sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

consumidores, assinantes, fidelizados, clientes preferenciais, retirados da miséria, usuários, mascarados de aluguel, credenciados da bolsa, nova classe consumidora, inquilinos do programa, manifestantes-eleitores, etc, etc, etc.... etc e tal.

                             
                                                        ...consumidores, assinantes, fidelizados, clientes preferenciais, retirados da miséria, usuários, mascarados de aluguel, credenciados da bolsa, nova classe consumidora, inquilinos do programa, manifestantes-eleitores, etc, etc, etc.... etc e tal.
Está formado, para mais um carnaval à brasileira, o massa-bloco da democrática distribuição de renda nacional.
 Mass-block, pode parecer redundante, mas vamos nomear assim o efeito lacrimogêneo da ambiguidade discursiva corrente, que cega e desvanece qualquer tentativa, manifesta ou latente, de se agenciar uma posição própria frente às nossa inquietações da vida cotidiana.
Sujeitados às várias nomeações de catalogação da burocracia vigente em nossa sociedade, vamos nos deixando encobrir pelo véu de um discurso quase soberano no reino das determinações do estilo de vida, pelo consumo.
Mecanismo próprio da formulação freudiana de que o objeto teria a genuína propriedade de apagar o desejo.
 E assim, nos entrecruzamentos do uso da linguagem com o abuso da comunicação, um enxame de apelos, por aparências cada vez mais sólidas, dissolve nossos sonhos mais particulares em ilusões de vitrines virtuais coletivas.
Os agenciadores deste discurso, ao modo de uma paixão pela mentira, para assim travestirem o ser, forçam passagem a uma atuação de comportamentos que encarnem uma espécie de ocultação, que por ser ocultação de nada, vela sua vontade de gozo levada ao extremo da cruel submissão popular.
 Nada disso é sem saber. Às vezes sinistro, ás vezes camuflado. Mas é um 'saber compor' a máscara e a cena que incitam ao respeito e suscitam cumplicidades.
'Ocultar nada' é a afirmação desmedida, e, paradoxalmente calculada, das evidências do exercício nefasto do poder de gozo. A força quase bruta desta ocultação só faz perseverar, nos indivíduos, a indução do seu desaparecimento subjetivo, ao conceder ao Outro todo o lugar e toda a decisão. 
Com efeito, esse discurso, que no caso poderíamos chamar de discurso do capitalista, na medida em que ele é uma determinação do discurso do mestre, encontra antes, aí, seu complemento. Longe de o discurso do capitalista se sair pior pelo reconhecimento como tal da mais-valia, parece que nem por isso ele deixa de subsistir, já que, aliás, um capitalismo retomado num discurso do mestre é justamente o que parece distinguir as conseqüências que resultaram, sob a forma de uma revolução política, da denúncia marxista do que se passa com um certo discurso do semblante.”
Falei do semblante, e disse alguma coisa que não é corriqueira nas ruas.
Apoiei-me inicialmente em que o semblante, que se mostra pelo que é, vem a ser a função primária da verdade. Há um certo ‘eu falo’ que faz isso, e não é inútil lembrá-lo para dar sua justa situação a essa verdade que cria tantas dificuldades lógicas.
É ainda mais importante lembrar isso porque, se há em Freud algo de revolucionário – digamos, para designar assim um certo tom, pois já adverti contra o uso abusivo da palavra –, se houve um momento em que Freud foi revolucionário, foi na medida em que ele pôs em primeiro plano uma Função que é também a sugerida por Marx – aliás, esse é o único elemento que eles têm em comum –, ou seja, considerar um certo número de fatos como sintomas.
A dimensão do sintoma é isso que fala. Fala inclusive com os que não sabem ouvir. E não diz tudo, nem mesmo aos que o sabem”  [ J. Lacan ]  
Citações extraídas do livro 18, “de um discurso que não seria do semblante”, do Seminário.

É este o estudo que, aberto a quem queira dele participar, propomos iniciar neste semestre, pela leitura passo a passo de cada lição, no cotejamento da tradução oficial com outras publicações editadas em francês,  fora de comércio,  por psicanalistas que freqüentaram estas aulas de Lacan, de 1971, em Paris.

2 comentários:

  1. ah esse texto tá um espetáculo, que coisa! adorei! Esse tear4 é um recanto do tesouro escondido.
    bj e obrigada Lucia
    Adriana Galuppo

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  2. Lucia, por alguma razão que é das letras e não das palavras, reconheci neste pequeno texto de Mia Couto, um tom do que você, com seu texto, me transmitiu desse tempo e desse modo que nos vive hoje... "O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma. Confrontados com a ausência de tudo, os homens abstêm-se do sonho,desarmando-se do desejo de serem outros. Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz parar a vida e anoitecer vozes"... em" Vozes anoitecidas", de Mia Couto

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