sábado, 7 de abril de 2012

A VERDADE, A MULHER, A VIDA...a psicanálise




“Estranho privilégio” ... “ A coisa tem conseqüências,...
A hipótese que levanto consiste nisso: que esse privilégio da função de quantificação diz respeito ao que é a essência do todo e a sua relação com a presença do objeto pequeno ‘a’.”  
Existe algo que opera para que todo o sujeito se acredite todo, para que o sujeito se acredite todo sujeito, e por aí mesmo sujeito de todo, por esse fato mesmo com direito a falar de todo.”(Seminário do Ato Psicanalítico)
Nesta expressão implacável sobre o modo como o sujeito, por estrutura, pode ser levado a discursar sobre ‘si mesmo’, Lacan manterá uma resistência também implacável com um estudo aprofundado nas fontes claras da matemática e da lógica. Encontra aí a expressão de um ‘estranho privilégio’ quantificador, calculável,... mas a seu modo: impossível, indemonstrável,... até os termos dos próximos estudos que incidirão sobre o incompleto e o inconsistente.
O ‘indecidível’, surpresa desta atual leitura do Seminário do Ato, já nos orienta pelo caminho do ‘real’ a ser buscado e reinventado pela atualização de cada analista em sua clínica.
O real ‘sem saber’. A psicanálise não é sem o real. Do analista depende este real que de viés, avessa a verdade do ‘todo’ dito.
Está reinventada a laboração de um tratamento da impostura do todo dizer.

a verdade, a mulher, a vida....a psicanálise

Desde Freud, podemos nos valer de alguma literatura. Busco, lá de Portugal, em Lídia Jorge, em  “A manta do soldado” ed. Record, a singular escrita para uma nova outra conseqüência em causa:
Em quarenta e sete as comunicações eram demoradas, os meses, longos, as tardes não tinham fim, as viagens, lentas, davam para pensar e voltar a pensar, criar figuras entre ir e vir, entre o que se pronunciava e o que se sabia. Cinco factos chegavam para povoar uma vida. Convinha que os factos fossem separados por água, por amor, por cartas. A ansiedade era ainda uma segunda natureza que se amarra entre os muros. Os anos podiam correr, ainda que nem sempre se pudesse esperar.
Ela, porém, esperava.”

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Ela, usava uma bata plissada e uma saia cujo cós não tinha fim.
E por que?
Porque Custódio a passeava de trem, a levava a Faro, a levava ao cinema para ver o Charles Boyer, deixava-a dançar com suas primas e as irmãs na Sociedade Recreativa, enquanto ele ficava parado na zona do bufete. Porque ele lhe comprou um casaco de marta zibelina que ela só poria duas vezes por ano, e haveria anos em que  nem o poria. Levava-a ao Cabeleireiro Lírio, trazia-lhe móveis lacados, um esquentador Vacuum, um rádio Luxor, uma aparelhagem sueca para ela, às tardes, poder dançar. Revistas em que se oferecia a identificação, em alternativa, com Michèle Morgan, Vivian Leigh, e Ava Gardner e a partir daí se definia o caráter duma mulher.” [Lídia Jorge]

Então, se nos propomos mesmo o trabalho através desta insistência de um real que se atualiza excluído do sentido e de qualquer saber a priori como lei, há que se respeitar o enunciado que se lê no “Ato Psicanalítico” de que é na incompletude do saber, que se pode entrever a verdade de um futuro incerto para a psicanálise, e que alguns de seus fracassos é que determinarão sua sobrevivência que, desde Freud, não depende de outra coisa senão do psicanalista.

Lúcia Montes.






2 comentários:

  1. Lucia, a resistência é sempre"implacável",tanto quanto implacável é o desejo e o gozo. Resistir ao choque contemporâneo que pretende assemelhar a psicanálise a qualquer outro tipo de psicoterapia é, por seu risco de "sucesso", sujeitá-la à ameaça de desaparição. Daí o apelo ao avesso da banalização, como você tão bem enfatizou na busca insistente e corajosa de trabalho, com Lacan, que sustente os fundamentos da psicanálise e da clínica psicanalítica. Muito bom, também, o apontamento preciso do "bom caminho" que o texto do "Ato" nos oferece e que você bem leu, indicando-nos um bom "pas" (passo,passe,negação), presentes sempre no momento de concluir!

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    Respostas
    1. "Governe países
      Como quem frita peixinhos..."[Lao-Tzu]

      Conto com sua escuta.
      Sua serenidade me ajuda a saber
      o valor da escrita enquanto instrumento duradouro e de pavio longo...

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