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"Maman", escultura de Louise Bourgeois |
Pensar em “resultados” quando se fala de psicanálise é
tentar formatá-la segundo critérios “estrangeiros” a ela. Os discursos atuais,
aqueles que falam de “novas patologias”, de “novos sintomas”, de novos
tratamentos, às vezes disfarçados de “psicanalíticos”, funcionam como um vírus “cavalo
de Troia”. Vírus que se imiscui no discurso vigente e engendra, a partir de
seus interesses, um discurso sobre a clínica, oposto ao que seria o da
psicanálise.
Assim têm sido as
“novas clínicas”, criadas como alternativas
ofertadas no mercado ‘psi’,
salpicadas de significantes que nada tem a ver com psicanálise, mas sim,
destinadas a salvar a cada momento a clínica psiquiátrica, ou a das
psicoterapias, clínicas das normas e da ideologia da adaptação.
A palavra “avaliação”, por exemplo, se impõe certamente no
campo da saúde mental. Ela participa das tentativas normativas, morais,
políticas, sociais, econômicas, dos regulamentos que substituem a lei. É uma palavra
que faz parte de um discurso totalitário, pois agora tudo pode e deve ser avaliado. E os critérios de avaliação são “consensuais”,
antielitistas, progressistas, obedecendo a exigências de qualidade. Munidos de
um “selo de qualidade”, “ISOS”, os sujeitos se veem impedidos de viver a
singularidade de uma questão. O “usuário da saúde”, “estressado”(palavras
incumbidas de evitar sustentar algum mal estar) não mais gritará sua angústia.
Tentará, seja por intermédio de medicamentos ou de psicoterapias as mais
variadas, gerenciar seu “stress” a fim de ser “normal”.
A pertinência de tais
intervenções chega aos limites do “eu” e não pode, em nenhum caso, valer para a
estrutura à qual a psicanálise é confrontada.
Diga-se que, para a
psicanálise, a noção de estrutura desloca as fronteiras da cura.
O princípio da “patologia” cria um compromisso do “tratamento”
como finalidade, um tratamento que pretende restaurar ad integrum, aquilo que se desviou, que está impedido ou que mostra um déficit em relação à “normalidade”.
Na estrutura não há desvio ou déficit, mas agenciamento de
elementos segundo configurações, relações que variam. A estrutura não se refere
a uma norma a priori, mas a parâmetros do desejo e da demanda. Deste ponto de
vista cada um é normal na sua estrutura. Neurose,
perversão, psicose indicam um ponto de vista parcial, o de uma estruturação do desejo, a partir da demanda, do real e do
gozo. E as modalidades de intervenção do analista variam conforme se enodam o
real, o simbólico e o imaginário. Não há cura
tipo.
Falar de estrutura nem implica em necessidade de “tratamento”!
Isso depende sempre de uma demanda que, diga-se de passagem,
não está necessariamente de acordo com o desejo do sujeito. Nem mesmo a
gravidade de alguns sintomas faz com que o sujeito queira se livrar deles! É preciso
que algum elemento de sua estrutura tenha se “deslocado”, ou que vacile de algum modo sua certeza.
A estrutura à qual é confrontada a psicanálise é em relação
a um saber. O termo ‘saber’, na sua definição lacaniana, designa ao mesmo tempo
o significante pelo qual um significante representa o sujeito e a relação do primeiro significante ao
segundo. Ele não poderá, portanto, em nenhum caso, ser confundido com o conhecimento. Mais valeria se dar conta
de que o conhecimento está do lado do “eu” e da mestria, enquanto o saber está
do lado do sujeito e da destituição subjetiva.
Se, como diz Lacan “a psicanálise é aquilo que se diz”,
e o “o
inconsciente é estruturado como linguagem”, é nesta dimensão que se
desloca toda a experiência. Experiência, bem entendido, que é a experiência
analítica. Mas, mais ainda, o que ela focaliza é toda a espécie de coisas que
produzem efeitos em todos os outros registros, além daqueles do puro e simples
discurso.
Então, mais que “resultados”,
avaliáveis e referidos a critérios sociais, políticos, econômicos ou
psicopatológicos vigentes, a experiência psicanalítica tem “consequências”.
Não, “consequências” no sentido moral ou temporal. Mas, de consequências
lógicas. Consequências das articulações
significantes que, do seu uso ordinário, abrem caminho a um trabalho de
elaboração lógica, capaz de desencadear “efeitos de sujeito”, que o deixem
diante de alguma escolha, aí sim, singular.
Ângela Porto