terça-feira, 7 de junho de 2011

Escrever que não se pode escrever também é escrever


O abandono que a palavra às vezes cava na voz de quem a pronuncia,
pode levar o sujeito a uma conta inevitável e é aí que
algumas perguntas passam a nos interessar
na medida exata de sua falta de sentido.
Essa é a hora do sujeito: de repente.
Sem sentido, pego com as letras na mão.  
Abandonado do sentido de suas palavras o sujeito é levado a contar, ou
melhor ainda :  esta mesma falta de sentido ensina-o a contar... e contar perdas.
Parece que foi assim com Freud, e foi ele próprio que assim o testemunhou:
ali onde o lemos, às vezes somos levados a supor um saber apenas, sem ninguém por lá.
Textos, artigos, interlocutores imaginários,
páginas sisudas, coisa  fora de época.... mas, pela insistência de sua letra, atual...
Conta perdas... as pedras de seu desejo
em Pompéia... nos passos de Gradiva.
Tantas tentativas de bordejar o que é do pai: Acrópole... Pompéia,
lambidas vulcânicas que não deixa esquecido o tempo do Verbo:
Passa!
Passa-se por isso
até a próxima margem anterior que é o Ato.
Mas para esta experiência o saber será ainda outro? Suposto? Melhor?
Vemos que Freud o escreveu em um dos nomes da solidão:
Spaltung, dissolução do sentido, separar, perder pátrias, escrever...
até que nos desprendimentos da palavra
faça-se clara a letra:
escoamento até o reino do não sabido...
Até lá,
Como não se enganar de objeto?

Lúcia Montes

2 comentários:

  1. Esse é mais que um texto psicanalítico.
    É pungente, literário, digno do estilo premiado do pai (da psicanálise).
    Muito bonito.

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  2. Oi Lúcia,
    com prazer participo do trabalho de voces.
    Gostaria que pudessemos usar este espaço para nos colocarmos como psicanalistas com relação aos crescentes procedimentos de exclusão dos quais a psicanálise não deve participar.

    Abraço.
    Silvania Del Carrilo Cury

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