segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Ato analítico, estranho par de palavras...


“ É um  estranho par de palavras, que, para  dizer a verdade, não tem sido usado até hoje.”
Com essas palavras  Lacan inicia o Seminário do “Ato Psicanalítico”, quando manifesta  sua preocupação com os rumos tomados pela psicanálise, não só nos Estados Unidos como na França. Inicia o que ele chama  de  uma  “operação de varredura “, a fim de situar o ato, estabelecendo seu  limite em relação à ação.
  O  ato psicanalítico  não é um agir, uma ação física situada com referência na motricidade.   Ele  tem a função de implicar o sujeito num fazer, pois é um ato que provoca a subversão do sujeito perante seu saber e  é  ligado à determinação do começo e, muito especialmente, ali  onde há necessidade  de fazer  um, precisamente  porque não existe(Lacan, Seminário do Ato Psicanalítico, 22/11/68- pag 78 )  
”Da natureza deste ato  dependem conseqüências  as mais sérias  quanto ao que resulta da posição que se deve manter, para estar  apto para exercê-lo (Lacan, Seminário do Ato Psicanalítico, 22-11-1967, pag 23 )
 O ato psicanalítico diz respeito àqueles que não fazem dele  uma profissão.    Fazer do ato psicanalítico uma  profissão  resulta em sentir-se assegurado  profissionalmente numa posição  social idealizada, num determinado  lugar, num cartão de  apresentação, num contrato de  aluguel.  A clínica  nos   aponta   para outra  direção,  quando assumimos que a psicanálise não é uma  profissão, mas uma  função, onde  o analista  ocupa  o lugar do sujeito suposto saber. Trata-se  de uma posição,  em relação ao saber, diferente das outras ciências,   onde não há um saber antecipado  sobre o sujeito.
É no cada dia da clínica, na  escuta de cada   sujeito em  transferência  que o analista retira o seu saber, “saber aquilo que não se sabe" e é, num após,  que ele  pode  pensar de que  maneira ele escutou e como  suas  angústias, seus fantasmas, seu  imediatismo  podem  interferir  na  escuta dos pacientes.  Escuta que não é  filtrada  por padrões  morais, legais, não tem um objetivo de direcionar ou dar conselho, não  pode ser imediatista, pois  o resultado do ato só se dá a posteriori e, dele, o analista não tem notícia.
Lacan no  inicio de suas formulações sobre o ato psicanalítico, faz referência ao ato em suas coordenadas simbólicas, “pois na  dimensão  do ato vem  logo à baila [...]a  inscrição em lugar do significante  que, na verdade, não  falta jamais no  que constitui  um ato”( lição de 15-11-1967 ).  Na lição de 22 -11-1967 reafirma que tudo que se disse  sobre  ato sintomático recai sobre esta dimensão  que colocamos  como constitutiva de todo ato, a saber, sua  dimensão significante ,nada  é  introduzido  relativamente ao ato[...] senão isto: que ele é colocado  como significante” .
 O sujeito  que procura uma análise    vem inscrito no mundo por um efeito significante e traz consigo um saber universal. Saber determinado pela cultura e pelos ideais  que sustentam uma  cultura,  algo fabricado pelo discurso universalizante  do amor, da religião. do mercado comum”( http://tear4-psicanalise.blogspot.com/2011/08/em-que-psicanalise-pode-tocar-o.html) .
 E é desse lugar de saber  que o sujeito fala do seu sintoma, num discurso  repetitivo carregado de  gozo, pois  por trás de todo  sofrimento  há sempre um tantinho de gozo.  E é no trabalho analítico onde analista e analisante estão implicados numa  experiência de  discurso,  que a  palavra  pode possibilitar o acesso  ao inconsciente.
 Mas Lacan diz que não é simples assim,  pois o significante “toma  seu valor  sua articulação de ato   significativo com relação ao que Freud  então introduziu como inconsciente” (lição de  22-11-67, pag 28)  e para  Freud o inconsciente  é o real.
Lacan propõe tratar o real pelo simbólico.  É a palavra  que permite aceder a esse real e ‘desocultar’ a verdade,  porém não plenamente.
 Dizê-la toda é impossível, materialmente: faltam as palavras. É justamente  por esse  impossível que a verdade provém do real”(Lacan in Televisão, pag 11)   
 O  ato analítico vai colocar em cheque  os significantes que contam a história do sujeito,  significantes que  estão presentes no inconsciente  de  forma apagada  e estão lá  [..] “para obturar um buraco que  só esta lá se não  se pensa nele...]  [...]  “ou bem  o ato vai precisamente  no que se trata de atacar , de abalar, seu  sentido ao abrigo da inabilidade da falta” (lição de 22-11-67, pag 28 de  “O Ato psicanalítico” )
O ato psicanalítico é palavra e corte.

Lucia Cunha Frota

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