma longa carreira, aureolada por museus e salas burguesas, seu  fornecedor de telas, em Milão, fez-lhe observar um dia que, ele mesmo, o próprio fornecedor ,ou, na verdade, qualquer um, poderia fazer o mesmo, produzindo as “giletadas”, que vinham fazendo   a fama do mestre. Fontana, bem humorado, respondeu: “Certamente, mas as que você produziria seriam falsas.”(Referência retirada da anedota citada no editorial do Boletim da APPOA, ano 2, no5, 1991)
Resposta pertinente, pois a arte consiste no ato, mais que na obra.
Da mesma forma, Marcel Duchamp (1887-1968), vanguardista de nosso século, cujo trabalho consistia no gesto de, tomado um artefato industrial de uso comum (é conhecida a obra do artista feita de um mictório) transformá-lo num ready-made. O objeto, uma vez assinado, transformava-se em obra.. A mestria da qual ele é testemunha não é a da forma, mas a do ato que, arrancando-o do uso comum, cotidiano, o institui, deixando perplexo o observador! Assim, também, os objetos depois de instalados em museus, vão aos poucos empalidecendo seus efeitos...
Alguma relação com a interpretação, a suspensão do recalque, o ato analítico?
Certamente levar uma peça de banheiro para uma exposição de arte, atrai polêmica! Um mictório não é uma peça bonita por si só, embora isso possa ser discutido, mas Duchamp buscava, na arte, o mais além do belo. Como ele mesmo se expressa:
[..].transformar todas as manifestações externas de energia, em excesso ou desperdiçadas, como por exemplo...o crescimento dos cabelos ou das unhas, a queda da urina ou das fezes, os movimentos impulsivos do medo, do assombro, do riso, da queda da lágrima, os gestos das mãos, o olhar frio, o ronco ao se dormir, a ejaculação, o vômito, o desmaio, etc.

Dizem que Duchamp, depois de oferecer aos seus convidados  preciosos charutos assinados por ele – imaginem que estes já os sonhavam em redomas de vidro ou vendidos a colecionadores – impunha que eles o fumassem na ocasião.

Não pretendemos ensinar aos analistas o que é pensar. Eles o sabem. Mas não é que o tenham compreendido por si. Aprenderam essa lição com os psicólogos. O pensamento é uma tentativa de ação, repetem eles gentilmente. (O próprio Freud cai nessa esparrela, o que não o impede de ser um pensador rigoroso e cuja ação se consuma no pensamento.) A bem da verdade o pensamento dos analistas é uma ação que se desfaz. O que deixa certa esperança de que, se os fizermos pensar nisso, eles, ao retomá-la, acabem repensando-a.( LACAN, J. A direção do tratamento. In: LACAN, J. Escritos, Rio da Janeiro, Jorge Zahar, 1998, p. 622.)

Poder-se-ia dizer que a regra fundamental, da associação “livre”, da escuta, e, não, a ausculta do analista, como aquele que sustenta a demanda, introduz a possibilidade de a análise, como deslizamento significante, tornar-se passível de ser propagada, difundida, isto é, multiplicada, reproduzida por geração, dilatada, desenvolvendo-se por contágio, proximidade.Da mesma forma, se, com a oferta de escutar, o analista cria a demanda de o sujeito se dizer, de “ser curado, de ser revelado a si mesmo, de ser levado a conhecer a psicanálise, de ser habilitado como analista,” poder-se-ia, como faz questão de enfatizar Lacan, conseguir o que, no comércio comum, tanto se pretenderia realizar!
Conseguiríamos dizer que a psicanálise, sim, com certeza, se pode divulgar! Vulgarizá-la, criar demandas com ofertas a granel e no atacado, na mídia, e ao modo quick de nosso tempo, em todo canto e lugar. Basta acreditar na simples regra analítica como motor da transferência, basta acreditar no amor e na demanda que nunca há de cessar, já que o sujeito nunca fez outra coisa além de demandar? Aliás, o sujeito só se constituiu e só pôde viver por isso?
Como e quando, entretanto, a psicanálise se transmite? O que dela se escreve?     

O quê e como um analista transmite, então, mais além da 'divulgação', mais além da 'propagação', mais além do amor e dos significantes, do 'intercâmbio', da 'dialética da interlocução', mais além do 'pensamento', pois ele só o é – o analista –  quando não pensa?
Ângela Porto

domingo, 14 de abril de 2013

A OUTRA ESCRITA ou...que as crianças cantem livres!...





Volpi, aniversário de 117 anos

Respondendo a um comentário prévio que fiz sobre um texto de Solange, ela me envia este, muito oportuno neste momento de nosso trabalho como blogueira do Tear 4, incumbida do registro de  um estudo, do movimento e das contribuições que ele provoca...

Ângela,

Vá em frente, esses textos não estão comprometidos com ninguém. Vou guardando, uma vez que o Ronald os aprecia e tem esperanças de um dia publicá-los. Não mandei nada para o seu blog, porque não considero os meus textos atuais bastante "psicanalíticos", enquanto meus colegas de curso e as pessoas em geral que o leem acham que trazem sempre um "ranço" psicanalítico. É, pode ser, mas, foi dessa fonte que eu bebi. Cumé que eu vou negar, né, amiga? E já que você gostou, mando-lhe um outro. Sua opinião é muito importante pra mim. Na verdade, a intenção do Ronald com o curso dele é fazer com que a gente produza o mais livremente possível, sem censuras, atrelados a coisa nenhuma, ele evita até corrigir o português. Escrever é uma coceirinha de bicho de pé. Uma dor e um prazer ao mesmo tempo, a gente só não fica indiferente, uma vez que o bichinho deu o ar da graça. Grande abraço, SOL PS- Também tenho uma dificuldade enorme, com esse aparelhim aqui, esse negócio de recorta, cola, bota, tira, fico completamente perdida, só sei escrever o texto, corrigir, salvar, arquivar. E pronto. Era paleológica!

A OUTRA ESCRITA

"Bebi as palavras com o leite materno. Me lambuzei delas. Eram esses sons mágicos que me afagavam, que afastavam meus medos, que me aconchegavam, me acusavam, me nomeavam. Eu era falada como todas as criancinhas no mundo, antes de falar, e ao absorver essa fala  a adotei como minha. É minha escrita no mundo. Mas como o hadish árabe MAKTUB – está escrito, periga ficarmos enquistados nesse beco sem saída do pau que nasce torto. Maktub. E seguimos repetindo essa escrita. Não sou diferente, venho vestindo alegremente o modelito apertado dessa escritura paralisante, sufocante. Sou, como você, objeto de uma cultura, assujeitada a um discurso familiar e social, inserida numa fala, numa história. Nada contra. Todo mundo embarca nessa canoa furada. É a única que existe. Mas é aí que me rebelo. Não quero ser só objeto. Posso ser sujeito. Quero atracar em outros portos. E aí escrevo, me inscrevo numa nova escrita.
Não sei como, nem quando as costuras dessa escrita familiar e social começam a estourar. E a rebeldia de um novo discurso vai surgindo, surpreendente, desconcertante. As palavras velhas me dizem coisas novas, têm um novo formato. Escrevo. Não me descrevo. Nessa hora não sei direito quem sou. No lodo do inconsciente as palavras minhocas pululam e se retorcem até virem à tona. O anzol do desejo fisga-as, apesar de mim. Não as escolho porque não as possuo. Elas me possuem. Escrevo porque sou escrava. Escrava da liberdade de uma nova escrita, que me rói e destrói essa vontade malemolente de não me envolver. E ao escrever, me afasto do particípio passado dessa antiga escrita paralisante. Resisto, mas o alcatrão das palavras já tomou conta do meu pulmão. Uma vez inspirada, a fumaça das ideias já se insinuou e se espalhou pelo meu organismo. A nicotina da compulsão não deixa escolha. Mesmo que eu tenha outras dez culpas, desta já estou absolvida, tenho indulgencia plenária. Escrevo porque sou incompleta. Escrevo por esse mal estar gigante. Escrevo porque não sou nada disso e sou tudo isso. Escrevo porque não dá mais pra segurar as velhas palavras me mostrando novos sentidos, me abrindo feridas e possibilidades. As palavras seguram a minha mão e acendem a luz para que eu não tenha de enfrentar o vazio do escuro. Escrevo porque existe a angustia de não saber. E é com palavras que construo essa débil e escorregadia ponte que me permite atravessar fronteiras. Escrevo porque me faltam certezas e a dúvida me corrói. Pra arrefecer o mal estar desse lugar incômodo, forro com palavras o chão do meu desejo. Não passa de uma tentativa. 
Afinal,
"Pode não ser esse calor o que faz mal,
Pode não ser essa gravata o que sufoca
 Ou essa falta de dinheiro que é fatal”  *"

*Taiguara “Que as crianças cantem livres”

Maria Solange Amado Ladeira    25/09/12

sexta-feira, 12 de abril de 2013

É como desejo do Outro que o desejo do homem ganha forma...







"Vim ...duas vezes, como prometi à minha mãe"...
"Minha mãe me disse para eu 'ajudá-la', vindo menos à minha análise...ela está 'apertada'..."
"Minha mãe acha que eu preciso..."

“Com efeito, é muito simplesmente – e diremos em que sentido – como desejo do Outro que o desejo do homem ganha forma, porém, antes de mais nada, somente guardando uma opacidade subjetiva, para representar nele a necessidade. Opacidade que diremos de que maneira constitui como que a substância do desejo.
O desejo se esboça na margem em que a demanda se rasga da necessidade: essa margem é a que a demanda, cujo apelo não pode ser incondicional senão em relação ao Outro, abre sob a forma da possível falha que a necessidade pode aí introduzir, por não haver satisfação universal (o que é chamado de angústia). Margem que, embora sendo linear, deixa transparecer sua vertigem, por mais que seja coberta pelo pisoteio de elefante do capricho do Outro. É esse capricho, no entanto, que introduz o fantasma da Onipotência, não do sujeito, mas do Outro em que se instala sua demanda ( já era tempo de esse clichê imbecil ser recolocado de uma vez por todas, e por todos, em seu devido lugar), e , juntamente com esse fantasma, a necessidade de seu refreamento pela Lei.”

Interessante, longo e definitivo parágrafo da “Subversão do sujeito e dialética do desejo”, que contem, no seu desenvolvimento, praticamente todos os princípios da constituição do sujeito, de sua alienação significante, de suas relações com a fantasia, na particularidade de sua demanda, e, até, o direcionamento ético da experiência analítica, e se o quisermos assim aprofundar, o lugar e a implicação também definitiva do analista, desde a transferência, em todo o processo.
                Vejamos algumas colocações breves do parágrafo:
“ ...é como desejo do Outro que o desejo do homem ganha forma...”
Não há constituição possível do sujeito, desde que tomemos o inconsciente estruturado como linguagem, sem o concurso do Outro, lugar do tesouro dos significantes, ao qual, desde sempre e para sempre o sujeito estará a-sujeitado, como falante. É desse Outro que o sujeito recebe a própria mensagem que emite, esse Outro que também é testemunha da Verdade, da ficção posta como Verdade, da estrutura de ficção que institui e incumbe a realidade de sua versão particular e fantasmática.
O desejo do homem “ganha forma”, fôrma engendrada pelo que, “do Outro”, o subjuga radicalmente.
“Do Outro” também indica a pertinência fantasmática a que o sujeito, desta posição de opacidade subjetiva, pode fazer-se experimentar, no fantasma, como objeto do desejo do Outro.
 “O desejo se esboça na margem em que a demanda se rasga da necessidade..Margem que embora sendo linear, deixa transparecer sua vertigem...por mais que seja coberta pelo pisoteio de elefante do capricho do Outro”
Vertigem: sensação de falta de equilíbrio no espaço, que faz parecer ao indivíduo girarem todos os objetos á  sua volta;desmaio,desfalecimento, síncope, delíquio(liquefação de um corpo sólido).(dicionário informal, on-line)
Lacan aqui se refere ao papel tamponador do fantasma, onde, de seu desejo, o sujeito se esquiva, como objeto. ($<>a)
E aqui é interessante considerar que o “refreamento pela Lei” a que Lacan se refere, inclui levar em conta a autonomia do desejo e a mediação que o mesmo é capaz de fazer por inverter o incondicional da demanda de amor pelo qual o sujeito permaneceria sob o jugo do Outro, para “elevá-lo à potência da condição absoluta” ( onde o absoluto quer dizer desprendimento).
Isto quer dizer que, é preciso extrair do fantasma os “índices de uma significação absoluta”. Fazer isso é romper o elemento fonemático constituído pela unidade significante até seu átomo literal. A fórmula do fantasma é introduzida para permitir um sem número de leituras das relações entre sujeito e objeto, na sua particularidade radical, até o esvaziamento da demanda.
Para o que, conta-se com um analista.

 Ângela Porto