“ É um estranho par de palavras, que, para dizer a verdade, não tem sido usado até hoje.”
Com essas palavras Lacan inicia o Seminário do “Ato Psicanalítico”, quando manifesta sua preocupação com os rumos tomados pela psicanálise, não só nos Estados Unidos como na França. Inicia o que ele chama de uma “operação de varredura “, a fim de situar o ato, estabelecendo seu limite em relação à ação.
O ato psicanalítico não é um agir, uma ação física situada com referência na motricidade. Ele tem a função de implicar o sujeito num fazer, pois é um ato que provoca a subversão do sujeito perante seu saber e “ é ligado à determinação do começo e, muito especialmente, ali onde há necessidade de fazer um, precisamente porque não existe “ (Lacan, Seminário do Ato Psicanalítico, 22/11/68- pag 78 )
”Da natureza deste ato dependem conseqüências as mais sérias quanto ao que resulta da posição que se deve manter, para estar apto para exercê-lo “ (Lacan, Seminário do Ato Psicanalítico, 22-11-1967, pag 23 )
O ato psicanalítico diz respeito àqueles que não fazem dele uma profissão. Fazer do ato psicanalítico uma profissão resulta em sentir-se assegurado profissionalmente numa posição social idealizada, num determinado lugar, num cartão de apresentação, num contrato de aluguel. A clínica nos aponta para outra direção, quando assumimos que a psicanálise não é uma profissão, mas uma função, onde o analista ocupa o lugar do sujeito suposto saber. Trata-se de uma posição, em relação ao saber, diferente das outras ciências, onde não há um saber antecipado sobre o sujeito.
É no cada dia da clínica, na escuta de cada sujeito em transferência que o analista retira o seu saber, “saber aquilo que não se sabe" e é, num após, que ele pode pensar de que maneira ele escutou e como suas angústias, seus fantasmas, seu imediatismo podem interferir na escuta dos pacientes. Escuta que não é filtrada por padrões morais, legais, não tem um objetivo de direcionar ou dar conselho, não pode ser imediatista, pois o resultado do ato só se dá a posteriori e, dele, o analista não tem notícia.
Lacan no inicio de suas formulações sobre o ato psicanalítico, faz referência ao ato em suas coordenadas simbólicas, “pois na dimensão do ato vem logo à baila [...]a inscrição em lugar do significante que, na verdade, não falta jamais no que constitui um ato”( lição de 15-11-1967 ). Na lição de 22 -11-1967 reafirma que tudo que se disse sobre ato sintomático recai sobre esta dimensão “que colocamos como constitutiva de todo ato, a saber, sua dimensão significante ,nada é introduzido relativamente ao ato[...] senão isto: que ele é colocado como significante” .
O sujeito que procura uma análise já vem inscrito no mundo por um efeito significante e traz consigo um saber universal. Saber determinado pela cultura e pelos ideais que sustentam uma cultura, “algo fabricado pelo discurso universalizante do amor, da religião. do mercado comum”( http://tear4-psicanalise.blogspot.com/2011/08/em-que-psicanalise-pode-tocar-o.html) .
E é desse lugar de saber que o sujeito fala do seu sintoma, num discurso repetitivo carregado de gozo, pois por trás de todo sofrimento há sempre um tantinho de gozo. E é no trabalho analítico onde analista e analisante estão implicados numa experiência de discurso, que a palavra pode possibilitar o acesso ao inconsciente.
Mas Lacan diz que não é simples assim, pois o significante “toma seu valor sua articulação de ato significativo com relação ao que Freud então introduziu como inconsciente” (lição de 22-11-67, pag 28) e para Freud o inconsciente é o real.
Lacan propõe tratar o real pelo simbólico. É a palavra que permite aceder a esse real e ‘desocultar’ a verdade, porém não plenamente.
“Dizê-la toda é impossível, materialmente: faltam as palavras. É justamente por esse impossível que a verdade provém do real”(Lacan in Televisão, pag 11)
O ato analítico vai colocar em cheque os significantes que contam a história do sujeito, significantes que estão presentes no inconsciente de forma apagada e estão lá [..] “para obturar um buraco que só esta lá se não se pensa nele...] [...] “ou bem o ato vai precisamente no que se trata de atacar , de abalar, seu sentido ao abrigo da inabilidade da falta” (lição de 22-11-67, pag 28 de “O Ato psicanalítico” )
O ato psicanalítico é palavra e corte.
Lucia Cunha Frota
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