Valendo-me da expressão ‘com o perdão da palavra’, tão comum de se ouvir dizer por aí, gostaria de trazer para nosso contexto estas 3 palavras, sem o peso de baixo astral que às vezes elas significam em certas situações.
Descobri ali, um questionamento que parecia certamente nos reconduzir às coisas e afazeres da análise.
Não sei se as pessoas que postaram aqueles escritos exercem, diretamente, um trabalho com a psicanálise. O que sei agora é que me instigaram a prosseguir com seus fios no tear, e tentar trançar ‘mal estar, angústia e solidão’ como termos que, se bem articulados na análise, poderão dar suporte a uma travessia de acesso às vias do desejo.
Destaco parte de uma frase dos ‘comentários’ citados, para reendereçá-la à ética do lugar do analista e os possíveis desvios de sua função.
“... é muito fácil entrar nos cativeiros dos que nos idealizam, dos que pensam que nos amam, dos que pensam por nós...”
Uma primeira abordagem que me ocorre diz respeito à situação da ‘formação’ do analista hoje, onde é frequente se ouvirem frases etiquetadas da existência de um a priori e óbvio ‘mal estar’ no exercício da psicanálise. O mesmo para todos? Uma espécie de queixa quase sempre seguida de um: é muito difícil ler Lacan!.. Dado suficiente para se deixar levar por uma aceitação submissa, sem críticas, às propostas hierárquicas e idealizadas dos saberes organizados, nos formatos da mestria e das conveniências Institucionais. Saberes transmitidos como decalques de uma experiência, proposta por Lacan, que um grupo de analistas franceses fez funcionar entre os anos de 1964 e 1980. Data em que Lacan, por um Ato de Dissolução, nomeou seu ponto de basta a este modo de funcionamento, dissolvendo o risco iminente da identificação, em guetos, pela crença devotada, por todos, a um mesmo Signo do amor. Princípio fundamental desencadeante das exclusões e intolerâncias. “...é fácil entrar no cativeiro... dos que pensam por nós...”
Outro ponto para esta reflexão é a frequência com que se ouve o uníssono jargão sobre o peso que é a solidão da clínica psicanalítica. O jovem analista então acaba por se deixar sucumbir à oferta das Super Visões dos mais antigos, que garantidos estão, pelo currículo extenso de cargos e tarefas acumulados na ordenação de suas Instituições ao longo dos anos. “...é fácil entrar no cativeiro... das idealizações...”
Refaço aqui o registro de que, há mais de trinta anos, Lacan rompeu os laços deste “modelo” de funcionamento, propondo como trabalho para a psicanálise a experiência da estrutura nodal do pequeno grupo. Pequeno grupo este, onde as pessoas se juntariam num trabalho que tem, por princípio, uma hora marcada para se desfazer, restando dele apenas o registro escrito de cada um.
A partir dessas anotações, deixo aqui a verificação de quanto trabalho e bons estudos temos ainda que fazer, em relação à angústia que não deve demorar muito quando se trata do lugar analista, para que se faça cumprir a função ética, na análise, de sempre se tratar o Amor de Transferência na direção que leva à regra fundamental da Associação Livre. O caminho contrário será um grave desvio na tarefa de atualização da realidade inconsciente.
Mas este manejo só será transmitido no particular de uma experiência com a palavra que não perdoa, porque, nesta instância, dizê-la já terá sido um Ato. Bem dizer da solidão que faz passagem à causa do desejo. Que busca um fim, não o mesmo da finalidade, contida no gozo destrutivo, da covardia neurótica, mas sim, o da coragem que exige uma volta a mais na experiência de viver.
Como referência para um bom nível nos desdobramentos desta conversa, fica um pouco de Lacan:
“Além de não me agradar, não tenho necessidade de anatemizar os que, com a injúria na boca, gritam que me amam, pela simples razão de que a fraude como tal é fonte de angústia. (...)
A experiência analítica dá um lugar eminente à função do engano, ao sustentar-se no sujeito suposto saber. Isto é o que explica o fato de não haver retorno, caso o engano vire fraude. (...)
“Não sou daqueles que recuam diante do motivo de sua certeza. Isso é o que me permitiu romper com o que se havia congelado da prática de Freud numa tradição que claramente obstruía toda transmissão. Aí inventei o que tornou a abrir-lhes um acesso a Freud, o que não quero ver fechar-se.” [abril/1980]
Lúcia Montes