Retiro das Rosas ... |
"Os ensinamentos da Psicanálise baseiam-se em um número incalculável de observações e experiências, e, somente alguém que tenha repetido estas observações em si próprio e em outras pessoas, acha-se em posição de chegar a um discernimento próprio sobre ela"(nota do editor em Esboço de Psicanálise, Freud)
Freud
“ousou dar importância àquilo que lhe
acontecia, às antinomias da sua infância, às suas perturbações neuróticas, aos
seus sonhos. Daí ser Freud para todos nós um homem que, como cada um, está
colocado no meio de todas as contingências – a morte, a mulher, o pai. Isso
constitui uma volta ‘as fontes e mal merece o título de ciência. O mesmo se dá
para a Psicanálise e para a arte do bom cozinheiro, que sabe cortar bem o animal, destacar a articulação com a menor
resistência. Sabemos que há, para cada estrutura, um modo de conceitualização
que lhe é próprio....” (Lacan, Seminário 1, pag.10)
“ Temos de nos aperceber de
que não é com a faca que dissecamos, mas com conceitos. Os conceitos têm sua
ordem de realidade original. Não surgem
da experiência humana – senão seriam bem feitos. As primeiras denominações
surgem das próprias palavras, são instrumentos para delinear as coisas.”(Lacan,
Seminário I, pag.10)
“Toda ciência permanece, pois, muito tempo nas
trevas, entravada na linguagem.” Mas Freud se impôs submeter-se à disciplina
dos fatos, afastando-se da má linguagem, quando se vale da experiência. Desde a
origem, sabe que só fará progressos na análise das neuroses se se analisar. (
Lacan,Seminário 1, pág. 10)
Estas observações apropriadas
de Lacan, no seu primeiro Seminário, indicam para mim o sentido da experiência
psicanalítica na sua amplitude, enquanto efeitos de uma psicanálise.
Apropriadas de um trabalho analítico, que a cada um cabe, a seu modo.
"Sabemos
que há, para cada estrutura, um modo de conceitualização que lhe é próprio....”
Também é verdade que o "próprio" exige a
redução, das denominações que surgem das palavras, "instrumentos para delinear
as coisas", até a sua "realidade original", onde os conceitos
têm sua ordem, e, não, na "experiência humana".
" Não surgem da experiência humana – senão
seriam bem feitos." Afastar-se
da 'má linguagem' para valer-se da experiência é afastar-se, como princípio, do
'bem' e do 'feito', como direção ética da experiência psicanalítica. Afastar-se
da "má linguagem" é ir mais além dela à 'realidade original'. E
'realidade original' é chegar ao ponto de falta na estrutura de onde,
primariamente, se constitui o sujeito às
expensas de um 'outro experiente' .
Freud em o Projeto para uma
Psicologia Cientifica, diz sobre a experiência de satisfação que:
“O organismo humano é no princípio incapaz de levar a termo esta ação
específica, realizando-a por meio da assistência alheia, ao chamar a atenção de
uma pessoa experiente sobre o estado em que se encontra a criança, mediante a
condução da descarga pela via da alteração interna (por exemplo, por meio do
choro)
Ao atrair a atenção de
alguma pessoa auxiliar, um outro experiente, em geral o mesmo objeto de desejo,
para um estado de necessidade, a via do grito servirá à comunicação com o outro
que se inclui nesta ação específica. "
Da palavra 'ex(peri)ência', retiramos o radical latino peri, que, como o seu correspondente
grego peira significa 'obstáculo' e 'dificuldade'.
Este significado aparece claramente na palavra latina periculum (que significa 'perigo') e no verbo aperire (que quer dizer 'abrir'). Abertura
vem do latim “apertura”.
Interessante que tal parentesco, venha a resultar em “ato ou efeito de abrir, abrimento”, espaço aberto ou vazio,
formando orifício ou fenda, ou vão.Ainda como 'forma
de saber', a palavra experiência adquire também um sentido muito sugestivo,
quando se considera a etimologia de Erfahrung,
com que os alemães designam a noção de experiência. Exatamente por causa do seu
sentido etimológico próprio, poder-se-ia pensar numa distinção entre a vivência
(Erlebnis) e a experiência (Erfahrung). No radical da palavra Erfahrung, temos o verbo fahren, que significa 'viajar', 'percorrer
caminhos', 'desbravar trilhas'.
Tudo isso para reduzir, limitar, chegar ao osso do que seria a experiência em psicanálise.Um discurso sem
palavras. Via o discurso, pois é dele que a estrutura se serve para encontrar a
causa dele. Experiência, em psicanálise é de outra ordem, que não a 'humana'.
"É mensurável a
distância entre o que define um sujeito e o que se sustenta como uma pessoa.
Isso significa que é preciso distingui-los com muito rigor.Qualquer espécie de
personalismo em psicanálise é propício a todas as confusões e desvios." (Lacan,
Seminário XVI, pag 308)
Também não podemos nos ater à noção
de experiência como o campo de uma práxis e entendê-la como algo capaz de
definir o campo de uma ciência
Lacan lembra bem isso no
Seminário XI e observa que tomar o campo
da experiência guiado pelos conceitos fundamentais introduzidos por Freud,
nominalmente o inconsciente, a repetição,
a transferência e a pulsão, sem se formular questões tais que coloquem em
pauta continuamente seu estatuto de conceitos, a serem revistos, movimentados e
postos em evolução, nos leva a nos perguntarmos onde podemos amarrar nossa
prática.
Campo da experiência e, não,
conceito de experiência.
E qual seria o ' campo da
experiência' ?
Lacan se dispõe examinar o conceito de
repetição, tal como presentificado pelo discurso de Freud e pela experiência da
psicanálise. E diz:" Nenhuma práxis,
mais do que a análise, é orientada para aquilo que, no coração da experiência,
é o núcleo do real."(Seminário XI, pag. 55)
E acrescenta:" O justo conceito de repetição deve ser
obtido numa outra direção que não podemos confundir com o conjunto dos efeitos
de transferência. Será nosso problema quando abordarmos a função da
transferência, sacar como a transferência pode nos conduzir ao núcleo da
repetição.Por isso é que é necessário fundar primeiro essa repetição na esquize
mesma que se produz no sujeito com respeito ao encontro. Essa esquize constitui
a dimensão característica da descoberta e da experiência analítica, que nos faz
apreender o real, em sua incidência dialética como originalmente
mal-vindo.É por isso, precisamente, que o real, é, no sujeito, o maior cúmplice da pulsão- à qual só chegaremos por último,
porque só percorrido, esse caminho nos poderá conceber do quê ele retorna"
(Seminário XI, pag. 71)
A experiência em psicanálise é a
experiência da falta.Experiência da divisão do sujeito. Experiência esta que,
sob a égide da transferência, via um significante qualquer, permite que se
possa "desenhar de maneira diferente
do que foi feito, o atlas cartográfico dos jogos do significante relacionados
com o sujeito. Ao fazê-lo, ela não pretende reconstituir nenhum todo novo, mas
apenas inaugurar um método" (Seminário XVI, pag. 308) Um jeito 'privilegiado', único, singular,
do sujeito de se haver com a falta, depois de transformado no que verdadeiramente é, isto é, sujeito enquanto ele mesmo, barrado .
“ O ponto de fechamento não é o
ponto/barra de nossas linguagens de computador, é um passo de fechamento, como
uma volta de parafuso, uma brecha sem remédio, cujas veias só me resta seguir,
sem angústia. Uma passagem do ponto do ordinal, para o transfinito cardinal.
Que me pode acontecer hoje se o desejo é indestrutível, caso Freud esteja
certo? Acho que só surpresas, boas ou ruins. Recebo-as com uma fria
benevolência. A vida se tornou um pouco mais amiga.” (Patrick
Valas em “Passes. O sabre e o pincel” in “Trabalhando com Lacan”,2009,Jorge
Zahar Ed.,R.J.,pag 133)
Começar
uma psicanálise é um ato. O ato está sempre referido a um começo. E isso
implica, para aquele que a inicia, ‘demitir-se do ato’, pois a estrutura que o
garante, advém daquilo que não é o sujeito. Um initium, que antecede o sujeito, mas que o inaugura e anuncia. O fim da psicanálise supõe certa realização da operação verdade, um
percurso do sujeito instalado em seu falso-ser
até um ‘eu não sou’ que se encontra nesse objeto ‘a’. Percurso feito e refeito
colocado e recolocado, do lado do psicanalista, em ato.Experiência analítica.
Recolocar em ato o inconsciente, cem vezes se for preciso,recolocar-se o
trabalho, pois, chegado ao fim uma vez, começar a ser psicanalista é então e aí que se pode deduzir a relação que isso
tem com o começo de todas as vezes. Experiência psicanalítica, campo
privilegiado.O que pode mudar para sempre a relação do sujeito com a vida, com o que se espera, pois cada um há de
esperar o que lhe agradar, no que der e vier sem “amanhãs que cantam”. O
discurso analítico, aquele sem palavras, só promete a novidade: as boas e as ruins.
Pois o que ele promete é clarificar o inconsciente.
Mas aí, lembra Lacan, “ não encorajo ninguém, ninguém cujo desejo não esteja decidido.”
Ângela Porto,16/08/2013
"Experiência" que é o sempre tratar desta clínica que prá nosso susto, de repente, de lugar nenhum, faz ressurgir, a coisa que em toda e qualquer parte se realiza. É este o desafio que temos ao lidar com o Sintoma, nesse trabalho de desvelar, desmascarar, a relação com o gozo "que é nosso real, enquanto excluído."
ResponderExcluirE, como você destaca no seu texto, sobre os termos fundamentais da Repetição para a psicanálise, esta é uma hora privilegiada de se arriscar na escrita do que é o contexto atual de 'difusão' da psicanálise, em seu 'quase pouco' de teoria.
E vejo que nesta possibilidade de um trabalho nos termos do 'bom encontro' que se propõe privilegiadamente nas raízes do 'sem burocracias' e/ou formalismos. Encontro de quem fizer o caminho aré o endereço...
E ainda mais, o lugar escolhido: que de bem mineiro, nos oferece as montanhas e seus recortes, sugerindo muito mais que espelhos, ecos da causa perdida, da chance falhada...mas exigente:
Uma vez mais, colocar-se publicamente a trabalho...
Repetir, até soltar a voz...
...até rastrear a letra que dá o tom da escrita de cada um.