quarta-feira, 28 de setembro de 2011

a-ventura subjetiva significante...e o momento em que as palavras acabam...


...“Chama-se a ‘castração’, que deve ser tomada em sua dimensão de experiência subjetiva, na medida em que canto algum, se não for por esta via, o sujeito não se realiza. Refiro-me ao sujeito, claro.Esse sujeito não se realiza exatamente senão enquanto falta, o que quer dizer que a experiência subjetiva desemboca nisto que simbolizamos por –phi.... e que esse ‘existe’ em questão, esse ‘existe’ de uma falta, é preciso encarná-lo no que lhe dá efetivamente seu nome: a castração. Trata-se, portanto de uma experiência limitada, de uma experiência lógica e, afinal, por que não? Já que, por um instante, saltamos para o outro plano, para o plano da relação do vivo a si mesmo, que nós só abordamos pelo esquema dessa aventura subjetiva, é preciso lembrar aqui que, do ponto de vista do vivo, tudo isso, afinal, pode ser considerado como um artefato”.(Lacan,J. Seminário XV: O Ato analítico - Seminário de 17 de janeiro de 1968. Pg. 98.)<쏤ˊ>

A experiência subjetiva de castração no percurso analítico será esse momento lógico do discurso quando as palavras acabam. Chega-se a um discurso sem palavras realizado através do esvaziamento do registro imaginário, pela via desta operação lógica, endereçado ao SSS analista. O saber discursivo tem um ponto de basta, que retorna o endereçamento a si mesmo. É nesse momento que saltamos para o plano da relação do vivo a si mesmo. A verdade do corpo vivo emerge, algo da materialidade do vivo-real fora da cadeia significante simbólica - esse saber hereditário instintual. Ao ponto de basta do saber (o saber inclui um não-saber) se abre à dimensão do plano da verdade (sexo e morte) – que não se articula ao saber, mas que pela descontinuidade a ele abre-se uma nova perspectiva lógica: um saber/verdade não-todo possível de articulação no discurso. 
O significado da palavra artefato é: produto ou obra do trabalho mecânico, que podemos acrescentar - produto ou obra do trabalho mecânico que opera a linguagem.
A experiência lógica é um artefato linguístico para o vivo, que conseguiu se superar enquanto vivo real se desdobrando na possibilidade da linguagem simbólica. A linguagem e a representação psíquica são um artefato, que possibilitam a abordagem do vivo através de sua aventura subjetiva, o sujeito-vivo 'intocado pelos efeitos radicais da linguagem’ (Ângela Porto in http://tear4-psicanalise.blogspot.com/2011/09/o-campo-limitado-que-e-o-da-psicanalise.html ) se lança em sua aventura...
Inicialmente alienado, e pós-análise, funcionando como objeto ‘a’, causa de desejo – sujeito barrado que se realizou como sujeito da castração. Durante o trajeto analítico, a falta inicial se transmutará em perda. Durante a passagem do funcionamento do aparelho psíquico do processo primário, para a tradução linguística necessária - processo secundário, se perderá muita informação sensória (percebida pelos 5 sentidos) e motora, impossíveis de tradução – os objetos ‘a’. Esses serão o resultado desta passagem pelo filtro da realidade psíquica. O sujeito do inconsciente, tal como temos acesso, será produto dessa passagem (estruturado como linguagem) e é nesse momento onde restam inúmeros ‘a’ que o sujeito se testemunhará enquanto perda – objeto ‘a’.
O objeto ‘a’ enquanto resto de uma operação linguística evidencia a dissimetria entre dois campos/registros/planos: o psiquismo e o corpo, o sujeito e o outro, o particular e o universal, etc... Ao mesmo tempo, se o pensarmos como intervalo, como espaço da descontinuidade, aí estará a possibilidade da articulação entre dois campos heterogêneos, articulação que sempre aponta para a impossibilidade da complementaridade.
É de todo des-encontro entre campos/registros/planos heterodoxos que resulta a perda de informação não possível de ser traduzida de um registro para o outro. Esses restos não traduzíveis, não articuláveis são os objetos pequenos ‘a’. E sua função, ao final da análise, esvaziados de sua 'substância',  é a de promover o movimento.
Nesse substrato de objetos ‘a’, o sujeito se vale das articulações possíveis para funcionar como sujeito falante, entendendo o resultado da linguagem como uma tentativa, uma possibilidade de ser. Ser enquanto efeito de linguagem, de um significante que o representa para outro significante. Isso modifica sua posição enquanto falante, já que não existe uma só maneira de se falar e escutar algo. O equívoco intrínseco inerente da linguagem está a serviço do ser... Isso é libertador porque põe em pauta o que está fora linguagem e as possibilidades incomensuráveis para a articulação significante, apesar das perdas e graças a elas. O ser se lança em sua a-ventura subjetiva significante a-cerca dos objetos ‘a’, a-través do artefato linguístico...
 Freud nos lembrou dos 3 grandes golpes sofridos pela humanidade em seu narcisismo: o golpe cosmológico, quando Copérnico (Sec. XV) desfaz o pensamento de que a terra era o centro do universo; o golpe biológico, quando Darwin (final Sec. XIX) demonstra que o homem não é superior aos animais e sim descende deles; e o golpe psicológico, onde Freud (início Sec. XX) retira do homem sua posição de consciência, dono de si, dizendo: “O eu não é o senhor em sua própria casa”, mostrando que a sexualidade e o inconsciente não são passíveis de domínio e que são eles que determinam a vida psíquica.*
 Lacan vem nos lembrar, com a aventura significante subjetiva, esse redimensionamento humano através do reconhecimento de seu funcionamento via perdas, pelo radical golpe linguístico do significante... Podemos ser, enquanto efeito de linguagem...


*Freud, “Uma dificuldade no caminho da Psicanálise”, (1917),
Simone Caporali Ribeiro

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