A estrutura do aparelho psíquico do sujeito que virá a ser, se organiza em função da dinâmica sexual, ou seja, através do circuito pulsional.
Lacan propõe para a compreensão do circuito, a noção de trajeto pulsional percorrido entre dois campos: o do sujeito e o do Outro. E ainda, que o inconsciente estaria localizado nesta trajetória pulsional, na intersecção desses dois campos. Considera-se o campo do Outro, a cadeia significante; e o campo do sujeito, “o vivo onde o sujeito tem que aparecer”, e é de onde parte a pulsão.
A pulsão é parcial (ela parte de uma borda e não de um todo) e parte, de início, da função biológica de reprodução, como necessidade.
No psiquismo não há nada pelo que o sujeito possa se situar como ser de macho ou de fêmea, só se situam equivalentes – atividade / passividade. A pulsão é ativa no primeiro momento de seu trajeto que é lançado de uma borda do campo do sujeito. É passivo no retorno, em relação ao campo do sujeito, que vem do campo do outro, exterior ao campo do sujeito. Então a passividade para Lacan é conseqüência da atividade do primeiro momento do trajeto. A referência para o termo passividade está na atividade.
É a mesma lógica para o ser de macho ou de fêmea, a referência está na representação do falo, ter ou não tê-lo. Só que o não ter, não é uma conseqüência do ter, não há representação para o não ter.
“O que determina o ser de macho ou de fêmea no psiquismo é o roteiro do Édipo que se coloca no campo do Outro”.
É aquilo que retorna no segundo momento pulsional desse roteiro edípico.
Além dos dois momentos do trajeto pulsional, teremos também os três tempos da pulsão: ver, ver-se e se fazer ver. A pulsão sempre tenta inscrever-se, provocando sempre um movimento.
Parte como necessidade, retorna com um significante. Parte como demanda, retorna como desejo
A pulsão parcial é o representante no psiquismo das conseqüências da sexualidade. A sexualidade se instaura no campo do sujeito por uma via que é a da falta. A pulsão parte como demanda e retorna como desejo.
Isso porque a experiência humana está fundada sobre perdas, ou faltas.
A primeira falta seria a falta real que o vivo perde, de sua parte de vivo, ao se reproduzir pela via sexuada. Lembrando a genética: homem (XY), mulher (XX). Ao se reproduzir um novo ser, se homem (XY), perde-se (XX); se mulher (XX), perde-se (XY).
A segunda falta recobre essa primeira falta: para o advento do sujeito, não existe o significante que o determine, e esse significante está primeiro no campo do Outro.
Freud se vale do mito de Aristófanes, sobre a natureza do amor (Eros) no Banquete de Platão, para mostrar que o sujeito está fadado imaginariamente a buscar o seu complemento no outro.
“O mito do Andrógino conta que os seres humanos começaram por ser esféricos, completos e perfeitos, mas que, por isso mesmo, desafiavam a própria natureza divina. Perante os excessos desmedidos do homem, os deuses resolvem intervir com a sua ação reguladora, infligindo a cada um desses seres um corte e subsequente separação em duas metades. A partir dessa intervenção, cada uma das metades busca pateticamente o seu complemento na outra metade perdida”.
Em oposição ao mito de Aristófanes, que busca no outro sua metade sexual pela via do amor, a experiência analítica busca sua parte para sempre perdida dele mesmo. Portanto a pulsão parcial é fundamentalmente pulsão de morte, “e representa em si mesma a parte da morte no vivo sexuado”.
Lacan propõe o mito da lâmina (lamelle) para nos falar do ‘corte dos deuses’ e ressituar o objeto perdido. A lâmina nos propõe dois sentidos: a da ação do corte, e a idéia de uma ‘lasca’, uma amostra de qualquer um, não todo. A imagem do objeto perdido seria a da placenta. Ao vir ao mundo perdemos este pedaço que seria da mãe e do filho, que seria nem de um, nem de outro. Seria um resto depois da ruptura da membrana embrionária, via o corte da lâmina. Um lasca de corpo, fora do corpo, que guarda em si a idéia de uma complementação.
A libido, para Lacan, seria esse órgão capaz de encarnar a parte faltosa. Coloca a libido não como um campo de força, mas como um órgão irreal, e que se articula ao real de um modo que nos escapa. Essa lasca, essa placenta com movimento orientado pela pulsão, teria a função erótica de entalhar no corpo, o sujeito. De um lado bordas de um corpo, de outro, um sujeito que precisa vir-a-ser. Esse órgão inapreensível simbolicamente teria a função de tentar ligar as bordas do corpo erógeno a uma representação no psiquismo.
Tudo surge da estrutura do significante. O sujeito é efeito do significante.
A relação do sujeito ao Outro se engendra num processo de hiância. O processo é circular entre o sujeito e o Outro, através do movimento da pulsão que compõe-se de uma partida e um retorno, e que na intersecção deles se situa o inconsciente, determinando um processo circular, sem reciprocidade, e sem simetria.
Um significante é o que representa um sujeito para outro significante.
“O significante produzindo-se no campo do Outro faz surgir o sujeito de sua significação. Mas ele só funciona reduzindo o sujeito em instância a não ser mais do que um significante, petrificando-o pelo mesmo movimento com que o chama a funcionar, a falar, como sujeito.”
A significação do sujeito fechada em um significante, o faz desaparecer como sujeito, mas ao mesmo tempo o identifica. A âfanise ou fading é esse momento de fechamento, de paralisação da possibilidade de deslizamento na cadeia significante.
O sujeito se constitui no campo do Outro. E a característica do sujeito do inconsciente é de, estar sob o significante (que está no campo do Outro), que irá desenvolver sua cadeia de significantes. Isso coloca o sujeito num lugar indeterminado.
Simone Caporali Ribeiro
Simone,
ResponderExcluirExcelente trabalho de extração de questões desse capítulo! Eu, cá, tô às voltas com essa "lasca de corpo,fora do corpo, que guarda em si a idéia de uma complementação..."de um lado, bordas de um corpo, de outro, um sujeito que precisa vir a ser" Me interessou saber mais dos fenômenos psicossomáticos e os traços escritos sobre o corpo, que não são da ordem do signo, mas da assinatura, não são sintomas...mas parece que só se poderia "subjetivá-los", portanto fazê-los sintomas, no trabalho analítico por efeito do trabalho da transferência, quando de "pré-significantes" uma escrita desse real pudesse ser feita em outro registro, o significante...Enfim, trabalho pra mim, trabalho pra cada um, vindo das questões do cap. e do seu texto! bj